Audiências públicas trataram de conflitos agrários que perduram por décadas no Paraná

Criação de assentamentos em Porto Barreiro e Pinhão, no centro-sul do Estado, estiveram em pauta





Ato público pela reforma agrária em Pinhão. Foto: Leandro Taques

A criação de assentamentos no Paraná e as recentes ameaças de despejos de comunidades sem terra foram temas de audiências públicas, nesta sexta-feira (24), nos municípios de Porto Barreiro e Pinhão, no centro-sul do Estado. Organizadas pelos deputados estaduais do PT, Professor Lemos, Péricles de Melo e Tadeu Veneri, as reuniões ouviram demandas dos acampados e buscaram a resolução para situações que perduram por mais de duas décadas.

A questão agrária em Pinhão é uma das mais emblemáticas da luta pela terra no Paraná, tendo seus primórdios ainda no início do século XX, no conflito entre posseiros e empresas particulares, em especial a madeireira Zattar, que chegou na região na década de 40. A ocupação da área pela empresa ocorreu em detrimento de famílias de pequenos agricultores que já habitavam as terras desde o Brasil imperial. Elas foram expulsas e assim a indústria constituiu um dos maiores complexos latifundiários do Paraná.

Estima-se que antes da chegada da empresa quase 2 mil famílias de posseiros viviam em comunidades tradicionais, conhecidas como faxinais. A madeireira chegou a ocupar 80 mil hectares na região centro-sul do estado. Já para os faxinalenses instalou-se uma luta desigual pela titularidade das terras. Atualmente são 12 acampamentos sem terra em uma área total de 60 mil hectares e aproximadamente dois mil acampados. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) classifica a região como o terceiro maior polo de reforma agrária no Estado.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi cobrado pelas autoridades presentes para que agilize o procedimento de compra e venda das terras para fins da reforma agrária. Segundo o assessor de Assuntos Fundiários do Estado do Paraná, Hamilton Serighelli, é preciso que o órgão faça novas avaliações das áreas e faça ofertas aos proprietários.

Josiane Oliveira dos Santos, da superintendência do Incra no Paraná, afirmou que duas fazendas do complexo já estão passando por avaliações do órgão. “Eu sei o que é a luta do Pinhão, mas não basta apenas a boa vontade. O Incra não faz a reforma agrária sozinho, mas em conjunto com outras autoridades”. A servidora falou sobre a situação atual do Incra, que passa por processo de sucateamento, com cortes de recursos e déficit do quadro pessoal. “Temos pouco dinheiro, pouco servidores, não temos concursos públicos e a estimativa é que em 2019 vários servidores se aposentem”.

Para Odir Gotardo, prefeito de Pinhão, a dois caminhos na encruzilhada da luta pela terra no município: o do desenvolvimento social e econômico da cidade ou do caos social. “Se esses despejos forem cumpridos em Pinhão fatalmente teremos milhares de pessoas destelhadas. Será uma verdadeira tragédia. Estamos com essa espada sobre nossas cabeças”, disse o prefeito, cobrando agilidade do Incra no processo de criação de assentamentos. Gotardo destacou que a própria empresa Zattar tem criado condições para que esse processo evolua.

Professor Lemos, um dos proponentes da audiência, destacou que os deputados de oposição tem buscado evitar os despejos. “O que era para estar evoluindo para assentamentos está evoluindo para ordens de despejos. Não podemos permitir que os conflitos avancem, precisamos de paz, reforma agrária e respeito pelo homem e mulher do campo”. Tadeu Veneri destacou que a luta dos agricultores pela terra na região é mais antiga que os 53 anos de emancipação do município de Pinhão. Já o deputado Péricles de Melo falou sobre o momento de ataque aos movimentos sociais e repudiou a criação de uma CPI na Assembleia Legislativa que visava criminalizar as ocupações no Paraná.

Audiência pública em Porto Barreiro. Foto: Leandro Taques

Porto Barreiro

Em Porto Barreiro, a audiência tratou da questão envolvendo o acampamento Porto Pinheiro, que conta com cerca de 125 famílias. A área na fazenda Manasa foi ocupada em 1º de setembro de 1998 por integrantes do MST. O conflito se estende por 19 anos e recentemente aconteceu um pedido de reintegração de posse da terra.

O acampamento corresponde a 15% da população de Porto Barreiro, essencialmente agrícola, tendo como principal fonte a produção de leite e cultivo de feijão, milho, entre outros produtos que também impulsionam o comércio local. A prefeita de Porto Barreiro, Marinez Crotti, destacou que o governo municipal tem promovido ações de apoio aos acampados junto à entidades. “Existe um diálogo com a empresa Manasa, existe apoio da igreja, do comércio. Só falta o Incra agilizar o processo para que um assentamento seja criado o mais rápido possível”, comentou.

Roberto Baggio, da coordenação estadual do MST, lembrou que o acampamento Porto Pinheiro gera aproximadamente R$ 1 milhão ao ano, distribui alimentação ao comércio local e arrecada para o município. “Quando entramos na área só tinha eucalipto e pinus e isso foi transformado em uma grande área de produção de comida de qualidade. São 19 anos de trabalho sem nenhum financiamento público, tudo produto da força de trabalho camponesa. Fruto da capacidade de luta e organização”.

O promotor Robertson Fonseca Azevedo representou o Ministério Público do Paraná nas audiências. Ele destacou o papel da reforma agrária e o entendimento do órgão sobre a importância da criação de assentamentos para o desenvolvimento dos municípios agrícolas. “Os gabinetes do MP estão abertos às demandas das famílias de acampados e assentados. Mas ainda é preciso que promotores individualmente tenham a noção da importância econômica, social e ambiental da reforma agrária”, disse o promotor.

Em relação a situação da terra em Porto Barreiro, a servidora do Incra afirmou que há um impasse jurídico por se tratar de uma área de faixa de fronteira. Ela afirmou que o órgão aguarda um parecer jurídico para dar andamento ao processo. “Queremos adquirir a área, mas temos esbarrado nessa questão jurídica”, afirmou Josiane dos Santos.

Ao fim das audiências, o deputado Professor Lemos informou que as atas com os encaminhamentos e demandas dos acampamentos serão encaminhadas ao governador Beto Richa, a superintendência regional do Incra em Curitiba e à sede do órgão em Brasília.