Revolução dos ricos inibe a formação de Estados nacionais soberanos

Efervescência dos paraísos fiscais leva o mundo dos ricaços globalizados a se reproduz em elevada escala. Governo Temer contribui com a aberração





Marcio Pochmann*

O vazamento recente dos 13,5 milhões de documentos financeiros (Paradise Papers) pertencentes ao escritório de advocacia Appleby, especializado nos empreendimentos em offshores, revelou mais um escandaloso modo de ser dos ricos no mundo atual. Pela globalização neoliberal, a unificação dos ricos em torno de uma classe superior cosmopolita e sem mais senso comunitário se tornou realidade incontestável.

Apesar de sua constituição heterogênea, compreendendo enriquecidos originários de distintas fontes, desde artistas e desportistas, mas fundamentalmente concentrado nos vitoriosos da globalização enquanto banqueiros, empresários e seus operadores nacionais (políticos, consultores, gestores financeiros, propagandistas midiáticos, entre outros). Em conformidade com Paradise Papers, que mesmo registrando nomes conhecidos como o cantor Bono e o campeão de Formula 1, Lewis Hamilton, destacam-se empresários das grandes corporações transnacionais como pertencentes, por exemplo, da Gafa (Google, Aplle, Facebook e Amazon), entre outros ricaços, acompanhados dos seus “testas de ferro nacionais” a liderarem a plutocracia internacionalizada.

Neste verdadeiro processo em curso da desterritorialização dos ricos, cuja força degrada a obsolescência das fronteiras, a possibilidade da constituição de países baseados em pilares de projeto nacional tende a ser afastada cada vez mais. Pela efervescência dos paraísos fiscais presentes em diversas localidades (Bahamas, Bermudas, Jersey, Malta, Cayman, Seychelles, Panamá, Luxemburgo, Mônaco, entre outros), o mundo do dinheiro sem controle se reproduz em elevada escala.

Através das empresas de offshore, os dinheiros provenientes de distintas fontes aparecem em contas bancárias privilegiadas pelo anonimato dos seus proprietários. De fontes lícita ou ilícita (crime, corrupção, sonegação de impostos, evasão de divisas e outras formas), as contas bancárias podem funcionar como registros paralelos à contabilidade oficial dos negócios a serviço dos pagamentos de propinas e outras ilegalidades de forma generalizada.

O sigilo dos proprietários e a ocultação da origem do dinheiro permitem blindar o patrimônio dos ricos em plena globalização financeirizada. Dessa forma, eles se privilegiam pelo não pagamento de impostos no curso da hipermobilidade do capital em nova territorialidade do poder dos ricaços em curso potencializado pelo receituário neoliberal.

Essa revolução dos ricaços ocorre incorporando o topo da pirâmide social dos brasileiros desde a implantação do receituário neoliberal nos anos de 1990. Assim, a inserção passiva e subordinada na globalização neoliberal permitiu dolarizar o patrimônio dos muito ricos, concedendo liberdade ao aprisionamento anterior que vigia na produção e reprodução da riqueza fundamentalmente no espaço nacional.

Atualmente, o processo de desterritorialização dos enriquecidos no Brasil ganhou novo e maior impulso pelo movimento da desnacionalização patrimonial patrocinada pela reintrodução do receituário neoliberal por Temer. No seu governo estritamente para ricos, os privilégios crescem no mesmo sentido em que penalizam os pobres e a classe média assalariada, cada vez mais enfraquecida.

O curso da remodelação da sociedade imposta pelo programa de reformas de Temer subordina-se ao poder dos ricos que encuba o futuro que tem pela frente um longo passado de retrocesso enquanto nação livre e soberana. Assim, nada mais coerente do que a lista do Paradise Papers, que entre os endinheirados do mundo confere a presença de dois destacados ministros entrincheirados no governo Temer: Henrique Meirelles e Blairo Maggi.

*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.