Mário Bortolotto é dramaturgo, escritor, músico, ator, dono de teatro e bar. Natural de Londrina, mas radicado há tempos em São Paulo, é um dos grandes nomes da dramaturgia contemporânea brasileira. Seu grupo de teatro, Cemitério de Automóveis – nome que também é o do bar-teatro e de uma banda de rock –, já montou mais de quarenta espetáculos. “Killer Joe”, escrita pelo norte-americano Tracy Letts, é um deles. A peça está em exibição em Curitiba em três sessões únicas, de 1 a 3 de setembro, na CAIXA Cultural.

Cena da peça “Killer Joe”. Foto: Hudson Motta.

A história de “Killer Joe” se passa toda dentro de um trailer. No elenco estão Aline Abovsky, Ana Hartmann, Carcarah, Fernão Lacerda e Gabriel Pinheiro. Chris Smith, 22 anos, é filho de Ansel e irmão de Dottie e está devendo dinheiro a traficantes de Dallas, cidade onde mora. Com a ajuda do pai e da madrasta, ele elabora um plano para se livrar dos problemas. Para isso, contrata Joe Cooper, o Killer Joe, detetive que é também matador.

Bortolotto, que tem grande queda pelo realismo dramatúrgico, fez uma adaptação absolutamente fiel ao texto que já fora transplantado também para o cinema no filme “Killer Joe – Matador de Aluguel”, de William Friedkin. A peça fez enorme sucesso em São Paulo, ficando em temporada por mais de um ano.

Como você chegou neste texto? Por que você o escolheu?

Não fui eu quem escolhi. Quem escolheu foi o Carcarah. Ele é o ator principal da peça e o produtor. Eu não conhecia o texto. Eu li e gostei. Depois fui ver o filme também… E eu gosto muito da peça, gosto muito do texto. Mas na verdade a iniciativa foi totalmente dele. E ele me chamou para dirigir…

Mário Bortolotto: “Sempre gostei muito de trabalhar com o realismo, com naturalismo. Nunca fui muito de trabalhar em outra linha. É minha praia.” Foto: Aristeu Araújo

Ele é o teu sócio…

Ele é sócio no meu teatro. Ele produziu a peça e é quem protagoniza.

Vocês fizeram muito sucesso em São Paulo com a peça. Mais de um ano em cartaz. Vocês estavam esperando por isso?

Não. Na verdade a gente nunca espera nada. Eu sempre faço meus trampos sem esperar repercussão alguma. Eu nunca viso atingir um público x ou conseguir fazer sucesso. Na verdade, eu faço porque eu me interesso pelo trabalho, porque eu fico instigado para fazer. Foi o que aconteceu com “Killer Joe”. Mas não sei dizer porque as coisas dão certo. No caso do “Killer Joe”, talvez porque a história é muito boa e acho que a gente conseguiu atingir o que o autor queria dizer na peça. Eu gosto de trabalhar com realismo e a peça pede isso. Tem uma escolha boa de elenco também. É uma soma de fatores que fez com que a peça tenha dado certo. E deu muito certo, tanto de crítica quanto de público.

Você falou de realismo no teatro. Parece que é um caminho que não está sendo tão usado hoje em dia…

O realismo foi abandonado há muito tempo no teatro. Quase ninguém gosta de trabalhar com realismo. Em São Paulo pouca gente trabalha com realismo. Mas eu gosto muito. Sempre gostei muito de trabalhar com o realismo, com naturalismo. Nunca fui muito de trabalhar em outra linha. É minha praia.

Cena da Peça “Killer Joe”. Foto: Hudson Motta.

E como é manter um teatro? Eu sei que é difícil, sei que vocês fizeram um Catarse (campanha colaborativa) para a manutenção do espaço.

Na verdade a gente mantém o teatro com o bar. A gente tem um bar e é um bar que pegou. Acho que é um tipo de bar que não tem em São Paulo. É um refúgio da rapaziada. Eles ficam lá à vontade. A trilha sonora do bar é boa. Acaba virando quase que um clube. Então o bar sustenta o teatro. O teatro, na verdade, tem só trinta e cinco lugares. Mesmo que lote todos os dias, cobrando ingresso a trinta reais (a meia é quize, as pessoas vão pagar quinze), não vai dar muita coisa. E na verdade, tudo o que a gente ganha no teatro é para os atores. Como a gente não tem grana por trás, não tem patrocínio, a gente monta a peça sem nada, sem dinheiro. Os atores entram de cooperativados. Pro teatro mesmo vem dez porcento da bilheteria. Então não daria para sustentar o teatro nunca. O teatro é muito caro: aluguel, luz, água, funcionário… A gente se mantém com o bar que fica funcionando muitas vezes até às sete da manhã. Com o bar e com aluguel de sala de ensaio, aluguel de pauta… A gente não aluga tanto para os outros porque se não, a gente não consegue fazer as nossas próprias peças. A gente aluga quando percebe que o espetáculo tem a ver, que tem uma sintonia com o que a gente vem fazendo.

Você fala como se não fosse um negócio. Não é um negócio?

Não, não é um negócio.

Não dá retorno?

Não.

E por que você continua? É só para fazer teatro mesmo?

