Professor viaja o Brasil de carona em busca do cotidiano das pessoas

"Quero descobrir o extraordinário no simples", diz paranaense que percorreu mais de 18 mil km em sete meses





Conhecer o Brasil e vivenciar ao máximo a cultura, os costumes e o cotidiano das pessoas em todas as regiões do país. Esse é o objetivo do professor Marcos Camargo, que há sete meses viaja o Brasil de carona. O paranaense de 42 anos, nascido em Cascavel, já percorreu mais de 18 mil quilômetros na primeira temporada do projeto pessoal que criou chamado Brasil de Carona. Nesta primeira etapa, ele visitou os estados da região Norte, com exceção do Tocantins, que fará parte da segunda temporada que será iniciada entre o fim de janeiro e o início de fevereiro.

O projeto começou por Vilhena, em Rondônia, e terá duração de dois anos e meio, sendo dividido em cinco temporadas (uma por semestre). Até o fim de 2019, Camargo pretende conhecer mais de 300 municípios. Na primeira temporada foram 39 cidades visitadas e incluiu os estados do Acre, Amapá, Amazônia, Pará, Rondônia e Roraima, além de uma tentativa de travessia internacional pela Guiana, Suriname e Guiana Francesa para chegar ao Oiapoque (AP). Ao todo foram 10.913 quilômetros por rodovias, 5.451 por hidrovias e 1.829 quilômetros aéreos.

A ideia do projeto surgiu em 2013 da vontade do professor em conhecer ao máximo a cultura brasileira. Nesta época, quando ainda dava aulas em escolas particulares em Foz do Iguaçu e Cascavel, Camargo conheceu alguns países da América do Sul e passou a planejar o projeto de viajar pelo Brasil de carona. O sonho foi colocado em prática em junho do ano passado.

“Tinha a UTOPIA de fazer algo que muitos podem considerar um ‘atrevimento’ ou algo impossível, mas que são perfeitamente possíveis. Devemos buscar não somente adicionar mais dias em nossas vidas, mas mais vida em nossos dias”.

Com pouco recurso financeiros e mochilão nas costas, o deslocamento de um destino para o outro é feito na maioria das vezes com caminhoneiros. A cada carona, cada cidade visitada, o professor reúne suas impressões pessoais em um semanário do projeto, além de registros fotográficos e pequenos vídeos, alguns compartilhados em uma página de rede social. Nessa espécie de ‘diário de bordo’, o viajante escreve sobre os acontecimentos de sua trajetória. “A impressão desta primeira temporada foi de um mundo completamente diferente de outros lugares do país, especialmente do Sul e Sudeste”, conta o professor.

O contraste da culinária, da linguagem, dos costumes, as interpretações da população em relação a pobreza e sobre o machismo impressionaram o viajante no Norte do Brasil. “O machismo por lá não é maior ou menor do que de outras regiões, mas em alguns aspectos parece ser mais dramático, especialmente envolvendo as crianças. Isso me impactou muito. O símbolo disso é a denúncia de mulheres da região em relação a ‘Lenda do Boto’, as quais elas afirmam ter o objetivo de encobrir o ato do abusador. É uma sofisticação regional com o subterfúgio de proteger abusadores”, comenta.

A “Veneza/Amsterdã Marajoara”

Das cidades que visitou a que mais lhe chamou atenção foi a pequena Afuá, conhecida como a ‘Veneza Marajoara’, mas da qual o paranaense a chama de ‘Amsterdã Marajoara’. Com população de cerca de 5 mil habitantes, a comunidade ribeirinha é cercada por rios amazônicos e está localizada ao noroeste da Ilha de Marajó (PA). “A cidade inteira é de palafita, as ruas são todas de trapiche. É uma das cidades mais interessantes e que passei a amar, especialmente pela simplicidade que ali reina”.

Como todo mochileiro, Marcos Camargo já passou por situações perigosas e caronas inusitadas. Algumas marcantes aconteceram na rodovia BR-364, uma das piores estradas do país, segundo o viajante. Por lá, ele pegou carona com uma caminhoneira entre as cidades de Feijó e Tarauacá, no noroeste do Acre, onde chamou atenção a condição das mulheres no mercado de trabalho; além de algumas caronas com indígenas.

Além das rodovias, os trajetos pelos rios também estiveram entre as principais aventuras da primeira temporada do Brasil de Carona. Em uma dessas viagens, Camargo diz ter tido a experiência que mais temeu ao aceitar o convite de pesquisadores de uma fundação de doenças tropicais de Manaus (AM), na cidade de Eirunepé, para uma incursão pelo rio Irú. A viagem durou doze horas, entre ida e volta.

“Dessas seis horas de volta, quatro foram no escuro, com pouquíssima iluminação. Foram horas de medo, pois o rio era muito baixo, com muitos troncos de árvores e o nosso barco era um bote chamado de voadeira. Batemos por três ocasiões e ficamos por um triz de virar o barco. Obviamente se isso acontece seria muito complicado. A noite é a hora que a floresta acorda”, conta o professor sobre o rio com histórias de pessoas atacadas por jacarés.

Bagagem leve como a vida

Os equipamentos de viagem do professor nômade são duas mochilas, uma de 75 litros e outra de 35, nas quais são distribuídas mudas de roupas, produtos de higiene pessoal, uma rede e um saco de dormir. Camargo tem dois calçados: um par de botas e outro de chinelos. “É como montar uma mochila para ficar 15 dias em um local. Como diz Pepe Mujica, a bagagem deve ser leve como a vida”, diz o professor, acrescentando que a metáfora do ex-presidente do Uruguai serve tanto para vida quanto para bagagem de uma viagem.

Apesar de viajar sozinho eventualmente pessoas se interessam em acompanhar Camargo em suas aventuras. Segundo o professor, isso aconteceu em duas ocasiões durante a primeira temporada de suas caronas. “As pessoas querem conhecer e viver a experiência. É uma viagem de baixo custo e alta satisfação”, comenta o mochileiro.

Nas próximas semanas, Marcos Camargo definirá quais cidades visitará na segunda temporada do Brasil de Carona, que percorrerá o Distrito Federal e os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. A terceira temporada (de julho a dezembro de 2018) contemplará os estados da região Nordeste, exceto a Bahia; a quarta dará a vez aos estados do Sudeste, exceto São Paulo, acrescido da Bahia; e a quinta e última temporada visitará São Paulo e a região Sul.

Questionado sobre o “segredo para uma boa carona”, Camargo diz que é preciso tomar os devidos cuidados com a segurança e ter muita informação, porém o que não pode faltar é o sorriso e o carisma.

“na beira da estrada o principal é sorrir, ter empatia. Se viajar é uma metáfora da vida, do qual sempre aprendemos coisas novas, fazer isso mochilando e de carona é o nível maior desta metáfora”.