Perfil: Marcos Roberto Barbosa: professor, escritor e anarquista

Um bate papo sobre música, política, educação e história de Campo Largo




FonteRegis Luís Cardoso

Marcos Roberto Barbosa, professor em Campo Largo. Foto: Regis Luís Cardoso

Levante! Para Marcos Roberto Barbosa, professor de história do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, nos Colégios Estaduais Sagrada Família e 1º Centenário, em Campo Largo, região metropolitana de Curitiba, essa expressão rompe com o ‘velho conceito de revolução’. Algo que ele gosta de fundamentar usando como referência o autor anarquista Hakim Bey; que escreveu a obra ‘TAZ – Zona Autônoma Temporária’.

Neste livro, Bey procura romper com alguns conceitos revolucionários num trabalho que traz uma forte crítica ao padrão revolucionário que ele chama de “botas marchando eternamente sobre o rosto da humanidade”. Sobre o livro TAZ, Marcos explica que gosta da abordagem, ele o define como “um anarquismo do nosso dia a dia”:

“Nos últimos tempos, conhecendo o trabalho do Hakim Bey, eu vi que sou anarquista mesmo. Que posso estar nessa Zona Autônoma Temporária no meu dia a dia, fazer um exercício filosófico, inclusive”, diz Marcos Roberto Barbosa

Até hoje não se tem certeza se a vida imita a arte ou se a arte imita a vida, mas que a obra de Hakim Bey se conectou a trajetória de Marcos, isso é verdade. No Capítulo 6 do livro ‘TAZ’ (“A música como princípio organizacional”), que foi lançado no Brasil pela Editora Conrad (Coleção Baderna), há um trecho que cita um antigo anarquista (D’Annunzio) que decidiu declarar independência de uma cidade iugoslava e escreveu uma espécie de ‘constituição’ que instituía a música como principio central do ‘Estado’. Esse devaneio temporário se fez verdade no personagem ‘Professor Marcos: do punk à história’.

Quando se fala em “música como principio central do Estado”, isso se refere a D´Annunzio, que tinha como eixo de sua estrutura política a arte. Mas se levar isso a outros indivíduos, como é a proposta do livro de Hakim Bey, Marcos, antes mesmo de saber, tinha essa “constituição” enraizada. No caso do professor de Campo Largo, a música foi a base para que o indivíduo pudesse sair de uma zona temporária para outra.

“Eu comecei no punk rock e esse som também me levou para o anarquismo. Uma das minhas influências foi a banda o Garotos Podres”, comenta Barbosa.

 Ao som da banda punk da classe operária do ABC paulista, que tem em seu vocalista, o Mao, professor de História pela USP – Universidade de São Paulo, um porta voz afiado dos ideias políticas de esquerda, Marcos promoveu seu primeiro ‘levante’ individual: a banda de punk rock The Dirts (de 1996 até 2000); depois formou o Sustress (de 2000 até 2001), que tocava indie rock.

“O punk rock foi muito importante porque quando comecei a me envolver com a galera que curtia esse com, em Curitiba, passei a curtir História. Porque esse estilo de som é mais crítico e o que nós tocávamos tinha um discurso político”.

 A história de vida e a vida na história

 Hoje Marcos tem dez anos de trabalho na escola pública. Desde 2012 é concursado. O professor explica que esse era seu sonho de consumo e após ser efetivado largou imediatamente suas aulas em escola particular. “Quando passei no concurso pedi demissão na hora. Na iniciativa privada trabalhava mais e ganhava menos. Fazia prova no fim de semana, trabalhava em outros horários”.

Nascido em Nova Fátima, no Norte Pioneiro do Paraná, o professor é radicado em Campo Largo. Começou a trabalhar como metalúrgico na década de noventa. Como todo mundo da cidade na época, ele queria trabalhar na Chrysler, mas nunca foi chamado. Depois de um tempo conseguiu uma vaga na fábrica da Audi, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba.

O hoje professor trabalhou como metalúrgico durante um ano. Mas o perfil não ‘bateu’…

“Minha ambição dentro da empresa era tentar sair dela. Lá dentro, no chão de fábrica, eu considerava muito puxado, não dava tempo nem pra pensar“.