É para a gente poder fazer o nosso teatro. O teatro que a gente gosta de fazer. Até hoje eu não ganhei um centavo. Eu sobrevivo dos trabalhos que eu faço fora do meu teatro. Dirijo peça para outros grupos, escrevo texto para jornal, trabalho como ator etc. Vou somando tudo isso e como tenho um padrão de vida muito baixo, eu consigo me manter. Mas não é um negócio. Poderia até ser, se a gente tivesse um teatro maior, tivesse o patrocínio de alguma empresa, poderia ser um negócio. Mas no nosso caso não é.

Você acha que suas escolhas enquanto linguagem, a questão do realismo que está abandonado no teatro brasileiro, fazem com que seja mais complicado?

Não tem a ver com o realismo. Mas eu tenho escolhas muito radicais no trabalho. Não tem o menor sentido fazer teatro se eu não optar pelas escolhas radicais que eu quero. Já não ganho dinheiro, se eu não fizer o que gosto, que sentido tem? Eu sempre fiz só o que gostava, o que curtia. E não pretendo mudar agora que estou velho. O meu caminho está traçado há muito tempo.

Você também trabalha como ator em produções maiores. Já atuou na Globo (na série “A Teia”)…

E só faço essas produções se sentir que tem a ver comigo também. Eu não faço qualquer coisa. Eu fui fazer “A Teia” porque achei que fosse ser divertido. Eu percebia que iria ter um clima rock and roll, o texto era do Bráulio Mantovani (roteirista de “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus”)… Foi isso tudo me instigou. Eu não tenho vontade alguma de fazer novela, por exemplo. Não me interessa falar aquele texto de televisão, de novela. Eu fui fazer uma peça com o (dramaturgo) Roberto Alvim, por exemplo. Por mais que a linguagem dele seja muito diferente da minha, é também uma outra linguagem radical. Me interessa. Eu não vejo sentido algum em virar o ator que faz qualquer coisa, que faz qualquer peça, que vai atrás de peça que faz sucesso.

E essas mídias todas em que você tabalha… Você faz cinema, TV, você escreve, é músico. Isso tudo reverbera no teatro?

Sem dúvida, é o que estou falando. Eu acho que é o prolongamento do que eu faço em teatro. O rock and roll que a gente faz, o blues que a gente faz, é um prolongamento do teatro. Eu faço cinema com a turma que se identifica comigo, com a turma que frequenta o bar. Helena Ignez (atriz e diretora dos filmes “Luz nas Trevas” e “Ralé”), Cristiano Burlan (diretor de “Mataram Meu Irmão”), são pessoas que são minhas amigas, com quem eu trabalho à vontade. Às vezes me chamam para fazer uns filmes que eu, “puxa, não vou fazer isso, não”… Umas comediazinhas, umas coisas que não me interessam fazer.

Você não vai me ver escrevendo no Facebook sobre política. Eu falo de cinema, de literatura, de teatro, de rock and roll. É o que me interessa, é o que me move. Foto: Aristeu Araújo

Você fez um filme agora com o Cristiano Burlan. Como foi?

Fiz. Chama “No Vazio da Noite”. Eu, (Jean-Claude) Bernadet… Na verdade eu já fiz uns três filmes do Burlan. Mas ele tem esse jeito caótico de trabalhar e às vezes o que a gente faz não sobra depois no filme. Em “Antes do Fim”, por exemplo, todas as cenas que fiz na mansão foram cortadas… Deu um problema com o áudio e acabei dançando do filme. E agora há pouco fiz um outro do Burlan com o (professor e pesquisador) André Gatti, que é um filme sobre um montador de cinema. Com a Helena Ignez eu fiz os últimos três dela: “Luz nas Trevas”, “Ralé” e  “A Moça do Calendário”, que vai estrear no próximo Festival de Brasília. Me chamam e eu vou lá com o maior prazer. É sempre com baixo orçamento, sem dinheiro. Está tudo certo.

Você está com projetos novos?

Vou estrear uma peça nova no dia 29 de setembro. A gente fez a leitura ontem. É um texto meu, novo, chama “Tudo que Dói”. Acabei de escrever ontem e já fiz a leitura ontem. Esse ganhou o prêmio Zé Renato (de fomento ao teatro em São Paulo). Esse vai ter uma graninha para montar a peça. É difícil a gente pegar um prêmio. Dessa vez deu certo, vamos poder pagar os atores, pagar o cenógrafo, enfim… Estou mergulhado nisso agora. Mas tenho uma pá de ideias para o ano que vem.

Você fala de política? O teu teatro é bem político.

Sim. Acho que meu teatro é bastante político, na verdade. Ele defende ideias de uma maneira bastante radical e sem fazer concessões. Mas você não vai me ver em reuniões políticas, levantando bandeira, faixas ou cartazes, defendendo tal ou tal pessoa. Eu defendo ideias, não defendo pessoas, partidos. Não vou fazer isso. Você não vai me ver escrevendo no Facebook sobre política. Eu falo de cinema, de literatura, de teatro, de rock and roll. É o que me interessa, é o que me move.

Killer Joe
CAIXA Cultural Curitiba, Rua Conselheiro Laurindo, 280 – Curitiba
1 a 3 de setembro de 2017 (sexta a domingo)
sexta e sábado, às 20h. Domingo, às 19h
R$ 10 e R$ 5 (meia)
Classificação etária: 16 anos