Peça com transexual é proibida em Jundiaí

O espetáculo 'O Evangelho Segundo Jesus, Rainda do Céu' foi cancelado por força de liminar. Juiz vê agressão religiosa e diz se tratar de apresentação com baixíssimo nível intelectual. Diretora aponta fundamentalismo e preconceito na decisão.





Foto: Ligia Jardim/Divulgação

A encenação da peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainda do Céu” que aconteceria no Sesc Jundiaí na última sexta-feira, dia 15 de setembro, foi cancelada por decisão judicial. O enredo do espetáculo, em um misto de monólogo e contação de história, põe Jesus nos tempos atuais, mas na pela de uma travesti.

A liminar foi expedida pelo juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1ª Vara Cível da Comarca de Jundiaí. De acordo com nota publicada na página do Facebook da peça, a decisão atende a um pedido que vem sendo articulado há alguns dias por congregações religiosas, políticos e pelo TFP (Tradição, Família e Propriedade)”.

Na decisão, o juiz sustenta que “o que não se pode ser tolerado é o desrespeito a uma crença, a uma religião, enfim, a uma figura venerada no mundo inteiro.”

E complementa discutindo a liberdade de expressão: “Nessa esteira, levando-se em conta que a liberdade de expressão não se confunde com agressão e falta de respeito e, malgrado a inexistência da censura prévia, não se pode admitir a exibição de uma peça com um baixíssimo nível intelectual que chega até mesmo a invadir a existência do senso comum, que deve sempre permear por toda a sociedade.”

O parágrafo de conclusão traz os seguintes dizeres: “Do exposto, considerando-se que as circunstâncias jurídicas alegadas em a inicial corroboram o fato de ser a peça em epigrafe atentatória à dignidade da fé cristã, na qual JESUS CRISTO não é uma imagem e muito menos um objeto de adoração apenas, mas sim O FILHO DE DEUS, ACOLHO as razões explanadas pela parte autora e assim o faço como fito de proibir a ré de apresentar a peça ‘O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, RAINHA DO CÉU’” (os grifos são do juiz)

Foto: Ligia Jardim/Divulgação

Natalia Mallo, tadutora e diretora do espetáculo diz em nota que desde a estreia da peça o grupo vem sendo alvo de violências. “ameaças de censura, ameaça física, insultos e difamação na internet, etc. Mas esta é a primeira vez que o espetáculo é impedido de acontecer”. Ela diz ainda que “o conteúdo da liminar concedida pelo juiz (…) é um tratado de fundamentalismo e preconceito”.

Para Mallo, o Brasil é o país mais transfóbico do mundo. O espetáculo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainda do Céu” teria, portanto, o papel de levar a complicada situação para debate da sociedade. A diretora enfatiza: “Diariamente travestis são espancadas e assassinadas sem que a mídia, a opinião pública ou o sistema de justiça reconheçam a gravidade e o inaceitável do fato. Estas pessoas vivem e morrem na invisibilidade”.

Em setembro o Sesc Jundiaí integra o projeto “[há] diversidades?”, que é promovido pela Assessoria de Diversidade Sexual e Câmara Setorial de Cultura LGBT (Unidade Gestora de Cultura – Prefeitura Municipal de Jundiaí). A programação é composta por rodas de conversa, oficinas, exibição de filmes e espetáculos.

O Sesc Jundiaí recorreu da decisão, conforme nota de esclarecimento publicada em seu site.

Outros casos

Foto: reprodução.

A liminar concedida em Jundiaí é o terceiro caso de proibição em apenas uma semana. Na última quinta-feira, a artista mineira Alessandra Cunha teve uma de suas telas retiradas de uma exposição em Mato Grosso do Sul. A tela que foi batizada como “Pedofilia” mostra em imagens não realistas dois homens com o órgão genital aparente e uma criança. A pintura também traz a seguinte mensagem escrita de trás para frente: “o machismo mata, violenta e humilha”. A proibição ocorreu depois que três deputados estaduais registraram um boletim de ocorrência. A artista pode vir a ser denunciada por apologia à pedofilia.

Já no último domingo, dia 10 de setembro, foi a vez de uma exposição inteira ser cancelada. A mostra acontecia no Santander Cultural, em Porto Alegre, e tinha o título de “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”.  O centro cultural cancelou a exposição após protestos em redes sociais, liderados principalmente pelo Movimento Brasil Livre (MBL). A maior parte das reclamações apontavam a existência de pedofilia e zoofilia nas obras. Em um primeiro momento o banco lançou nota justificando o intuito da exibição: “Justamente para nos fazer refletir sobre os desafios que devemos enfrentar em relação a questões de gênero, diversidade, violência entre outros”. Contudo, dois dias depois voltou atrás:  “Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana”. A exposição ficaria em cartaz até o dia 8 de outubro.