Adaptação de conto de Neil Gaiman para quadrinhos será lançado em Curitiba

Novo trabalho dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, "Como falar com garotas em festas", poderá ser conferido às 19h do dia 6 de setembro.




FonteBlog da Itiban

Fábio Moon e Gabriel Bá são nomes para lá de reconhecidos no mundo editorial das histórias em quadrinhos. Os Gêmeos, como mais costumeiramente são tratados, são autores de títulos de sucesso como “Daytripper” e “Dois Irmãos”. Na próxima quarta-feira, 6 de setembro, eles estarão em Curitiba para o lançamento de “Como falar com garotas em festas”, uma adaptação do conto homônimo do britânico Neil Gaiman (autor de “Sandman” e “Deuses Americanos”). O lançamento será na Itiban Comic Shop, às 19h, onde haverá uma conversa com o público e autógrafos.

As produções dos Gêmeos têm alcançado grande reconhecimento de público e crítica. “Daytripper” estreou em primeiro lugar na lista de mais vendidos do New York Times, foi escolhido como uma das melhores graphic novels de 2011 pela revista Publishers Weekly e pela Amazon, e ganhou os prêmios Eisner Award e Harvey Award (Estados Unidos), o Eagle Award (Reino Unido) e o prêmio de melhor HQ no festival Les Utopialles, em Nantes. Com “Dois Irmãos”, adaptação do romance do brasileiro Milton Hatoum, a dupla levou novamente os prêmios Eisner e Harvey.

O escritor e roteirista Lielson Zeni realizou a seguinte entrevista com Fábio Moon e Gabriel Bá para o blog da Itiban.

Os Gêmeos em lançamento do quadrinho “Dois Irmãos”. Foto: Gosmma

Qual foi a participação de Neil Gaiman na quadrinização de “Como falar com garotas em festas”?

Fábio Moon: Não foi muito grande não, assim como com o Milton (Hatoum) no “Dois Irmãos”. Nós tivemos liberdade para fazer a nossa versão, a nossa leitura. Mas, ao mesmo tempo, ele foi uma presença muito maior durante a produção, porque tinha que aprovar cada etapa do processo. O Milton viu o livro praticamente pronto, enquanto o Neil Gaiman viu o roteiro antes de a gente começar a desenhar, viu as páginas em preto e branco antes de a gente começar a colorir, e ajudou a escolher entre as ideias a que acabou virando as capas. Ele confiou no nosso trabalho, mas estava sempre de olho.

Gabriel Bá: Uma coisa que ele ajudou foi na composição do personagem principal. Ele nos mandou umas fotos de quando ele tinha aquela idade, e o personagem Enn, que no conto já é um alter ego do Neil, também no gibi foi pensado com o jovem Neil na cabeça.

Quando surgiu o convite para esse livro? Vocês aceitaram de imediato? Como dividiram as “tarefas”?

Gabriel: Estávamos no último ano de produção do “Dois Irmãos” ainda e a possibilidade de fazer outra adaptação nem passava pelas nossas cabeças, mas então a Diana Schutz, editora da Dark Horse, nos escreveu fazendo o convite. O último ano de produção do “Dois Irmãos” já era o quarto ano trabalhando no livro, e achávamos que seria nossa última adaptação, mas a chance de poder adaptar uma história do Neil Gaiman, e ainda poder contar essa história em particular, uma história sobre a estranheza juvenil nos primeiros relacionamentos, que tem tanta relação com o tipo de quadrinhos que gostamos de fazer, era imperdível, e o convite, irrecusável.

Fábio: Como o Bá ainda ia passar o ano inteiro desenhando “Dois Irmãos”, e como eu e o Bá temos essa opinião (não sei se correta, mas ainda assim) de que eu desenho melhor mulheres – e sabendo que na histórias teríamos várias mulheres para desenhar –, já de cara decidimos que eu faria o desenho da história. Fizemos o roteiro juntos, da maneira que aprimoramos no Dois Irmãos, com rascunhos das páginas sendo feitos ao mesmo tempo em que o texto final era escrito, então o roteiro é uma miniversão da história, um roteiro visual, desenhado. Assim, no roteiro que mostramos para a editora e para o Neil já dava para ver quantos quadrinhos tinha cada página, o enquadramento, o ritmo visual de leitura.

Gabriel: Chegamos a pensar que os dois poderiam colorir a história, usando a mesma técnica da aquarela, mas quando chegou a hora de colorir, a gente já tinha outros projetos em andamento (mais “Casanova” e mais “Umbrella Academy”), então o Fábio acabou embalando na cor e fez tudo.

Fábio: Além do roteiro, o Bá também teve que me manter na linha e não deixar eu ficar com preguiça no meio do caminho. A gente sempre fica no pé um do outro quando a gente sabe que dá para ficar melhor.

