Foto: Pedro Ribas/SMCS

Era 18 de julho de 2017. Curitiba teve a madrugada mais fria do ano marcando a proximidade do inverno e um morador de rua morreu dormindo na Praça Tiradentes. Na manhã seguinte, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, postou em sua conta no facebook que “as forças do mal insistem no ‘direito’ de permanecer na rua”,referindo-se à vítima, não só do frio.

“Assim é a palavra de Deus, a luz que ilumina as trevas” é uma fala atribuída ao prefeito Greca numa matéria oficialmente publicada no site da prefeitura de Curitiba, sobre uma visita de gabinete que terminou num convite, feito pela Comunidade Israelita do Paraná, para Greca escrever “trecho de versão da torá”, veiculação que não deixa claro qual o interesse público de tal ação.

Uma outra matéria veiculada oficialmente pelo site da prefeitura atribui ao prefeito Greca a abordagem “Lembrando o quarto mandamento de Deus a Moisés, ‘honrar pai e mãe’”, ao falar na posse dos representantes no Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa, destacando, ainda, o uso de parceria com entidades religiosas para esse fim assistencialista. Prática que a Prefeitura, na figura de seu prefeito, ou não, tem mantido de forma padronizada para o exercício do mandato.

Numa breve busca dos últimos dois meses nos veículos oficiais de divulgação do poder municipal, é possível verificar que o voluntariado de igrejas evangélicas tem sido utilizado como fonte de arrecadação de agasalhos, camas, cobertores, por exemplo, para subsidiar apoio ao FAS. Já os representantes das igrejas católicas aparecem nas abordagens sempre com a prefeitura viabilizando de alguma forma, financeiramente, obras de restauração e reformas em igrejas.

Greca anunciou que vai construir em Curitiba uma praça “com uma réplica da fachada do antigo templo de Jerusalém, uma hiperestrela de David e plantas ornamentais da região como palmeiras, tamareiras e Oliveiras. Também haverá um relógio solar e um monumento (Menorah) posicionado em relação ao sol em um ângulo específico para formar a sombra de uma araucária ao meio-dia nas datas dos solstícios de inverno (21 de junho) e verão (21 de dezembro).

Curiosamente, nesta mesma matéria, ele fala que construir um memorial na Praça Zumbi dos Palmares, com uma réplica do “Farol de Alexandria” que seria com a intenção da “evocação das raízes da sabedoria plantadas no norte africano, na antiga cidade egípcia de Alexandria”, mas sem mencionar, por exemplo, as religiões de matrizes africanas.

O artigo 19 da Constituição Federal estabelece o Estado Laico no Brasil, que significa que o país não tem religião oficial e, que ela não interfere na política, mas, além disso, a defesa da liberdade religiosa, promovendo a coexistência das religiões.

Mas, em seu perfil no facebook, entre compartilhamento de links oficiais, especialmente sobre limpeza de monumentos, no dia 8 de agosto Greca anunciou que em Curitiba “não permitiremos” o “satanismo” ao anunciar a recuperação de uma cruz que estava torta. Essa cruz é parte de uma estátua em um túmulo de cemitério. Uma curiosidade sobre a cruz é que ela pode representar, também, a Cruz de São Pedro, menção não considerada pelo prefeito.

O Brasil é um estado laico, pois a Constituição assim estabelece, mas na prática há predominância religiosa, não só nas manifestações públicas do prefeito, mas também na presença de crucifixos nos prédios públicos, no estabelecimento de feriados, que são datas católicas, a escrita “Deus seja louvado” nas cédulas de real.

E seguindo essa lógica do Estado Laico que não é laico, é costume do prefeito manifestar juízo de valor de cunho religioso torneado de frases de efeito, delimitando o que pode ser luz e o que pode ser trevas em Curitiba. E suas frases extrapolam para suas ações, independente do interesse público sobre elas.