Assentamento no Paraná é fonte de pesquisa inédita sobre agrotóxicos

O trabalho, que também envolve equipes da UBS (Unidade Básica de Saúde) do distrito de São João, está fazendo um diagnóstico da comunidade do Assentamento Valmir Mota, em Cascavel, no Oeste do Paraná





Foto: Júlio Carignano

por Júlio Carignano e Geani Paula

São fortes os indícios de que a utilização extensiva de agrotóxicos representa um grave problema de saúde pública em países em desenvolvimento, especialmente aqueles com economias baseadas no agronegócio. Entretanto, a magnitude dos danos causados pela exposição aguda ou acumulativa a estes pesticidas nos trabalhadores rurais ainda não são bem conhecidos.

Pensando nisso um grupo de trabalho formado pelo Ceatox (Centro de Assistência a Toxilogia) da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) e do Cerest (Centro de Referência de Saúde do Trabalhador) da 10ª Regional de Saúde do Estado iniciou neste mês uma pesquisa inédita em um assentamento da reforma agrária do Paraná.

O trabalho, que também envolve equipes da UBS (Unidade Básica de Saúde) do distrito de São João, está fazendo um diagnóstico da comunidade do Assentamento Valmir Mota, em Cascavel, no Oeste do Paraná. A intenção é identificar se existem problemas de contaminação na comunidade, especialmente nas crianças da Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares e Escola Estadual Aprendendo com a Terra e com a Vida, explica a professora Carla Marek, uma das coordenadoras da pesquisa.

Os moradores já foram submetidos a um extenso protocolo que incluiu aplicação de um questionário ocupacional. Ainda serão coletadas amostras biológicas para exames toxicológicos e de avaliação clínica (geral e neurológica). Posteriormente o laboratório de toxicologia do Hospital Universitário analisará a quantidade de água e sangue dos pesquisados e dos demais componentes de suas residências para a prevenção de doenças crônicas causadas pela exposição dos agrotóxicos.

“Nosso objetivo é desenvolver um estudo que possa contribuir para a sociedade, identificando as consequências dessa exposição de crianças e trabalhadores a aplicação dos agrotóxicos. Será um trabalho desenvolvido a longo prazo que fará um diagnóstico da comunidade. Nossa intenção é identificar se existem problemas de contaminação na comunidade, especialmente nas crianças. E caso existam conhecer suas causas e saber como podemos contribuir dentro de nossas possibilidades e recursos”, explica Carla Marek.

O assentado Artemio Cardoso Mayer, 55, lembra que o MST faz o debate da agroecologia e da saúde pública em seus núcleos de base, porém destaca a importância de cientistas e estudiosos na área. “Nunca tinha passado por um diagnóstico da minha vida. Sempre quando eu passava no médico era apontado o problema do momento e nunca relacionado ao passado, quando eu trabalhava passando veneno. Acredito que alguns problemas como dores de cabeça, pressão alta, sejam resultado dessa época”, diz Artemio, que hoje não utiliza agrotóxicos em sua propriedade.

Elaine Marchioro, coordenadora da Via Campesina do Paraná e moradora do assentamento, enaltece a iniciativa do GT e de como isso será importante para a comunidade. “Ficamos contentes ao saber que havia um grupo preocupado com essa questão dos agrotóxicos e orgulhosos em saber que nossa comunidade foi escolhida para um estudo que será pioneiro na região”.

O assentamento não está livre dessa exposição massiva de veneno mesmo tendo como prática a agroecologia e a produção orgânica. “Nós cuidamos e protegemos nosso assentamento, nossas crianças, nossos alimentos, mas nas propriedades do entorno é derramado veneno e o produto vem com o vento. Tivemos já uns 5 ou 6 casos de pulverização área perto do assentamento e da escola”, comenta.

Lei Municipal

Para o professor da Unioeste e vereador em Cascavel, Paulo Porto, militante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, o município pode se tornar um foco de resistência na luta contra o agrotóxico. “Os indícios são fortes sobre os problemas causados pelos agrotóxicos, inclusive com a possibilidade de casos de depressão em agricultores rurais causados pela exposição, além da relação destes produtos com alguns cânceres”, comenta Porto, que é autor de uma lei municipal que proíbe a utilização de agrotóxicos num raio de 300 metros de escolas, CMEIs, unidades de saúde e núcleos residenciais rurais.

Segundo dados do Ipares (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social), a região da bacia hidrográfica do Alto Piquiri (Oeste e Centro Oeste) é responsável pela utilização de 20% do total de agrotóxicos aplicados no Estado. Além da contaminação direta dos alimentos, os agrotóxicos são a segunda maior causa de contaminação dos recursos hídricos no país.