Déficit bilionário dos Correios é quase o mesmo gasto com consultorias

Em 2017, empresa prevê R$ 1,3 bilhão de perdas enquanto que gastou quase R$ 1 bilhão com empresas, muitas vezes sem licitação




FonteCinthia Alves

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Após anunciarem nesta semana mais um aditivo de consultoria, os Correios fecham o ano gastando R$ 930 milhões com empresas e serviços que jamais foram demandados pelos setores específicos da empresa e que não passaram por nenhum tipo de concorrência. O valor é muito próximo do déficit previsto para 2017: cerca de R$ 1,3 bilhão.

Na terça (19), os Correios tornaram público o aumento de R$ 29 milhões para R$ 35,5 milhões do contrato firmado com a consultoria Accenture. Apesar de ser anunciado em dezembro, o aditivo já havia sido publicado no Diário Oficial da União em 30 de agosto. A justificativa é de que a “consultoria técnica especializada visa o assessoramento e orientação à CorreiosPar no processo de estruturação de negócios e de operações de M&A”.

Ocorre que a CorreiosPar é uma subsidiária criada pela ECT para prestar consultoria logística. A Accenture já presta consultoria para a CorreiosPar por mais R$ 44 milhões ao ano. São quase R$ 80 milhões em contratos sem licitação e feitos sob a justificativa de modernizar a empresa. No entanto, a CorreiosPar já sofre pedidos de fechamento junto ao Conselho de Administração dos Correios, acusada de servir de cabide de empregos para apadrinhados políticos, sem apresentar resultados para o qual foi criada, de acordo com relato de um representante dos trabalhadores no Conselho, Marcos César Alves Silva.

Irregularidades

A notícia de mais um contrato de consultoria veio poucos dias depois de a revista Carta Capital divulgar um suposto esquema de fraude envolvendo R$ 850 milhões num contrato em andamento dos Correios com uma empresa de tecnologia: a Nexxera. O valor quase bilionário é por prestação de serviços a cada 12 meses, podendo ser renovado e com aditivos. Também sem licitação.

A negociação com a Nexxera levantou suspeitas no Tribunal de Contas da União, que levou à abertura em setembro de uma investigação que corre sob sigilo. De acordo com o TCU, “a parceria não foi demandada pela área operacional, o que é de praxe, nem pela área de TI (…) Nasceu do nada na área financeira”, nem sequer havia “parecer jurídico”. Isso representa 5% do faturamento total dos Correios, em 2016, em apenas um contrato.

Os Correios subordinam-se ao ministério de Gilberto Kassab (PSD), o da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O presidente da ECT é Guilherme Campos, ex-deputado por SP, também do PSD e amigo de trinta anos de Kassab. A Nexxera é uma empresa de Santa Catarina, governado por Raimundo Colombo, também do PSD, partido do Kassab, ministro nomeado por Temer. Por sua vez, Temer ao assumir a presidência, editou uma Lei que permite a contratação de empresas sem licitação, caso o contratado tenha especialização reconhecida na área e preste serviços na atividade finalística do contratante.

Secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Paraná, Marcos Rogério Inocêncio (China). Foto: Chico Camargo/CMC

Para o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Paraná, Marcos Rogério Inocêncio (China), a contratação mal explicada dessas consultorias às vésperas das eleições é muito temerária.

É a consultoria da consultoria e tudo pago com dinheiro dos Correios, patrimônio dos brasileiros há 350 anos. A empresa poderia investir esse valor abrindo mais concursos e dando melhores condições para que os próprios empregados da estatal, que são altamente qualificados, possam implantar projetos necessários à modernização. Ao invés disso, prefere demitir funcionários, sucatear a frota e os maquinários, levando todos à sobrecarga e às péssimas condições de trabalho”, enumerou China. Ele acrescenta que “é óbvia a intenção de sucatear para privatizar”.

Diante das últimas denúncias na mídia envolvendo o ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, e o presidente dos Correios, Guilherme Campos, os deputados federais e coordenadores da Frente Parlamentar em Defesa dos Correios, Leonardo Monteiro e Maria do Rosário, enviaram o Ofício nº 57-2017 à Procuradora-Geral da República, ministra Raquel Dodge, solicitando a devida investigação e apuração de todos os fatos pelo Ministério Público.