 O legado que o trabalho mais pesado deixou em Marcos foi a certeza de saber o que não queria. Então iniciou um curso de Administração que interrompeu depois de seis meses. Depois partiu para o curso de História, na Universidade Tuiuti (de 2002 até 2006). Inicialmente ele queria ser pesquisador, só depois de um tempo caiu a ficha que seu caminho era mesmo a sala de aula.

Durante a conversa, Marcos confessou suas ambições iniciais: como 99% dos brasileiros ele queria ser ou jogador de futebol ou ter uma banda de rock. Atualmente ele até joga umas peladas pelas quadras de Campo Largo. Já na música, ele desenvolveu um pouco mais: foi vocalista, baixista e até baterista. Mas o que nem ele esperava é que nesse percurso outro sonho aparecesse!

Foto: Regis Luís Cardoso

O livro

 O ano de 2017 sem dúvida será inesquecível. Em agosto, Marcos lançou seu primeiro livro: “A aprendizagem histórica e os professores de História”, pela Editora Appris. A obra tem como base de pesquisa os planos curriculares de ensino nacional e estadual.

 O livro é um sonho realizado. É uma continuidade da minha dissertação de Mestrado. O considero um livro técnico, voltado aos professores e alunos que tenham interesse em História”.

De acordo com o autor, a publicação não foge da perspectiva atual da educação:

“Este livro caminha dentro da perspectiva natural do atual sistema educacional, mas também dá algumas alternativas para o professor”.

Quando o assunto ‘educação’ ganhou protagonismo na conversa, surgiu diversos temas sobre o momento histórico atual. Para o professor, “vivemos uma crise na educação”, ele acrescenta que se fala muito em ensino em tempo integral, mas talvez essa seja uma alternativa para as classes mais baixas, porém não vê esse modelo como ideal para a classe média.

“Muitos professores tem que dar educação pros alunos no sentido de bons modos. Porque o filho não tem muito contato com a mãe e com o pai, já que eles estão fora de casa trabalhando“.

De acordo com o professor, hoje a mulher tem outro papel na sociedade e a escola não acompanhou isso:

“A mulher não fica mais em casa, ela trabalha, tem sua vida. Essas mudanças fazem com que nós também tenhamos que nos adaptar”.

 Sobre a ausência da família para lidar com questões pontuais na educação primária, Marcos explica que a classe média tem muita culpa em relação a ausência dos pais na criação dos seus filhos:

“Eles têm babá, coisa ainda do século XIX. Então muitas vezes a classe média está longe do filho devido a essa continuidade do nosso escravismo. Há herança muito clara no Brasil do período escravista”.

 Professores e alunos

Marcos descreve o atual cenário em sala de aluno da seguinte maneira: “os alunos de hoje sabem muito, apesar de serem preguiçosos. Tem professor que sofre bullying!”. Porém, de acordo com o educador, vivemos uma crise educacional mundial: “há uma vertente de pensamento que quer se basear na Finlândia e outros países escandinavos, que sempre foram a referência, mas, na prática, a escola não está preparando os seus alunos para a vida”.

O professor recorre ao exemplo clássico do anarquismo contemporâneo para explicar que é possível um mundo mais simples e que valoriza a vida: Christiania, que é conhecida como Cidade Livre de Christiania (em dinamarquês: Fristaden Christiania).

Christiania é uma comunidade independente e autogestionada localizada na cidade de Copenhague, Dinamarca, com cerca de 850 habitantes, cobrindo uma área de 34 hectares. É regulada por uma lei especial, a Lei de Christiania, de 1989.

O bairro libertário foi criado numa área militar abandonada em 1971. Quando alguns milhares de hippies, anarquistas, artistas e músicos, como uma forma de protesto ao governo da Dinamarca, ocuparam o local.

“Christiania  é uma experiência anarquista que deu certo e que mudou os padrões culturais da cidade, uma vida simples. Os países escandinavos tem essa perspectiva”.

Quando voltamos ao papo sobre a educação no Brasil, o professor vê com atraso os atuais debates. Principalmente quando se fala em ‘Escola Sem Partido’:

“Ridículo. Um absurdo. É preciso que tenham pontos de vistas críticos nas escolas, sempre tem que existir. O moleque que acredita em Bolsonaro tem o direito de expressar a opinião dele. Assim como quem defende os direitos humanos. Mas parece que, com a “escola sem partido”, o discurso conservador é que prevalece. Eles têm um discurso ridículo, acho até o nome ridículo. Acho que deveria ser “escola sem opinião de esquerda”, talvez fosse mais sincero”.

