O Facebook vai mudar de novo, mas o que muda de verdade?

Com as mudanças significativas anunciadas por Mark Zuckerberg no último dia 11, uma avalanche de análises tomou as redes sociais – talvez a ideia de fomentar o debate já esteja surtindo o efeito esperado

Aos que gostam de falar assim, 2018 realmente começou com tudo, pelo menos na internet. Nos primeiros dias de janeiro, após pressões que vem recebendo sobre o combate à fake news, Mark Zuckerberg usou suas promessas anuais para anunciar mudanças que valorizariam a comunidade do Facebook. Na última quinta (11) a empresa tornou públicas essas medidas e declarou que dará mais espaço à conteúdos de amigos e familiares, em detrimento a postagens feitas por páginas, incluindo conteúdo jornalístico.

Segundo Zuckerberg, as mudanças são baseadas em uma pesquisa realizada pela empresa e que a intenção é “encorajar interações significativas entre as pessoas”, ao invés de manter uma audiência a qual ele classificou como “passiva”, que apenas lê, assiste e/ou replica, sem refletir. Bom, talvez essa pesquisa não tenha levado em consideração os frequentes textões que algumas pessoas escrevem em suas redes sociais.

Desde então, uma avalanche de reações e análises tomou a web – talvez a ideia de fomentar o debate já esteja surtindo o efeito esperado. É natural o sentimento de traição entre os que apostaram alto na rede social, que mesmo com relutância, viu muitos veículos de comunicação se renderem a eles nos últimos anos. O próprio Facebook atraiu essa gente, oferecendo plataformas comerciais específicas para impulsionamento de posts, inclusive desenvolvendo uma política para empresas atuarem em seu ambiente. Após essa entrada, muitas páginas e sites passam a depender da rede como distribuidora de conteúdo e geradora de tráfego – segundo levantamento da SembraMedia divulgado em 2017, 100% dos meios nativos digitais da América Latina usam o Facebook. O que será de tudo isso agora?

Em comunicado, o Facebook afirma que as mudanças serão mais sentidas por páginas que tem pouca interação com sua audiência, podendo sofrer uma queda maior no alcance. Por outro lado, garante que aquelas que criam conteúdos que incentivam a troca de experiências entre as pessoas na rede serão menos afetadas. A empresa diz também que os usuários ainda poderão ver publicações de páginas com prioridade, mas deverão alterar suas preferências e fazer a seleção de quais deseja “ver primeiro” manualmente.

“Valorizaremos mais interações entre pessoas como comentários, compartilhamentos e mensagens do que reações e curtidas. Figuras Públicas e Páginas podem criar conteúdo que levem as pessoas a ter interações sociais significativas. Mas posts de amigos terão um peso maior.”, afirmou o Facebook em comunicado.

Presidente fake?

Sim, aquele que gosta de taxar como fake news a mídia que se opõe a ele pode ser o maior ícone desse atual fenômeno da internet – da internet, porque notícias falsas não existem de hoje na imprensa. A verdade é que desde que Donald Trump conseguiu se tornar presidente dos Estados Unidos, o Facebook vem sendo acusado de ser um terreno fértil para a propagação de notícias falsas – e este fato está sendo usado para que ele faça essa mudança brusca em seu algoritmo. E com isso possa lucrar mais.

Mas pesquisas não sustentam essa tese do Trump eleito pelas fake news. Uma delas, realizada pelo Journal Economic Perspective analisou 156 notícias consideradas fake news durante as eleições americanas de 2016. Desse total, 115 delas eram pró-Trump e foram compartilhadas 30 milhões de vezes no Facebook, enquanto as outras 41 fake news favoreciam Hillary Clinton e foram replicadas 7,6 milhões de vezes. Os dados revelam uma diferença de quase 3 vezes mais “mentiras que foram contadas” para favorecer o atual mandatário da Casa Branca.

A mídia tradicional (norte-americana) reage diante das novas mudanças

Para o The New York Times os criadores de conteúdo e marcas são os grandes perdedores com a nova mudança, que classifica como “aposta arriscada” para o modelo de negócio de Zuckerberg. Em recente texto publicado em seu site, o jornal norte-americano questiona logo no título se este é o fim da era do que chama de “notícias sociais” e acrescenta que jornalistas se preparam para grandes mudanças no Facebook.