“Dois irmãos” também foi uma adaptação literária, assim como “O alienista”. A extensão dos textos (mais longo no livro de Hatoum; menor no conto de Gaiman) tem alguma influência na adaptação?

Gabriel: Nas nossas adaptações, tem. Só adaptamos histórias e autores que gostamos, e tentamos manter o máximo do texto que gostamos do original, para que ainda tenha o estilo da escrita, o sabor original. Mas a dinâmica narrativa dos quadrinhos é outra, então precisamos pensar mais no espaço que as imagens precisam do que o espaço que o texto precisa. Sempre que possível, queremos deixar o espaço que a história precisa para contá-la como uma boa HQ.

Fazer “Dois irmãos” e “O alienista” tornou de alguma maneira mais fácil o trabalho em “Como falar com garotas em festas”?

Fábio: A gente vai aprendendo com cada livro. Aprendendo sobre o ritmo de leitura dos quadrinhos, aprendendo sobre como escolher a parte mais importante do texto, e como enxergar qual parte funciona melhor como imagem na adaptação.

Gabriel: Mas fazer quadrinhos nunca é fácil. Pelo menos para a gente. O tipo de desenho que a gente tem demora, e tem demorado cada vez mais pelo tempo que a gente leva criando o mundo da história, os personagens, e mesmo o tempo que demora para desenhar cada página. E nesse caso a gente ainda decidiu colorir tudo com aquarela, à mão, o que tornou esse um dos livros mais difíceis que a gente já fez.

Qual foi a diferença nos três processos?

Fábio: No “O alienista”, a gente tinha limites. Tinha três meses para fazer o livro inteiro e tinha um número fixo de páginas. Como “O alienista” era um conto, deu para contar uma boa HQ. E acabamos fazendo a HQ em quatro meses. Demorou um mês para colorir, mas esse prazo era porque a editora na época nunca tinha publicado quadrinhos antes, não sabia quanto tempo demorava para fazer, e na época a gente trabalhou feito louco para fazer o roteiro em um mês e sessenta páginas em dois.

Gabriel: No Dois Irmãos, já falamos de cara pro André Conti (o editor) que a gente só faria se não tivesse limite de páginas, porque a gente não gosta de adaptação que é resumo do original, e para fazer jus ao romance, a gente ia precisar de todas as páginas possíveis. E a gente não tinha prazo, porque era um trabalho muito longo, e a gente ia precisar continuar os outros projetos no exterior enquanto produzia o livro ao mesmo tempo. A gente achou que ia demorar dois anos no livro, mas acabou demorando quatro.

Fábio: Agora, a gente também não tinha limite de páginas, mas a gente tinha um prazo que não conseguiu cumprir. A Diana Schutz editou nosso primeiro livro na Dark Horse, o “De:TALES”, e ela ia se aposentar depois desse livro, então nosso prazo era terminar o livro antes dela se aposentar, e esse seria seu último livro. Acabamos terminando o livro quase um ano depois que ela se aposentou, mas felizmente ela continuou trabalhando no livro como freelancer para a editora. No final, para esse livro o mais importante é que ficasse bom, então não tinha porque fazer com pressa. Levou dois anos de trabalho.

É de alguma forma diferente pensar em uma criação que é de vocês desde a ideia inicial e de adaptar prosa literária?

Gabriel: Com certeza. Nós amamos contar histórias, e quando gostamos de uma história em outro meio, como a literatura, e achamos que ela daria uma ótima HQ, então aceitamos o desafio de realizar a adaptação, e a partir daí nosso trabalho é o de misturar o que mais gostamos do original com o nosso próprio trabalho, a nossa sensibilidade, o nosso estilo. Nossas adaptações são nossas, quem gosta do nosso trabalho vê nas adaptações o nosso estilo. Mesmo assim, criar uma história do zero é totalmente diferente. É poder contar uma história diferente do que está sendo feito em outros meios.

Fábio: Queremos contar histórias diferentes do que vemos em outros meios e diferentes do que vemos em Quadrinhos, aproveitando as qualidades narrativas que só os Quadrinhos oferecem. Essa busca pelo que ainda não foi feito nos inspira mais do que recontar uma boa história.

Vocês já tem algum próximo projeto em desenvolvimento? Se sim, podem falar sobre ele?

Gabriel: Continuamos produzindo para o mercado exterior as séries que colaboramos com outros roteiristas. Eu estou desenhando mais “Umbrella Academy” e o Fábio está esperando o próximo roteiro do “Casanova” para desenhar.

Numa entrevista vocês falaram que já receberam muitas propostas para adaptação de “Daytripper” para o cinema, mas até agora não fecharam nada. Gostariam de ter mais controle sobre a adaptação, participar do roteiro, escolha de elenco… Têm preferência por algum diretor?

Fábio: A gente gostaria de ter mais controle sobre isso, mas ao mesmo tempo não acho tão importante ficar pensando numa adaptação. Cinema e TV são monstros muito diferentes dos quadrinhos, e a gente sabe fazer quadrinhos. Deixa quem sabe fazer cinema e TV pensar na linguagem deles.

