Retrospectiva 2017: o ano que combateu as artes

O ano de 2017 não foi fácil, inclusive para os artistas que se viram sob fogo cerrado. Setores reacionários descobriram os museus e a nudez. Na gritaria, exposições e peças sofreram censura. Veja nossa retrospectiva sobre as artes e a cultura neste ano que será difícil esquecer





Travesti de lambada e deusa das águas, de Bia Leite, 2013. Foto: Reprodução.

O ano de 2017 vai ficar marcado na história das artes brasileiras. Foi o ano em que mais se combateu as artes e em que se tentou criminalizar artistas. Foi neste ano que agora se encerra que o Santander Cultural cedeu às pressões da ultra direita e decidiu fechar uma exposição a partir de críticas obscurantistas. Foi também em 2017 que Curitiba recebeu Rafael Greca de volta ao cargo de prefeito e o viu cancelando a tradicional Oficina de Música depois de 34 anos ininterruptos. Veja nossa retrospectiva sobre o que de mais importante aconteceu nas artes e na cultura.

Janeiro
Quando o ano começou, já não era novidade para ninguém. A Oficina de Música, que é parte do calendário oficial de Curitiba, estava cancelada. O prefeito Rafael Greca, que em dezembro de 2016 ainda não havia tomado posse, já havia avisado: o evento não aconteceria. Seu antecessor, Gustavo Fruet, até tentou contornar a situação, mas não houve acordo. À época da celeuma, o principal argumento era a falta de verba e a prioridade que Greca daria à saúde. A Oficina de Música, que traria para a cidade dezenas de músicos (eruditos e populares) para a realização de cursos e shows, acontecia por 34 anos ininterruptos.

Fevereiro
Seguindo a linha de cortes na cultura, a prefeitura determinou redução de gastos para o carnaval, chegando a anunciar o cancelamento do pré-carnaval, evento já tradicional na cidade. As escolas de samba de Curitiba receberam metade da verba agendada, levando as agremiações a suspenderem as premiações. Mesmo assim, o bloco Garibaldis e Sacis levaram milhares de pessoas às ruas da cidade nos fins de semana que antecederam a folia.

Março
No dia 28 de março teve início o Festival de Curitiba, que levou aos palcos da cidade cerca de 350 peças. Como um dos principais destaques, a atriz Fernanda Montenegro fez leitura dramática da peça “Nelson Rodrigues por Ele Mesmo”.

Junho
O 3º Festival BB Seguridade de Jazz e Blues aconteceu no Parcão, ao lado do Museu Oscar Niemeyer, promovendo shows gratuitos, entre eles a apresentação do cantor e compositor Zeca Baleiro.

Entre os dias 7 e 15 de junho aconteceu a sexta edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. O evento teve como principal premiado o filme “El Mar la Mar”, de Joshua Bonetta e J. P. Sniadecki.

Julho
A noite curitibana sofreu diversas operações policiais a mando do prefeito Rafael Greca. Batizadas de “Balada Protegida”, o discurso oficial afirma que o intuito é trazer mais segurança à população. Com diversas edições realizadas desde o início do ano, a operação desencadeou confusão generalizada em uma ocasião durante o mês de julho. A Polícia Militar chegou a usar balas de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar transeuntes que se encontravam nas proximidades do Shopping Hauer, na rua Coronel Dulcídio, no Batel. A PM alegou que foi atacada com pedras e garrafas. A “Balada Protegida” aconteceu ao menos 50 vezes ao longo de 2017.

Após dois meses sem ninguém no comando, o Ministério da Cultura enfim recebeu um novo nome. Trata-se de Sérgio Sá Leitão, que fora diretor-presidente da RioFilme entre os anos de 2009 e 2015 e coleciona críticas à sua gestão pela classe de cineastas cariocas.

Agosto
O site Porem.net entrou no ar oficialmente no dia 28 de agosto.

Setembro
No feriado de sete de setembro foi lançado nos cinemas o longa-metragem “Polícia Federal: a lei é para todos”, que levou para as telas a operação Lava Jato. O filme, que teve grande recepção por parte do público, com mais de um milhão de espectadores, serviu de vitrine para juízes e procuradores em sua estreia na cidade de Curitiba. Por outro lado, a crítica enxergou sérios problemas na realização da obra, colocando o filme, na verdade, próximo a uma peça de propaganda.

