Ibrahim Alzeben: “A paz é uma opção estratégica”

Embaixador da Palestina no Brasil afirma que cada declaração de Donald Trump cai como uma bomba em território palestino




FonteBruna Bandeira da Luz

Ibrahin Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil. Foto: Norian Segatto

Jerusalém. Um território de pouco mais de 125 km² dividido entre “oriental” e “ocidental”. Um território que quando dividido em dois, foram duas capitais, a de Israel e a da Palestina. Povos que há 100 anos vivem o que muitos chamam de “conflito”. No entanto, outros preferem chamar de massacre. Há também quem prefira a palavra resistência. O fato é que, desde que os judeus chegaram à Palestina e, posteriormente, Israel foi fundada, o território palestino é esmagado juntamente com seu povo. Povo que entre refugiados, feridos e encarcerados míngua enquanto resiste.

Em dezembro do ano passado, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, decidiu reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e iniciou um processo de transferência da embaixada dos Estados Unidos da cidade de Tel Aviv para lá, segundo informou membros da sua administração. A atitude causou reações negativas inclusive de países aliados dos EUA no Oriente Médio, como a Arábia Saudita e o Egito.

O reconhecimento agrada Israel, mas líderes árabes e palestinos alertam que causará prejuízos no processo de paz. Para o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, cada ação de Trump cai como uma bomba em território palestino. De passagem pelo Paraná, onde participou de agendas oficiais, Alzeben falou sobre essa e outras questões que e envolvem o povo palestino. Confira na entrevista ao Porém.net.

Por que os palestinos não aceitam a partilha de 1947? O que busca o povo palestino?

Alzeben: Como vamos aceitar que nosso território seja repartido ao meio? Os judeus também não aceitaram, porque segundo a promessa o lugar é para eles. Não querem ninguém ali. Então, ambas as partes não aceitam a partilha, como consequência esta [partilha] começa a ser feita através da força, com o apoio dos Estados Unidos, da Inglaterra e inclusive da antiga União Soviética. Ajudaram a armar e a ganhar ao longo de todos estes anos as guerras contra os palestinos. Quando podemos ter uma resistência pacífica, preferimos uma resistência pacífica, essa é a atual bandeira da Palestina. Acreditamos que a resistência pacífica é a solução. Toda vez em que houve uma guerra, os palestinos perderam, por isso a paz é uma opção estratégica. Esperamos chegar ao momento em que criaremos o estado democrático que projetávamos em 1965 quando se lançou o estado democrático laico. Aceitamos o direito internacional como base. Aceitamos Jerusalém Oriental e a Cisjordânia sem colônias.

Recentemente, Donald Trump reconheceu Jerusalém como a capital de Israel. Qual o peso desta declaração do presidente dos EUA?

Alzeben: No dia 6 de dezembro, Trump disse: “somos aliados de Israel”. Reconheceu Jerusalém como a capital de Israel e decidiu mudar a embaixada dos Estados Unidos para lá. Como ficou do lado de Israel, seguimos lutando. Cada vez mais temos colônias israelenses, judeus que chegam em diáspora em nosso território. Cada vez temos menos território e cada vez menos vida dentro deste território. Nem o gênio mais gênio pode pintar o mapa da Palestina dentro deste contexto criado por Israel dentro do próprio território palestino. Todos aqueles 600 mil judeus que estão na Cisjordânia têm que sair. Conforme as Nações Unidas, não se pode conquistar território pela força e não se pode fazer mudanças geográficas ou demográficas. Mesmo assim, Israel anexou Jerusalém contra a lei internacional. Criaram pequenas cidades dentro do território palestino, para forçar o povo palestino a sair.

Há pouco tempo, uma menina de 16 anos (Ahed Tamimi) virou símbolo da luta palestina após resistir aos guardas israelenses. O que este episódio representa para o povo palestino?

Alzeben: Poderia imaginar o desespero, onde milhares de presos e feridos em cárcere israelense resultam em uma imagem surrealista desta resistência pacífica contra o ocupante? Uma menina, quando entram soldados em sua casa, e ela os enfrenta, bate neles. Claro que está presa e será condenada. Mas consideramos esta bofetada, uma bofetada contra a ocupação. Quem apoia Israel, consequentemente está apoiando a ocupação de outro povo.

Se em dezembro Trump sinalizou apoio a Israel, em janeiro ele anunciou um corte na contribuição para a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos, congelando 65 milhões dos 125 milhões de dólares que deveria ser repassado. Como esta decisão pode impactar a vida dos palestinos?

Alzeben: Gostaríamos de não precisar deste tipo de contribuição. O povo palestino quer garantir sua própria subsistência. No entanto, enquanto este direito não nos for concedido, eles têm esta responsabilidade conosco. Com este corte, o povo palestino terá ainda mais dificuldade em ter acesso a coisas básicas como comida e remédios.

Na sua opinião, até onde trata-se de uma questão política e até onde é uma questão religiosa?

Alzeben: O conflito não é religioso. O fundamentalismo religioso no islamismo e também entre cristãos atuam lá como também atuam aqui [no Brasil]. Nos bairros mais pobres da América Latina você vai encontrar igrejas, igrejas e mais igrejas. Porque quem está procurando uma solução sabe que Deus, com sua misericórdia, irá trazer esta solução. Aí entra o conflito entre o povo, forças policiais, forças fundamentalistas, o próprio governo e o ocidente. O ocidente quer petróleo, quer mercado. Os governos também têm seus interesses. O povo está dividido, espera que Deus vá resolver, e então surge o fundamentalismo. Assim como o cristianismo, o islamismo tem diferentes tendências, neste caso os sunitas e os xiitas. Ambos estão procurando seus interesses, ninguém está procurando Deus. Israel não está procurando herança, está procurando seus interesses. Tem muita ignorância e os pobres estão pagando pelas guerras que estão acontecendo em lugares diferentes. Seja na Líbia, na Guiana ou em outros lugares do mundo. Se os governos estão tratando de conservar o trono e o ocidente está tratando de apoiar qualquer um que possa conservar seus interesses, onde fica a situação palestina?

Atualmente, como está a relação da Palestina com o Brasil? Houve alguma mudança com a troca de governo?

Alzeben: O Brasil é um país amigo, independentemente da política. Em nenhum lugar onde cheguei, encontrei uma resistência. Queremos o Brasil conosco independente do governo.

Qual a melhor forma de contribuir com a causa palestina?

Alzeben: Façam visitas ao território palestino. Quem visitar o território palestino será bem recebido. Sentirão como é dura e cruel essa ocupação, que esta privando o povo palestino de seus direitos. Também verá como este povo consegue resistir pacificamente e viver uma vida normal. Do lado israelense todo mundo está armado e bravo. Do lado palestino todos estão sorrindo e sem armas. Quem esta ocupando a quem?