Morbidez? Não. Muito mais do que isso. Cemitérios são verdadeiros museus a céu aberto. História e arte caminham juntas em um ambiente onde, mesmo em grandes centros urbanos, é possível encontrar relativa paz e silêncio.

Alguns transformaram-se em verdadeiros pontos turísticos. Père Lachaise, em Paris, na França, é um bom exemplo. Lá estão sepultados Jim Morrison, Edith Piaf, Balzac, Proust e Allan Kardec, para ficar em alguns exemplos. Buenos Aires também tem o seu cheio de charme. O cemitério de La Recoleta coleciona obras de artes fantásticas e histórias tão empolgantes quanto. Conhecido por guardar o corpo embalsamado da ex-primeira dama Eva Perón, a necrópole é muito mais do que isso. Ex-presidentes, membros da elite argentina e até um Nobel de Química dividem espaço com turistas com máquinas fotográficas, compondo o cenário no bairro nobre da capital portenha.

Foto: Gibran Mendes

Há também o Highgate Cemitery, em Londres, considerado um espetáculo da arquitetura gótica. Karl Marx, por exemplo, realiza seu descanso eterno naquelas quadras. Para quem gosta de música clássica, o Zentralfriedhof, em Viena, é um prato cheio. Dá para chegar perto do que um dia foi Beethoven, Strauss e Schubert.

Mas não é preciso viajar tanto. Curitiba também tem um cemitério histórico para chamar de seu. A necrópole de São Francisco de Paula, no bairro São Francisco, é uma verdadeira aula de história da capital paranaense. São mais de 80 mil pessoas sepultadas. Famosos e anônimos. Personalidades políticas e que dão nomes a ruas da cidade estão sepultadas lá.

Foto: Gibran Mendes

O Barão do Serro Azul, Vicente Machado, a dupla sertaneja Nhô Belarmino e Nhá Gabriela que ficou conhecida pela música “As Mocinhas da Cidade”, Ildefonso Correia têm seu descanso eterno neste cemitério. Isso sem contar a mais famosa entre todos os inquilinos: Maria Bueno, considerada santa milagreira por parte dos curitibanos.

Com uma área de mais de 50 mil m2, 139 quadras e quase seis mil túmulos o cemitério de São Francisco de Paula é enorme. Seja em um atalho para cortar caminho ou uma visita mais longa, uma “passada” pelo local é uma viagem pelo túnel do tempo.

Para conhecer melhor o espaço e sua história a dica é aproveitar as visitas guiadas realizadas pela pesquisadora Clarissa Grassi. São verdadeiras aulas sobre o São Francisco e seus inquilinos. Ela já lançou três livros sobre o tema e envolve a comunidade curitibana em verdadeiras aulas de história e arte.

Foto: Gibran Mendes

Mas o que mais chama a atenção de quem vai? “Acho que uma mescla da arquitetura com essa simbologia que está imbricada. Os visitantes têm um vislumbre de que o cemitério tem muito mais a ver com a cidade do que eles imaginavam”, analisa.

A visita, tradicionalmente, começa uma metáfora da necrópole como uma micro cidade. Não à toa a pesquisadora, inclusive, dividiu o espaço em quatro bairros que levam nomes das cercanias de Curitiba. O Centro Histórico, o batel, um chamado de urbanizado pelo processo de planejamento que passou o cemitério e por último a periferia. “Mas no sentido de ser mais afastado do centro e não na forma pejorativa que a expressão acabou ganhando”, ressalva.

Foto: Gibran Mendes

Os cemitérios, e o São Francisco de Paula não poderia ser diferente, acompanham a visão de morte da sociedade segundo a pesquisadora. Ela passa da antiguidade, quando as pessoas eram sepultadas nos quintais de suas casas, passando pelo higienismo que expulsa os mortos da cidade e reflete sobre a visão atual, com o crescimento de outros métodos como a cremação que está “reintroduzindo os mortos para dentro de casa”, avalia.

A tipologia dos cemitérios como de São Francisco de Paula, segundo ela, estão fadadas ao fim. “Não se constrói mais com essa tipologia. Hoje em dia os cemitérios são parques, verticais. Não se constroem mais cemitérios assim, a não ser em cidades pequenas. Ninguém inaugura cemitério desta forma”, comenta.

O ritmo de mudanças lento, nos cemitérios, diferentemente do que acontece na cidade, com mudanças urbanas dinâmicas, também facilita a manutenção da história. “Falo muito sobre o paranismo. Não temos mais casas neste estilo. Mas temos jazigos, por exemplo, nesta linha no cemitério”, exemplifica.

Foto: Gibran Mendes

As análises de Clarissa passam desde o material utilizado pela construção, que indicam de qual região do mundo veio, até as influências religiosas nos monumentos nesse verdadeiro museu a céu aberto. “No século XIX há influência religiosa, já nos séculos XX e XXI a razão se sobrepõe a forma, com túmulos verticalizados com o objetivo de albergar o aproveitamento maior de espaço”, compara. As referências artísticas também passam por diferentes países. O São Francisco de Paula abriga peças de diferentes locais, como a Itália, Alemanha, França, Uruguai e Portugal.

Foto: Gibran Mendes

Com o trabalho de Clarissa ganhando cada vez mais notoriedade, o número de visitas guiadas também foi sendo ampliado. Interessados podem curtir a Fan Page e acompanhar a programação que agora incluí visitas temáticas.

Uma, sobre poesia, já aconteceu. Clarissa revela que deve ser realizada em breve uma com música sobre os compositores que repousam eternamente no cemitério. Outra novidade é um programa com familiares de mortos ilustres para que eles possam contar histórias dos seus antepassados.

A visita vale muito a pena. Principalmente enquanto se está vivo.

*Material publicado na Revista Ágora