Normalidade normalizadora

"É mais importante o cancelamento da exposição em Porto Alegre que a intervenção militar na Rocinha", avalia jurista





Vivemos 13 anos de avanços sociais. Menos do que gostaríamos, desejávamos, sonhávamos.

Materialização histórica e concreta da correlação de forças entre as classes sociais – antagônicas, vivemos no capitalismo – as políticas públicas para pobres e para as afirmações da diversidade, pela primeira vez desde a invasão portuguesa na Terra Papagalis, tiveram o resultado possível. Não foram tão longe quando esperávamos, mas “longe demais” segundo a perspectiva dos conservadores.

Pleno emprego, salário mínimo aumentando, controle de jornadas para motoristas, acesso de pobres ao ensino superior, aos aeroportos, aos shopping centers, políticas de respeito à diversidade, à orientação sexual ou identitária, ao próprio corpo e à decisão sobre a maternidade, e, acima de tudo, a consagração de direitos trabalhistas aos empregados domésticos, tudo isso, foi intolerável para a classe média tradicional e para as igrejas. De outra parte, a galera que pensa que é de Esquerda porque defende as pautas pós-modernas, por não compreender a essência do Estado capitalista, considerou que destruindo o PT e a instável coalisão que permitira aqueles limitados avanços radicalizaríamos a democracia. O pior Congresso de todos os tempos e o a flexibilidade ética que passou a caracterizar parcelas do Judiciário de cima a baixo produziram o ambiente institucional para o que viria. Os corruptos que chantageavam a governabilidade, em auto-defesa preventiva fizeram “o que tinha que ser feito”, com Supremo, com tudo.

E o Direito morreu. De morte matada. Assumiu-se, de modo descomplexado, que o Direito diz o que o Juiz diz que o Direito diz, sem referentes externos (Constituição, Leis), bastando convicções ainda que ausentes as provas.

Deram o Golpe.

Agora é a hora de retomar a normalidade normalizadora. É mais importante o cancelamento da exposição em Porto Alegre que a intervenção militar na Rocinha; é mais urgente a liberação da maconha que a luta contra a destruição do Direito do Trabalho; é essencial defender a liberdade de culto ainda que muitos deles atentem contra os pequenos, insatisfatórios, ínfimos avanços que começávamos a experimentar.

Tudo tem que voltar ao normal, ao que tínhamos antes de 2002 ou ao que imaginávamos ter em 2013, em uma grande reconciliação nacional, com Supremo, com tudo.
O Estado de Exceção se consolida. O general, de uniforme salpicado de medalhas, fala abertamente em intervenção militar caso as instituições não retomem a normalidade normalizadora. Os movimentos sociais identitários retomam suas pautas particulares, grupais, como se não tivesse havido a ruptura institucional.

Tudo tende a voltar ao que sempre foi, como “d’antes no quartel de Abrantes”. Tudo “tem” que voltar ao normal, à normalidade normalizadora.

Parabéns aos envolvidos.

(*) Wilson Ramos Filho, Xixo, é curitibano, Doutor e professor de Direito da UFPR.