“Corpo elétrico”, primeiro longa-metragem do mineiro Marcelo Caetano, toca em pontos essenciais da sociedade contemporânea. Em tempos de intolerâncias (no plural), o filme é uma espécie de manifesto libertário e gay. Além disso, é uma obra que tenta olhar por cima de algumas barreiras e muros, procurando remoldar o nosso olhar de espectador. É uma narrativa de desconstrução, em que o corpo não é mais tabu, mas um caminho para a liberdade.

Marcelo Caetano, radicado em São Paulo desde meados dos anos 2000, nos apresenta a metrópole sem os clichês dos cartões postais. É uma metáfora para os próprios personagens, quase todos peões em um fábrica têxtil. Anônimos. São rostos desconhecidos do grande público e da cidade em que vivem. Mas são todos corpos que desejam, elétricos, e que vivem suas individualidades, anseios, conquistas e derrotas.

O protagonista é Elias (Kelner Macêdo), um paraibano, também trabalhador da fábrica. Ele, porém, tem uma posição de destaque na empresa: é estilista. Sua posição não o impede de se relacionar com os colegas de chão de fábrica, o que não é bem visto pelos patrões. Essa tensão de classes (como que um revisionamento da luta de classes) atravessa toda a narrativa. É que esses personagens se querem livres. E dizem isso com seus corpos que amam sem barreiras, que se travestem, que fazem shows em boates gays, que fazem funk gay, que são também heterossexuais e querem casar, ter filhos. A convivência de Elias com seus amigos de fábrica, homossexuais e não homossexuais, parece partir de uma solidariedade entre comuns que não se reconhecem apenas em suas características mais evidentes.

Caetano nos lembra que para além das identificações de gênero, de orientação sexual, de afinidades de tribos urbanas, esses personagens estão todos à mercê do cartão ponto e do contracheque. No mundo de “Corpo elétrico”, que é um mundo pobre e proletário, não vemos homofobia. Mas vemos o peso das relações de trabalho.

Assim como João Batista de Andrade fez em 1981 em “O homem que virou suco”, Marcelo Caetano o faz agora e nos pergunta o que são a metrópole e seus habitantes. Se lá no início da década de 1980 a resposta passava por um embate feroz entre o protagonista artista e a sobrevivência, aqui em 2017 percebemos que a visão política se fragmentou e se incrustou nas mais diversas brechas.

“Corpo elétrico” atualiza a nossa visão de sociedade porque escapa dos clichês mais diversos. Porque nos faz ver um recorte das cidades que está permanentemente distante dos noticiários, a não ser que virem números, sejam eles para falar de desemprego ou assassinatos.

Corpo Elétrico
Direção: Marcelo Caetano
Roteiro: Marcelo Caetano, Hilton Lacerda e Gabriel Domingues
Duração: 94 min