Audiência pública na Alep debateu mercantilização dos recursos hídricos

Privatização da água e impacto de grandes projetos em comunidades estiveram em pauta





Foto: Noemi Froes/Alep

A água enquanto direito humano e não mercadoria. Esse foi o tema de uma audiência pública realizada nesta quarta-feira (29) na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Participaram do evento representantes da sociedade civil e do poder público, que discutiram estratégias de gestão das águas, a situação das bacias hidrográficas do Paraná e reafirmaram a luta contra a privatização dos recursos hídricos.

O debate ocorreu por iniciativa dos deputados Péricles de Mello (PT), presidente da Comissão de Cultura; Rasca Rodrigues (PV), presidente da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais; Tadeu Veneri (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania; em parceria com o Comitê Paranaense do Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama).

O evento também foi momento de divulgação do Fama 2018, que acontecerá em Brasília em março de 2018 em contraposição ao 8º Fórum Mundial das Águas, também conhecido como “fórum das corporações”, que acontecerá simultaneamente na capital federal.

Edson Aparecido, assessor de saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e integrante da coordenação nacional do Fama, alertou para o projeto das grandes corporações multinacionais que buscam controlar os recursos hídricos em vários países do mundo. “O Fama é um espaço democrático, que tem como objetivo tratar o tema da água na perspectiva do direito e não de sua privatização. Será um momento de unificar internacionalmente a luta contra as grandes corporações que querem se apropriar das reservas naturais de água”.

Representantes de entidades e organizações que lutam em defesa da água, como o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), trouxeram ao debate questões referentes à contaminação dos rios por agrotóxicos e o impacto de grandes projetos em comunidades. Estima-se que 1,5 milhão da famílias no país são atingidas por hidrelétricas e barragens. “A privatização da água gera precariedade no serviço e atinge diretamente o povo da periferia e os pequenos agricultores. Além de inserir na qualidade do serviço e nas tarifas, ela tira a autonomia dos povos sobre os rios e as águas”, destacou Joseanair Hermes, assessora técnica da Cáritas Paraná e integrante da comissão estadual do Fama

Consumo e saneamento básico

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que hoje já existam 1,1 bilhão de pessoas sem acesso à água potável. O problema é a escassez do líquido, uma vez que apenas 2,5% da água do planeta é doce. Como a maior parte dessa reserva está no gelo dos polos e das montanhas, sobra menos de 0,1% nos rios, lagos e lençóis subterrâneos para consumo humano. Estima-se que em 2025, dois terços da população mundial viverá em países com escassez de água entre moderada e grave.

Outro problema refere-se ao saneamento básico. Apenas 30% das cidades do Brasil têm planos municipais de saneamento. Segundo o levantamento da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, ligada ao Ministério das Cidades, das 5.570 cidades brasileiras, apenas 1.692 (30,4%) declararam ter feito seus planos municipais. Outras 37,5% das cidades estão com os planos em andamento. Além disso, 2% das cidades apresentaram inconsistências nos dados, e não há informações sobre 29,9%.

“É preciso que as empresas de saneamento mudem sua forma de atuação. Passem a ser empresas ambientais vocacionadas ao saneamento. É preciso promover mudanças neste sentido, como o incentivo a criação de parque lineares em mananciais, entre outras ações. Temos que deixar de ser simplesmente empresas de tratamento e cobrança deste serviço”, pontuou Glauco Machado Requião, diretor de meio ambiente da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar).

Agricultura

A denúncia ao modelo do agronegócio enquanto explorador dos recursos hídricos também esteve em pauta na audiência pública. A agricultura e indústria são os principais consumidores de água no mundo. A estimativa é que nos próximos 20 anos serão necessários 17% a mais de água para o cultivo de alimentos dentro do modelo hegemônico de agricultura.

“Nas últimas décadas houve uma drástica redução na qualidade da água. Hoje o tema da agua é central dentro dos movimentos de luta pela terra, pois o modelo do agronegócio, do capital, é o de apropriação dos recursos naturais, apropriação da água, da terra, para que esses se incorporem a lógica privada. O objetivo é transformar o mundo em um grande mercado privado. Por isso defendemos a água enquanto patrimônio público inalienável”, afirmou Roberto Baggio, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).