Caça às artes

Cena da peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” Foto: Ligia Jardim/Divulgação

No dia 10 de setembro o Santander Cultural, no Rio Grande do Sul, cancelou a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” atendendo a críticas por parte de setores conservadores. A exposição, que estava prevista para encerrar apenas em outubro, foi alvo de ataques do Movimento Brasil Livre (MBL), o que gerou grande reação de seus simpatizantes nas redes sociais e a consequente censura por parte do centro cultural. A polêmica que envolveu acusações de pedofilia e zoofilia, alastrou como fogo em pólvora levando a polarização política para as artes e gerando uma série de casos absurdos.

Naquela mesma semana, a artista plástica Alessandra Cunha, de Minas Gerais, viu uma de suas telas ser retirada pela polícia de uma exposição no estado de Mato Grosso do Sul. A acusação de apologia à pedofilia foi feita por deputados estaduais. A obra, ao contrário, tratava de uma crítica à pedofilia.

Já no dia 15 de setembro, uma peça foi proibida por decisão judicial de ser apresentada na cidade de Jundiaí. “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” é um monólogo encenado por uma atriz transexual. Na decisão, o juiz sustentava que “o que não se pode ser tolerado é o desrespeito a uma crença, a uma religião, enfim, a uma figura venerada no mundo inteiro.”

No dia 29 de setembro, foi a vez de uma performance cair no radar reacionário. Com o título “Bicho”, a performance trazia o bailarino Wagner Schwartz sem roupas. Era uma referência às famosas esculturas de Lygia Clark, que foram criadas para serem manipuladas pelo público. Com o tempo, no entanto, os museus acabaram por proibir os visitantes de mexer nas obras, já que se tornaram peças valiosas. Na referência de Schwartz, ele próprio seria o objeto a ser manipulado como o público assim desejasse. No entanto, a presença de uma criança na plateia e o fato de ela, com a supervisão da mãe, ter tocado no tornozelo do bailarino, despertou a ira e mais uma onda de protestos, inclusive com uma petição pelo fechamento do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde a performance foi realizada.

Outubro

Uma das obras presentes na Bienal de Curitiba, de Chen Wenling. Foto: Divulgação.

O mês começou com a abertura da Bienal de Curitiba. O evento, que apresenta obras de mais de 400 artistas, homenageia a China nesta edição.

No dia 3 de outubro, diretores e curadores de dezenas de instituições culturais do país assinaram uma carta aberta em repúdio ao eventos conservadores que vinham assolando as artes no país.

A Gibiteca de Curitiba, que reúne cerca de 25 mil títulos, comemorou seus 35 anos.

Em Hollywood, o mês de outubro foi de grandes revelações acerca de condutas inapropriadas por parte de nomes famosos. Tudo começou com a denúncia contra o produtor Harvey Weinstein (de filmes como “Os 8 odiados”, “O Discurso do Rei”, entre muitos outros). Ao longo de sua carreira, o produtor forçou contatos indesejados com com atrizes, assistentes e uma modelo. A acusação acarretou em uma bola de neve e levou diversas outras vítimas a denunciar seus algozes. Na leva, caíram em desgraça nomes de peso como Kevin Spacey, Dustin Hoffman, Jeffrey Tambor e Louis C. K. O caso de Kevin Spacey se tornou um dos mais famosos, depois que ele publicou uma retratação desastrada em que aproveitava o ensejo para sair do armário se assumindo homossexual. O ator acabou sendo demitido pela Netflix e está fora da série House of Cards em que protagonizava já há cinco temporadas.

Temporada de festivais
O mês de outubro encerrou com a realização de dois festivais de cinema. Primeiro foi a vez do Fidé, dedicado à produção de documentários estudantis.

Logo em seguida foi realizada a primeira edição do Colors, dedicado à cinematografia LGBTQ, com obras de diversos países.

Novembro

Cena do balé “Cão sem Plumas”. Foto: Cafi/Divulgação

A consagrada coreógrafa Deborah Colker apresentou em Curitiba o seu mais recente espetáculo, “Cão sem Plumas”, adaptação de poema do escritor João Cabral de Melo Neto. Fizemos uma entrevista com a bailarina.

A 18ª edição da Parada da Diversidade levou milhares de pessoas para as ruas do Centro Cívico, em Curitiba. O slogan neste ano era “O que eu tenho a ver com isso?” e o intuito é o combate à homofobia.

Entre 9 e 19 de novembro aconteceu o Festival de Cinema da Bienal de Curitiba, com mais de 100 filmes em quatro espaços da cidade.

Curador da exposição “Queermuseu” esteve em Curitiba e acusou Santander Cultural de censura e sequestro de obras.