Nova legislação melhora condições de migrantes, mas é preciso avançar

Lei da Migração entra em vigor no dia 24 de novembro, porém sociedade precisa deixar preconceitos de lado





Foto: Gibran Mendes

A nova Lei da Migração entra em vigor no próximo dia 24 de novembro com avanços sensíveis para esta parcela da população. Sindicalização, descriminalização da imigração e acolhida humanitária são alguns dos pontos da nova legislação. Mas, na prática, como funcionária a nova lei?

Foi esse o debate proposto no seminário “Migração, Refúgio, Apátridas e Direitos Trabalhistas” promovido na tarde da segunda-feira (30), em Curitiba. Representantes de refugiados, migrantes, juristas e lideranças trabalhistas participaram do evento.

Para a presidenta da CUT Paraná, Regina Cruz, é preciso avançar neste debate. “A nova legislação está prestes a entrar em vigor. Mas isso não basta. É preciso que esse tema tenha mais visibilidade na sociedade. É urgente acabarmos com os preconceitos e estabelecermos os mesmos direitos, igualdade de condições, para quem escolheu nosso País em sua grande maioria por imensas dificuldades em sua terra natal”, avalia.

A Procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT-PR), Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, fez um alerta relacionado a esse debate aliado às eleições de 2018. Segundo ela, aparecerão candidatos defendendo teses nacionalistas, do ponto de vista, da exclusão dos migrantes. “Mas eu entendo que defender estas teses para conquistar votos é uma política desonesta”, enfatizou.

De acordo com ela, é preciso olhar para as estruturas do País. “Teremos, de um lado, a possibilidade de culpar estrangeiros ou olhar para grupos que hoje são privilegiados no Brasil. Sabemos que a criação de empregos não se dá com precarização”, completou. De acordo com ela, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), enumerou os três principais tipos de trabalho precário a que são submetidos esta população. “Trabalho doméstico, construção civil e trabalho rural. São atividades que a pessoa se afasta da sua rede (de contatos) e atraem o trabalhador estrangeiro para uma arapuca que é a condição análoga à escravidão. Não é algo casual, é histórico”, garantiu.

O diretor de Relações Internacionais da Federação Árabe Palestina do Brasil, Ualid Rabah, avaliou o fluxo de trabalhadores árabes para o Brasil. Segundo ele, não é perceptível, por exemplo, o mesmo preconceito que há contra trabalhadores negros e árabes com os europeus. “Não vejo essa ira contra as duas centenas de milhares de portugueses que vieram para o Brasil nos últimos 10 anos. Mas vejo contra haitianos e grupos de africanos que são negros, que somados, talvez, cheguem a metade do número de portugueses”, comparou.

Segundo Rabah, os árabes que chegam ao Brasil, são vítimas de uma onda xenofóbica mundial contra esta etnia. “Somente na Síria foram produzidos entre seis e sete milhões de refugiados em um país que têm 21 milhões de habitantes. A maioria ficou na área adjacente ou foram para a Europa com a expectativa de retornar, alguns já voltando. Os números, inflados, para o Brasil é de 3,5 mil pessoas”, enumerou. Para Rabah, a islamofobia é o grande veículo de proliferação e xenofobia global. “O que interessa é abrir janela para sociedade poder praticar livremente a xenofobia. Se o racismo contra o negro é muito questionado o xingamento ao muçulmano tem uma defesa mínima. O grau número, quantitativo e qualitativo da agressão, está tomando elementos assustadores”, completou.

Outros desafios

O advogado que representou a Casa Latino-americana (Casla), Denis Rossi, apresentou questionamentos ligados à Reforma Trabalhista. “Se estamos tratando de pessoas com uma certa vulnerabilidade, tratando de um migrante, que acabou de chegar e está tentando se adaptar em seu novo país, com uma nova cultura e buscando garantir o mínimo de dignidade, que acontece por meio do trabalho. Como ele fará isso? Ainda mais com a reforma?”, questionou.

Um dos exemplos citados foi o trabalho intermitente, tipo de contrato precário, no qual o trabalhador é contratado mas só recebe quando é chamado para trabalhar. Neste caso, não há uma periodicidade mínima ou máxima estabelecida. “Não vou tratar da inconstitucionalidade, mas da temática que traz muitas nuances que trazem temores para o trabalhador brasileiro e agora também para o migrante. Não somente a forma do trabalho, mas que efeitos poderá também ocasionar em outras cearas da vida”, refletiu.  De acordo com Rossi, será possível ter vários contratos de trabalho ativos, mesmo que não existe um chamado para trabalhar em nenhum deles. “Como se dará essa questão perante às empresas e à própria sociedade”, completou.

Subjetividade

O chileno Jorge Villagran, que mora na Argentina há 45 anos, desde que precisou fugir do seu país após o golpe de Pinochet, falou sobre as dificuldades que o migrante encontra, mas que nem sempre são percebidas. “Me expulsaram e desde então vivo em solo argentino, mas não desisto de ser chileno”, recordou.

De acordo com ele, muitas subjetividades são retiradas de forma violenta das pessoas que abandonam seus países em busca de uma vida melhor. Villagran recordou que essas mudanças, via de regra, não acontecem por desejo, mas sim por necessidade. “Sonho todos os dias em voltar a fazer poesia, mas me roubaram até isso. Porque para o chileno a poesia está associada com o amanhecer e com o sol nas Cordilheiras dos Andes e com o sol escondendo-se no pacífico. Na Argentina, país que aprendi a amar, eu não tenho isso”, ponderou.