The Washington Post: “Milhões retornam à probreza no Brasil, corroendo a década do boom econômico”

Jornal estadunidense destaca retrocessos no Brasil após o golpe de 2016

Foto: Gibran Mendes

Quando Leticia Miranda vendia jornais nas ruas, ela ganhava cerca de 160 dólares por mês, o suficiente para pagar por um pequeno apartamento que ela dividia com seu filho de oito anos em um bairro pobre do Rio de Janeiro.

Quando ela perdeu o trabalho cerca de seis meses atrás, durante a pior crise econômica do país em décadas, Miranda não teve chance a não ser se mudar para um prédio abandonado onde centenas de pessoas já viviam. Todas os seus bens – uma cama, uma geladeira, um fogão e algumas roupas – estão entulhados em um pequeno cômodo, assim como acontece com todos os outros moradores do prédio de janelas sem vidros. Eles tomam banho em grandes tonéis que encheram de água e fazem o possível para conviver com o fedor das montanhas de lixo que ficam no centro da edificação.

“Eu quero sair daqui, mas não há para onde ir”, diz Miranda, 28, vestida com um top, shorts e sandálias, vestimenta adequada ao calor que fazia. Eu estou procurando trabalho e já fiz duas entrevistas. Mas até agora, nada.”

Entre 2004 e 2014, dezenas de milhões de brasileiros emergiram da pobreza e o país foi citado como um exemplo para o mundo. Os altos preços das commodities e, mais recentemente, a descobertas de novos campos de petróleo ajudaram financeiramente os programas sociais que distribuem dinheiro para os mais pobres.

Mas a tendência reverteu nos últimos dois anos com a maior recessão da história do Brasil e com os cortes nos programas sociais. Cresceu a sensação de que o país perdeu a oportunidade no combate à desigualdade.

“Muitas pessoas que tiveram crescimento para fora da pobreza e inclusive os que ascenderam para a classe média, tiveram grandes perdas”, disse Monica de Bolle, representante do Peterson Institute for International Economics, em Washington.

O Banco Mundial estima que cerca de 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. Mas o banco aponta que de 2016 até o fim deste ano, algo entre 2,5 e 3,6 milhões estarão novamente abaixo da linha da pobreza. Ou seja, com rendimento menor a R$ 140 reais por mês, cerca de 44 dólares de acordo com o câmbio atual.

Esses são números provavelmente subestimados, de acordo com Bolle. Esses dados não capturam o fato de que muitos da baixa classe média que tinham conseguido alguma ascensão, deslizaram novamente para muito próximo da pobreza.

Economistas dizem que o alto desemprego e os cortes nos programas sociais podem exacerbar os problemas. De acordo com os últimos dados disponíveis, divulgados em julho, o número de desempregados estava próximo de 13%, um grande aumento quando comparado com os 4% do fim de 2004.

Enormes filas de desempregados, que se estendem por várias quadras, têm se tornado lugar comum quando empresas anunciam vagas. Quando uma universidade do Rio de Janeiro abriu neste mês seleção para trabalhos de baixa qualificação, pagando cerca de 400 dólares por mês, milhares apareceram. Muitos deles ficaram um dia inteiro na chuva esperando o processo de seleção começar.

Enquanto isso, a política conservadora do presidente Michel Temer e as pressões sobre o orçamento são traduzidos em cortes nos programas sociais. Entre eles está o Bolsa Família, programa que dá pequenas quantias mensais a pessoas de baixa renda. A grande redução da pobreza alcançada pelo Brasil na década do boom econômico se deu graças ao Bolsa Família.

Os programas sociais, incluindo o Bolsa Família, foram responsáveis por quase 60% da redução no número de pessoas que viviam na extrema pobreza durante a década do boom econômico, de acordo com Emmanuel Skoufias, um economista do Banco Mundial.

Agora, mesmo que o desemprego esteja empurrando mais pessoas para os programas sociais, menos estão sendo cobertas. “Todo dia é uma luta para sobreviver”, disse Simone Batista, de 40 anos, com lágrimas rolando pelo rosto enquanto relatava ter sido cortada do Bolsa Família depois que seu filho ter nascido. Ele agora tem um ano de idade. Ela quer recorrer, mas não tem dinheiro suficiente para os ônibus que precisaria tomar até o Centro. Bastista vive em Jardim Gramacho, uma favela no norte do Rio de Janeiro, onde ela e centenas de outros miseráveis procuram comida entre o lixo jogado ilegalmente na região.

Estudos indicam que a cobertura do Bolsa Família caiu cerca de 4% entre maio de 2016, quando Temer se tornou presidente, e maio deste ano. Parte dessa queda pode ter sido ocasionada pelo aumento na fiscalização contra irregularidades, como alega o governo. A administração de Temer anunciou que foram achadas irregularidade em 1,1 milhão de cadastros, aproximadamente 8% dos 14 milhões de pessoas que recebem o benefício.

“O governo não deveria perder de foco a prioridade” de manter as pessoas longe da pobreza, disse Skoufias, que acrescentou ainda que o Bolsa Família representava apenas 0,5% do PIB do Brasil. Para ele, o Governo deveria estar procurando aumentar a verba para o programa social e não diminuindo.

Qualquer discussão sobre aumento de gastos é condenada no Congresso, onde um teto para gastos foi votado no início deste ano. Temer ainda faz pressão para fazer grandes cortes na previdência social. A situação fiscal é ainda pior em muitos estados, incluindo o Rio de Janeiro.

Após um ano das Olimpíadas do Rio, o estado está quebrado. Milhares de servidores públicos estão com seus vencimentos atrasados ou sendo pagos em prestações. Muitas despesas, da coleta de lixo às UPPs têm sido fortemente reduzidas.

Para muitos que vivem nas centenas de favelas do Rio, a vida tem se tornada cada vez mais precária. Maria de Pena Souza, 59, vive com seu filho de 24 anos em uma pequena casa com teto de zinco na Favela de Lins na zona oeste do Rio. Eles querem se mudar porque a casa se encontra em um declive muito íngreme e está propenso a deslizamentos de terra. Mas seu filho não consegue achar um trabalho desde que terminou o serviço militar há alguns anos. “Eu iria embora se houvesse um jeito, mas não há”, disse de Pena Souza, que acrescentou: “Quando chove, eu não consigo dormir”.

A crise econômica é, claramente, um combustível para a volta da política do antigo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que de 2003 a 2010 presidiu o país atravessando grande parte do boom econômico. Após deixar o cargo com mais de 80% de aprovação, a popularidade de Lula e de seu partido declinaram depois de terem sido enrolados em uma grande investigação contra corrupção. O ex-presidente está apelando para segunda instância após ter sido condenado a quase dez anos por corrupção. Mas ele continua como líder nas pesquisas para a eleição a presidente que acontece no próximo ano.

Em sua campanha, Lula promete uma melhora da economia e um governo focado na questão da pobreza. “Lula não é só Lula”, disse o ex-presidente recentemente no Rio. “É uma ideia representada por milhões de homens e mulheres. Se preparem, porque o operário vai voltar a governar esse país.”

Tradução: Aristeu Araújo