Gabriel: Ainda existe muito para se fazer em quadrinhos, para explorar a linguagem, para aprender sobre o próprio trabalho. Nosso foco sempre foi e continua sendo o de levar os quadrinhos, não só os nossos, para mais longe, para mais gente. O grande sucesso de adaptações para o cinema e para a TV está trazendo o interesse de cada vez mais gente para os quadrinhos, agora que não é hora mesmo de pensar em outra coisa.

Já são 20 anos do lançamento da primeira 10 pãezinhos. Há algo programado, como relançamentos ou novas histórias autorais?

Fábio: Como todos os livros dos “10 Pãezinhos” estão esgotados, o jeito mais prático de colocá-los disponíveis para uma nova geração de leitores que está descobrindo o nosso trabalho é de maneira digital, então fizemos essa parceria com o Social Comics para republicar esse material ao longo deste ano para comemorar esses 20 anos. “O Girassol e a Lua” entrou no site em abril, e eu estou terminando a nova edição do “Meu Coração, Não Sei Por Quê”. Reescaneamos todas as páginas, e estamos refazendo os balões para essas novas edições.

Olhando para o começo da carreira de vocês e o que vivenciam atualmente, quais foram as principais mudanças?

Gabriel: Durante os primeiros 10 anos da nossa carreira, produzimos nossos quadrinhos ao mesmo tempo em que trabalhávamos em outras coisas para pagar as contas, como fazem todos os Quadrinistas nacionais até hoje. Acreditávamos nas nossas histórias e era mais importante produzi-las do que poder gozar de um mercado saudável. A ideia de viver de quadrinhos era um sonho, mas não era o mais importante dos sonhos. Contar boas histórias sempre foi nosso maior objetivo, independente de dar dinheiro ou não.

Fábio: Foi muito importante para nossa carreira as escolhas que fizemos ao longo dos anos, os projetos que escolhemos fazer. Sempre nos preocupamos com os resultados a longo prazo, com os benefícios que cada projeto de quadrinhos podia trazer para nossa carreira e, quem sabe, para o mercado de quadrinhos no Brasil. Uma boa história pode quebrar barreiras, atravessar os limites de público e mercado que existiam. Poderia mudar até a concepção dos autores sobre as suas possibilidades. Essa sempre foi a nossa esperança. Depois de 10 anos produzindo quadrinhos no Brasil, construindo uma carreira boa no nosso mercado, foi só quando vimos a oportunidade certa de investir no mercado americano é que decidimos colocar todos nossos esforços naquilo. Foi uma virada na nossa carreira que culminou também no início de um movimento no mercado nacional.

Gabriel: Conhecemos muitos artistas brasileiros desenhando para Marvel e DC e sabíamos que essa era uma maneira de viver de quadrinhos, ganhar uma grana que garantia um vida confortável, mas não foi o nosso caminho no mercado americano. Escolhemos o caminho do Quadrinho Autoral, que demorou mais para dar retorno, mas foi uma das melhores decisões que tomamos.

Fábio: Nossa carreira internacional nos estabeleceu como autores e nos garantiu produzir obras de profundidade e alcance que não tínhamos até aquele momento. Isso foi muito importante para evolução do nosso trabalho, mas também para mudar os conceitos do quadrinho nacional do que era possível fazer. Sempre acreditamos que não havia limites para os quadrinhos e acho que essa é uma ideia um pouco mais estabelecida no quadrinho brasileiro de hoje. Todo mundo está fazendo seus próprios quadrinhos, com seu próprio estilo. Houve uma explosão de novos autores, novos leitores. Essa foi a grande mudança dos últimos anos, esse crescimento da “cena” tendo os eventos como grandes momentos de celebração.

Gabriel: Como falei lá no início, os autores brasileiros ainda não vivem dos seus quadrinhos, não temos ainda um mercado que se sustenta, mas se isso não era um problema há dez, vinte anos, hoje é menos ainda. A grande diferença hoje é essa sensação de “cena”, de que existe um grupo grande de autores que estão na mesma situação que você, compartilhando os mesmos ideais, buscando novos caminhos a serem trilhados. O universo dos Quadrinhos era muito solitário, tanto para autores como para leitores, e isso não é mais assim. A internet conectou todo mundo e os eventos de Quadrinhos transformaram a escala do mercado, se transformando em algo que não existia antes: uma amostra de um mundo onde o público encontra todos os Quadrinhos que quer, os autores encontram o público para seus livros e todo mundo sai feliz e realizado.

Como Falar com Garotas em Festas
80 páginas – 17.80 x 27.00 cm
Selo: Quadrinhos na Cia

Lançamento em Curitiba na Itiban Comic Shop
Av. Silva Jardim, 845 – Rebouças
Às 19h – Entrada gratuita