Formada em 1982 em Mauá, no ABC paulista, o Garotos Podres surgiu em um contexto do fim da ditadura militar como uma banda de protesto. Foto: Leandro Taques

Depois de uma temporada disfarçada clandestinamente como Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, um das maiores bandas do rock nacional voltou a se apresentar com seu nome original no último fim de semana. Vindos das paradisíacas praias tropicais da Coreia do Norte, a tripulação comandada pelo icônico José Rodrigues Junior, o Mao, desembarcou de seu submarino nuclear em Curitiba para uma volta “doutrinadora” dos Garotos Podres.

Formada em 1982 em Mauá, no ABC paulista, o quarteto surgiu em um contexto do fim da ditadura militar como uma banda de protesto, com letras sobre a luta de emancipação da classe trabalhadora. E foi justamente esse caráter ideológico que provocou um racha no grupo em 2012, ano em que a banda comemorava 30 anos de fundação. Coincidentemente esse também foi o ano da última apresentação da antiga formação na capital paranaense.

As diferenças ideológicas colocaram Mao e o guitarrista Cacá Saffiotti de um lado e o baixista Michel Stamatopoulos (o Sukata) e o baterista Leandro Ferreira (o Caverna) de outro. Na época da separação, Mao e Cacá pretendiam continuar com o nome Garotos Podres – afinal o vocalista foi fundador e principal compositor do grupo. Porém, quando se preparam para gravar novo álbum e retornar as atividades, eles foram surpreendidos.

Garotos Podres. Foto: Leandro Taques

“Pretendíamos retornar somente com o álbum novo, mas nesse meio tempo eles tentaram se apropriar do nome, tudo isso associado com o antigo empresário. Em 2013, corríamos o risco de ter duas bandas com o nome de Garotos Podres”, conta Mao, que recebeu o Porém.net para um bate papo sobre punk e política antes de se apresentar no último sábado (14) com a nova formação dos Garotos Podres na 17ª Punktoberfest, no Jokers Bar.

O fundador da clássica banda punk paulista lembra que a tensão entre os ex-componentes aumentou com a batalha judicial pela disputa do nome da banda. Mao se antecipou e registrou o nome, porém como o processo de análise e aprovação da marca é demorado, Sukata e Caveira remontaram os Garotos Podres com nova formação e chegaram a fazer algumas apresentações. “Eles chegaram a usar o nome por um tempo. Entretanto essa ‘outra metade’ da banda fez seu último show em dezembro de 2014”, conta Mao.

Em contracenso com toda a história do grupo, os “repaginados” Garotos Podres passaram a assumir posições de direita e se identificar com figuras que exaltavam o regime militar como o deputado Jair Bolsonaro, político que se vangloria de seus posicionamentos machistas, homofóbicos e contrários aos direitos humanos. “Eles começaram a assumir posições diversas as que o Garotos Podres sempre defendeu como princípios. Inclusive um dos integrantes chegou a ser candidato a vereador em São Caetano (ABC paulista) pelo PEN – partido do Jair Bolsonano”, comenta Mao.

Neste período – em meio a batalhas que passaram do campo jurídico para as redes sociais – Mao criou o Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos. Em 2014 eles lançaram o álbum Contra os coxinhas renegados inimigos do povo, que trazia a pegada que sempre foi marca registrada dos Garotos Podres: o engajamento político e o humor ácido. Junto às músicas inéditas, canções clássicas como a versão de “A Internacional” – maior hino da esquerda mundial, “Johnny”, “Rock do subúrbio”, “Subúrbio operário” e “Aos fuzilados da CSN”, seguiam no repertório dos shows.

Atualmente o Garotos Podres é formado por Mao (vocal), Ueslei Tolentino (guitarra), Alberto Rinaldi (baixo) e Tony Karpa (bateria). Cacá, que seguiu com Mao no Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, também se apresentou com a banda em Curitiba.

O Satânico Dr. Mao. Foto: Leandro Taques

Política e democracia

Historiador e professor universitário, Mao falou sobre o atual momento político do Brasil e de como foi voltar à cidade hoje conhecida como “República de Curitiba”, termo pejorativo que se popularizou devido ao processo da Operação Lava Jato. “Essa onda reacionária não é exclusividade de Curitiba, ela acontece em todo país, é uma onda fascista. Por azar a Vara onde estão sendo julgados alguns processos e se fazendo um julgamento político, que não coaduna com o senso de justiça, é aqui. Mas poderia estar em qualquer município, não é culpa dos curitibanos. Mas aqui também é feita a resistência, como em qualquer cidade que sofre com os ataques da direta”, ressalta.

Contraditoriamente ao termo pejorativo à Curitiba, a capital paranaense é uma das cidades onde os Garotos Podres têm mais fãs no país, segundo Mao. “Se pegarmos as duas páginas de Facebook que administro – a Garotos Podres Oficial e do Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos – aqui é a terceira com maior número de curtidas. São Paulo é a primeira e Rio de Janeiro a segunda”, conta o vocalista, acrescentando que Luanda, capital da Angola, é a quarta cidade.

Indagado sobre o atual cenário político, o cantor diz assemelhar-se com o período do fim da ditadura militar, quando a luta pela democracia se tornou o principal mote da união da classe trabalhadora. “Como classe temos que defender alguns princípios básicos como direitos dos trabalhadores, direitos sociais, o direito das minorias, se engajar na luta pela emancipação dos trabalhadores. E especialmente pela democracia que, alias, foi o princípio fundamental violado em 2016 com o golpe de estado”, apontou Mao.

O líder dos Garotos Podres também falou da responsabilidade dos meios de comunicação de massa neste contexto. “Os grandes meios de comunicação tem que parar de fazer lavagem cerebral na população, eles não podem transformar pessoas com comportamento nada exemplar em ‘patriotas’, em ‘heróis nacionais’”.

17ª Punktoberfest

Além dos Garotos Podres, tocaram no último sábado (14) na 17ª Punktoberfest as bandas Rádio Cadáver, Sin Rejas e No Milk Today. No próximo sábado (21), o festival ruma do Jokers para o 92 Graus The Under Pub, com a apresentação das bandas Satanabis, Repelentes, Cadela Maldita, Bloqueio Mental, Surra e Periferia S.A., banda do guitarrista Jão (Ratos de Porão) e principal atração do segundo fim de semana. No domingo (22) será a vez da Broken Death, Insubordinados, Dedo Podre, Arsenal e Repudiyo.

Banda Rádio Cadáver. Foto: Leandro Taques