Presidente dos Correios culpa indenizações, aposentados e plano de saúde dos funcionários por déficit

Presidente dos Correios, Guilherme Campos. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil)

Em entrevistas recentes concedidas pelo presidente dos Correios, Guilherme Campos, o déficit dos Correios, até setembro, era estimado em R$ 1,3 bilhão para 2017. Segundo o ex-deputado (PSD-SP), o suposto prejuízo se deve ao número milionário de indenizações a funcionários e clientes devido aos constantes assaltos nas agências dos Correios onde funcionam o serviço de banco postal. Ele também afirma que os aposentados e o plano de saúde dos funcionários são os maiores culpados pelos números negativos. A Federação e os sindicatos de trabalhadores contestam o suposto prejuízo. O Dieese também.

Em relação às indenizações por falta de segurança, a estatal cortou o contrato com empresas de vigilância e se recusa a implantar medidas que dificultem os assaltos, como portas giratórias e vidros blindados, onde funcionam os Bancos Postais. Tal negligência tem levado a Justiça a fixar indenizações às vítimas de violência. Em média, é de R$ 5 mil a indenização a cada vítima de assaltos nas agências do Correios.

Em setembro, os Correios confirmaram o encerramento das atividades do Banco Postal, em todas as 1.836 unidades de 12 estados brasileiros em que o serviço é oferecido. Deixariam de funcionar a partir do dia 11 de outubro. De acordo com o INSS, 137.962 benefícios de aposentados e pensionistas deixariam de ser pagos nas agências dos Correios. No Paraná, 412 agências seriam atingidas, sendo 12 em Curitiba. Em meio a protestos da população pela descontinuidade do serviço, a estatal voltou atrás e decidiu manter o Banco Postal até o fim de janeiro de 2018. No entanto, os postos continuam sem vigilantes, salvos as localidades onde a Justiça concedeu liminar obrigando a empresa a manter os serviços de segurança, sob pagamento de multa diária por descumprimento. Muitas das indenizações são por descumprimento.

Outro déficit apontado pelo ex-deputado que preside a estatal, é de que os gastos com os ex-empregados, com previdência complementar (Postalis e Postal Prev), e com plano de saúde dos aposentados e ativos, seria o principal motivo dos supostos prejuízos. Estudo encomendado ao Dieese, pela Federação que representa 31 sindicatos da categoria, demonstra que tais gastos fazem parte de uma “maquiagem contábil” que eleva a expectativa de vida dos funcionários em 10 anos a mais que as projeções do IBGE.

Centro de Tratamento de Encomendas dos Correios em Benfica, zona norte da cidade, durante a greve decretada após assembléia geral dos trabalhadores (Fernando Frazão/Agência Brasil)

A empresa também descumpre a exigência de realizar exames médicos anuais que é o Programa de Exame Médico de Saúde Ocupacional sob risco de multa anual de R$ 200 milhões. As empresas franqueadas dos Correios aumentaram o lucro em 34%, demonstrando que a empresa elevou a remuneração dos serviços prestados pela inciativa privada em detrimento aos próprios serviços.

Os resultados de prejuízos nos Correios são de má gestão que usa a empresa para cabides de empregos, paga aluguéis exorbitantes em escritórios para subsidiárias e faz contratos escusos com empresas de consultorias. O que se quer claramente é jogar a conta para os trabalhadores pagarem assim como está sendo feito com o Postalis, cujos desvios serão pagos com descontos de 20% nos contracheques dos aposentados por 20 anos”, afirmou o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Paraná, Marcos Rogério Inocêncio (China).

Em nota, a Federação dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (FENTECT), afirma que “é preocupante a falta de transparência, como no caso do plano de saúde da categoria, que está em processo de julgamento no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, ainda hoje, as representações dos trabalhadores não tiveram acesso aos números reais da operadora”.

A maior parte das entrevistas que endossam as afirmações de Guilherme Campos, de que a culpa do déficit dos Correios é do plano de saúde dos funcionários, foram concedidas e publicadas pelo grupo Globo. Desde que Temer assumiu, os repasses em verbas publicitárias ao Grupo aumentaram em 50%, e para a Infoglobo, responsável pelo jornal O Globo, as verbas cresceram em 81% em relação a 2015.