A busca da Terra Sem Mal





Indígenas Guarani às margens do Lago de Itaipu. Foto: Paulo Porto

* Dr Rosinha

A foto de Paulo Porto que ilustra a matéria “Justiça determina demarcação e ampliação de terras indígenas no Paraná” é de estranha (no sentido de incomodar) beleza. Não me parece bucólica. Vejo nela a foto ingênua: ingenuidade das fotografadas, não do fotógrafo. Conheço a sua capacidade de retratar a realidade. Ele pode na foto não ler e/ou ver o que vejo e leio.

A foto em branco e preto retrata três meninas/mulheres (idades, pela foto, indefinidas) sobre os galhos de uma árvore caída as margens do lago da hidrelétrica de Itaipu. Lago que ao mesmo tempo em que define as ‘fronteiras’ com o Paraguai, limita e contém a terra dos povos originários, chamados pelos brancos europeus de índios.

Na foto os olhares das meninas/mulheres não se encontram, nem por isso estão desencontradas. Sabem onde estão. Talvez não saibam o que o futuro lhes prepara.

A fisionomia, o corpo brevilíneo não deixam dúvidas suas origens: são ‘índias’. Ali, juntas, as três representam a cultura do moderno (nos trajes) e do passado, quanto ao futuro poderá ser um lugar ermo de esperança.

No Brasil atual é difícil especular sobre o futuro. O que esperar daqueles (PSDB, PMDB, PP, PTB, DEM, PPS, PTB, Solidariedade e et caterva) que governam o país e constroem a desgraça de muita gente, principalmente dos povos originários.

A foto e a notícia me trouxeram a lembrança da ocasião que visitei a comunidade Indígena Avá-Guarani do Ocoy. No inicio do segundo mandato de deputado estadual (1995-1998), fui procurado por um dos líderes da comunidade. Na ocasião relatava que a área era pequena, que suas terras foram inundadas pelo lago de Itaipu e, que por mais de dez anos buscavam solução, porém não obtinham resposta. Fez o relato e convidou-me a visitar a comunidade.

Aceitei o convite.

Na visita constatei a situação de pobreza, até de miséria que viviam. Andei pela área: o lago inexoravelmente está ali e era e é um limite, e do outro lado a queixa era que ao longo do tempo os proprietários vizinhos avançavam sobre a área deles. Roubavam-lhes território.

As queixas não eram só do tamanho da área, mas também do uso de venenos na agricultura por parte dos vizinhos e também algumas invasões brancas em busca da parca caça.

Toda a visita foi feita com um tradutor. Eu falava português e o tradutor traduzia para o guarani. Eles falavam em guarani e o tradutor fazia a tradução para o português. Lembro-me de parte do diálogo quando relataram que a área era pequena. O cacique afirmou que era pequena por que quando os parentes visitam não cabiam todos.

Eu com a minha cabeça, pensamento e cultura de branco e tendo como parâmetro o grau de parentesco das minhas origens europeias, não conseguia entender porque a área se tornava pequena quando os parentes visitam. Então desenrolou, mais ou menos, o seguinte diálogo:

– Por que a área é pequena? – Perguntei.

– Porque parente vem e não tem terra. – Responde o cacique.

– Como assim não tem terra? – Pergunto.

– Não tem terra para ele fica. – Diz o cacique.

– Mas quanto tempo ele fica? – Pergunto.

– Fica quanto tempo quiser – Responde.

– Como assim. Fica um dia, dois dias, três dias, uma semana, um mês?

– Sim, quanto tempo ele quiser. – Reafirma o cacique.

– E se quiser ficar um ano?

– Fica. – conclui o cacique

Na minha cultura de branco já pensei: “uma visita que fica vários dias enche o saco, que dirá ficar um ano”.

Ao mesmo tempo em que em silêncio pensava, caiu a ficha: “para os índios parentes são todos de sua tribo, de seu grupo étnico e, mais os Avá-Guaranis são nômades”. As fronteiras foram colocadas pelos brancos colonizadores. Não haviam fronteiras, não haviam divisas, não haviam proprietários. A terra era de quem nela vivia e aqui na terra que hoje chamam Brasil vivia um povo que tudo ocupava.

Imediatamente após essa visita marquei uma audiência com Euclides Scalco, então presidente da Itaipu para reclamar a necessidade de mais terra para os Avá-Guaranis. Naquela ocasião Scalco reconheceu a necessidade da expansão do território e disse que buscaria solução.

O lago de Itaipu foi formado no final de 1982, ano que foi criada a Reserva Indígena do Ocoy com uma pequena população, que pelo nomadismo dos Avá-Guarani e mesmo pelo nascimento de crianças, cresceu e tornou o território insuficiente.

Após 15 anos de queixas e reivindicações, em 1997 Itaipu adquiriu 1.744 hectares no município de Diamante do Oeste, hoje, já também insuficiente para atender a demanda do povo Avá-Guarani.

É bem vinda, mesmo que tarde a determinação da Justiça Federal que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União, realizem a demarcação de terra indígena no município de Santa Helena (PR) e a ampliação da Terra Indígena de Ocoy, em São Miguel do Iguaçu (PR). Afinal esta região, até chegar a colonização, pertenceu a este povo.

Enxergo, como escrevi acima, na foto, que os olhares das meninas/mulheres não se encontram, nem por isso estão desencontradas. Sabem onde estão. Talvez não saibam o que o futuro lhes prepara. E muitos já não enxergam o futuro, como foi o caso do adolescente Gabriel Morales, de 13 anos, que se suicidou no inicio desta semana. Gabriel, que vivia na aldeia de Yvyraty Porã, enforcou-se. Não suportou o ódio construído contra ele e seu povo.

Gabriel é vítima da onda de ódio contra os índios que aflorou no Brasil pós golpe. Esta onda de ódio tem crescido e estimulada, por alguns proprietários rurais respaldados por políticos locais (inclusive alguns e algumas que se dizem petistas) e por deputados como Evandro Roman (PSD) e Nelson Padovani (PSDB). Ambos se dizem cristãos e fazem contra o outro aquilo que não querem que façam contra si.

Conta-se que uma das razões para o nomadismo deste grupo é a busca da Terra Sem Mal. Nesta busca encontram alguns que se dizem cristãos, que lhes causam muitos males.

Dr. Rosinha é médico, ex-deputado federal e presidente do PT-PR