O programa Escola Sem Partido, que propõe combater uma suposta “doutrinação política e ideológica” nas escolas, vem sofrendo sucessivas derrotas em todas as esferas. Decisões recentes tem apontado a inconstitucionalidade da proposta e liminares têm derrubado legislações já aprovadas, como a lei estadual de Alagoas, ou leis municipais como em Jundiaí (SP) e Paranaguá (PR).
Em algumas casas legislativas, os projetos sequer são levados ao plenário ao receberem pareceres contrários em comissões internas, como a exemplo da Assembleia Legislativa de São Paulo e da Câmara Municipal de Belo Horizonte (MG).
No Senado, o Escola Sem Partido teve duas derrotas recentes. Em dezembro de 2017, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação rejeitou a “sugestão legislativa” que pretendia retirar o título de patrono da educação do educador Paulo Freire. Enquanto isso, o autor do projeto, senador Magno Malta (PR/ES), retirou de tramitação a proposição que buscava incluir o programa nas bases da educação nacional.
O último revés do Escola Sem Partido aconteceu nesta quarta-feira (14) na Câmara de Vereadores de Cascavel, no Oeste do Paraná. A proposta de legislação municipal, sugerida por parlamentares ligados a bancadas evangélicas, foi arquivada após receber pareceres contrários de três comissões da casa legislativa. A Comissão de Justiça, Redação e Veto, que analisa a constitucionalidade, destacou que a proposta visava “impedir o pluralismo de ideias, negando a possibilidade de ampla aprendizagem”.
O parecer destaca que a proteção da família – alegada pelos autores – já é garantida pela Constituição e que os propositores confundem “educação recebida pelos pais” com “educação escolar”. Além disso, a comissão destaca que não cabe à Câmara legislar sobre tal matéria. No parecer contrário é citada a decisão do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que suspendeu a lei alagoana baseada no Escola Sem Partido. Já a Comissão de Economia e Finanças emitiu parecer contrário pelo projeto não apresentar os impactos orçamentários.
A terceira comissão a emitir negatividade ao projeto de lei foi a Comissão de Educação. “Do ponto de vista legal, moral e pedagógico, o Programa Escola sem Partido segue indefensável. Pois se retirarmos a legalidade, a moralidade e o objetivo pedagógico de um projeto de lei, o que nos resta? Nos resta apenas o discurso oportunista, demagógico, pouco inteligente e de ódio de seus defensores”, apontou o vereador Paulo Porto (PCdoB), que preside a comissão.
Autor do PL, o vereador Celso Dalmolin (PR) lamentou que não tenha sido oportunizado o debate do projeto em plenário aos demais vereadores. Porém o mais incomodado com o arquivamento foi o Pastor Rômulo Quintino (PSL). Na busca de fazer uma analogia a questão da legalidade do projeto, o vereador citou o juiz Sergio Moro ao afirmar que os “setores de esquerda que querem disseminar seu pensamento não ligam para a questão de legalidade, pois se ligassem, teriam que ser favoráveis à condenação do ex-presidente Lula”, ao qual o parlamentar classifica como “líder daqueles que querem doutrinar as crianças”.
A votação do projeto de lei foi acompanhada por entidades ligadas à educação pública, como o Conselho Municipal de Educação (CME) e o Sindicato dos Professores da Rede Municipal de Cascavel (Siprovel). “Felizmente os vereadores das comissões compreenderam que é um projeto que embora se auto denomine ‘neutro’ é carregado de ideologia conservadora, retrógrada e que busca punir o professor ao ter como objetivo que professor e alunos não pensem e não expressem seus argumentos”, comentou o professor Amilton Peletti, presidente do Siprovel.
Para Claudia Pagnocelli, presidente do CME, o arquivamento representou uma vitória, “visto que não tira da escola o que é função dela, ensinar o conhecimento científico de forma que torne o indivíduo consciente da realidade tal qual ela é, permitindo ao povo estar instrumentalizado para lutar por uma sociedade justa”.
Câmara de Curitiba e Alep
Embora várias proposições no escopo do Escola Sem Partido já tenham sido consideradas inconstitucionais ou tenham sido arquivadas, parlamentares ligados à bancadas evangélicas seguem apresentando propostas semelhantes. Na Câmara de Curitiba, o projeto também conhecido como “Lei da Mordaça” foi apresentado em julho do ano passado pelos vereadores Ezequias Barros (PRP), Osias Moraes (PRB) e Thiago Ferro (PSDB). Embora a Comissão de Constituição e Justiça tenha autorizado o trâmite da proposta, a Comissão de Educação deu parecer contrário. A próxima comissão a avaliar o PL é a Comissão de Serviço.
Na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), a votação do projeto de lei do deputado Missionário Ricardo Arruda (PEN) que institui o Programa Escola sem Partido no sistema estadual de ensino foi adiada em 24 de outubro na Comissão de Constituição e Justiça. O relatório apresentado foi alvo de pedidos de prazo para ser analisado com mais calma, porém a proposta deve voltar ao debate em breve na Alep.
Dois dias depois a Universidade Federal do Paraná (UFPR) aprovou moção contrária ao projeto de “Escola sem Partido” que tramita no legislativo paranaense. A decisão foi tomada pelo Conselho Universitário, mais importante órgão de direção da universidade. Segundo o texto aprovado, a UFPR vê com “preocupação” projetos que visam “tutelar, limitar ou policiar a liberdade de pensar, ensinar e aprender, instituindo sementes que podem descambar até mesmo em controle e perseguição”.
Em nota técnica, o Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE/PR) também se posicionou contra o projeto Escola Sem Partido na esfera estadual, defendendo os princípios de liberdade de ensinar e aprender e autonomia das instituições de ensino.