A publicação cita ainda que uma fonte revelou encontros secretos de executivos do Facebook com veículos como o The Wall Street Journal no final de 2017. Teriam sido debatidos assuntos sobre a renovação do foco na comunicação individual para pessoas que se conhecem e compartilham gostos pelo mesmo conteúdo distribuído pelos meios de comunicação – até mesmo esses veículos acabaram sendo pegos de surpresa.

“Alterar os termos rapidamente é realmente colocar em foco o quão poderosa as plataformas se tornaram e como a infra-estrutura é um lugar muito difícil para que os editores operem e naveguem. Isso tem grandes implicações sobre como as pessoas recebem notícias, onde elas a encontram e qual é a qualidade de suas novidades”, declarou John Ridding, diretor executivo do The Financial Times, ao NYT.

revista The Atlantic não poupou critícas em artigo recente. Logo em sua abertura lista vários fatos influenciados por Mark Zuckerberg nos últimos anos:

“Ele quebrou o jornalismo, diminuindo radicalmente o valor da publicidade digital da qual a mídia agora depende. Ele quebrou os hábitos de leitura de seus usuários, os ratos de laboratório em seu grande experimento, constantemente manipulando-os e alimentando-os com um fluxo infinito para aumentar seu “engajamento” com seu site; e de certa forma, ele quebrou a democracia americana, ‘sentando-se em suas mãos’ enquanto um adversário estrangeiro explorava sua plataforma e criando o veículo mais eficiente do mundo para espalhar mentiras políticas e agitar. Agora, com o anúncio de que ele está despindo o Feed de Notícias de notícias, também está quebrando seu próprio site”.

Por outro lado, ressalta que essas mudanças trazem a liberdade que a mídia precisava, uma vez que monopólios como o Facebook se provam incapazes de manter a indústria de pé.

Mas onde estão as reações brasileiras? Pois bem, até o momento, a nossa mídia tradicional segue deitada em berço esplêndido, apenas repercutindo dados e opiniões de jornais norte-americanos.

Priorizar a qualidade e fidelizar a audiência podem ser soluções

Estas são as saídas não apenas para as mudanças atuais, mas para qualquer tipo de filtro que possa servir como barreira para a distribuição de conteúdo. Priorizar a qualidade na produção de conteúdo, ao invés da quantidade, é essencial para se fidelizar uma audiência na internet. Como isso acontece? Criando conteúdo próprio e inédito, estabelecendo diálogo com os espectadores, entendendo para onde eles caminham, o que gostam de ver ou o que esperam de você.

Com isso, a personificação da notícia deve ganhar mais força, uma vez que o gênero opinativo também gera maior identificação com a audiência. E, como os perfis pessoais devem ganhar mais visibilidade, uma tendência inicial pode surgir com blogueiros e influenciadores digitais se destacando mais e servindo de ponte para disseminar o conteúdo entre o grande público.

Sites que possuem essa comunidade de usuários mais engajados, realmente não devem sentir muita diferença. Isso porque o usuário está acostumado a buscar aquele conteúdo de forma orgânica. Essas pessoas também serão aquelas que compartilharão essas notícias e, mesmo dentro do novo algoritmo, acabarão atingindo outras pessoas.
O que nos resta é se preparar para essa nova fase. Em tempo, fica a reflexão para os criadores em geral, até que ponto depender de uma única rede para alavancar uma audiência é positivo ou não, quando ela tem o controle de decidir entre mostrar ou não o seu conteúdo.

Os algoritmos precisam ser fiscalizados por terceiros

O debate de hoje ou dos próximos anos sobre o jornalismo passa essencialmente sobre como se dará a relação entre ele e os algoritmos. Cathy O’Neil, matemática com formação em Harvard e no Massachussetts Institute of Technology (MIT), autora do livro Weapons of Math Destruction (Armas de Destruição em Cálculos, trocadilho com a expressão “armas de destruição em massa” em inglês) no qual debate os efeitos colaterais da economia do Big Data, apontou numa recente entrevista à BBC Brasil , que a melhor maneira de “resolver isso é fazer com que os algoritmos sejam auditados por terceiros”. E acrescenta que não é recomendável “confiar nas próprias empresas que criaram os algoritmos”. Parece óbvio, mas é algo considerado inadmissível por essas mesmas empresas. Mas do ponto de vista do jornalismo e da garantia que as empresas de comunicação serão tratadas de forma equânime por essas plataformas de redes sociais independente de suas, por exemplo, posições editorias, parece ser o único caminho. E este talvez seja o grande debate da “democratização das comunicações” nos próximos anos.