O reflexo da onda conservadora mundial é visto com desânimo por Marcos. Ele comenta que há ainda aspectos históricos que distanciam o Brasil de um universo não separatista. Explica que seria um sonho o Mercosul dar certo, mas lembra que o Brasil nunca se integrou de fato com os países latino-americanos.

“Na nossa própria independência, a elite brasileira era puxa saco da monarquia. Tanto que a gente foi monarquista muito por isso, nosso líder era Dom Pedro I, mas José Bonifácio era o grande articulador, porém ele é colocado em segundo plano”.

 O historiador explica que se for pensar no atual momento do Brasil, vivemos uma espécie de década de 60 norte americana. Inclusive com os EUA financiando novamente alguns golpes de estado.

Política

Foi inevitável. O papo chegou à polarização política. Marcos foi categórico: “Voto no Lula”:

“Estamos voltando ao tempo perigoso, democracia em jogo: eu digo pra você, eu não sou PT (Partido dos Trabalhadores), mas se tivesse eleição agora, por causa de Bolsonaro, eu votaria no Lula. É um voto antifascista e voltado ao povo”.

No dia a dia nas escolas, o professor explica que os ‘bolsonaristas’ se pronunciam mais em sala de aula e que ali também é território polarizado. Ele relata que é comum no fundão ter o grupo da direita e o da esquerda.

“Só que os da direita carecem de um pouco mais de leitura. Eles gostam de discurso pronto. O diálogo é difícil. É uma questão cultural. Uma questão de pessoas conservadoras. Os direitistas são mais conservadores e os apoiadores do Bolsonaro são os extremos do conservadorismo”.

Historicamente, para o professor, Lula e Dilma foram os únicos governos que de fato olharam para os mais pobres. Apesar dos erros, as políticas sociais foram extremamente positivas. Ele lembra que teve comerciante de Campo Largo que foi bater panela, mas que cresceu no governo Lula! Segundo o historiador, está faltando análises em relação aos discursos e sobrando pessoas repercutindo ideias prontas, que muitas vezes são falsas.

Campo Largo

 A conversa pousa em Campo Largo. O historiador explica que o perfil é de uma cidade industrializada e que sua história é uma continuidade de qualquer região brasileira do século XIX, onde prevalece a miscigenação cultural: “em Campo Largo você é preto, branco e índio”.  Para Marcos, só existem movimentos separatistas na cidade pelo fato de um projeto de nação no Brasil não ser consolidado.

O professor deixa claro que existe uma geração que parece não entender a vergonha que foi a escravidão. As injustiças derivadas dela também passaram por Campo Largo. Ele explica que historicamente a diferença é que com Dom Pedro II muitos imigrantes ganharam terras e, mesmo na pobreza, tiveram seu espaço. Diferente de quem veio num navio negreiro, foi escravizado e quando recebeu a abolição não teve direito a indenização ou a um lote de terra.

“Eu queria que essa gente branca entendesse isso: os imigrantes europeus vieram para nossa região e venceram aqui com o trabalho, mas foi dado condições pra isso. O escravo não”.

Esses aspectos culturais equivocados propagam o preconceito na região:

“Quando falam que negro é preguiçoso, é mentira, pois trouxeram o africano porque ele é muito trabalhador. Sabe o que é a preguiça do negro no século XIX? Era a resistência a escravidão”.

O papel do professor

“Formador de opinião. Quanto mais vierem “encher o saco” sobre escola sem partido, mais vou fazer com que meus alunos tenham postura crítica”, diz Barbosa

O professor não foge da discussão em relação ao seu papel. Ele recorda que teve um caso recentemente de um aluno violento que bateu em outro. O agressor era fã do Bolsonaro:

“Eu me aproximei desse aluno e conversei com ele na seguinte perspectiva: cara, se você quer conhecer sobre fascismo e esse tipo de coisa, você precisa ler. Essa molecada que gosta do Bolsonaro está iniciando ainda na discussão política. O que eu digo é que a leitura é fundamental”.

A insistência na leitura tem motivo. Segundo Marcos, a nova geração costuma apenas pegar recorte de rede social para se informar. Para finalizar, o professor de história explicou o seguinte:

“A gente precisa debater questões históricas e resolvê-las. As desigualdades sociais ainda são frutos de uma falta de superação de um passado que nós tivemos. Nossos problemas estão fundados no início da nossa nação”.