Precisamos resgatar o sentido originário do dia 8 de março

A reforma trabalhista de Temer, em vigor desde novembro do ano passado, traz contundentes impactos a todos os trabalhadores, porém, sem dúvida, atingirá mais fortemente as mulheres.





Foto: Leandro Taques

* Laura Maeda Nunes

O dia 8 de março, conhecido como o Dia Internacional da Mulher, está historicamente associado a reivindicações femininas por melhores condições de trabalho e por uma sociedade mais igualitária.

A busca por direitos das mulheres é muito antiga. O primeiro texto que podemos afirmar, com certeza, que foi direcionado à opção política de luta da mulher foi escrito por Mary Wollstonecraft, em 1791. Em contraposição à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, produto da revolução francesa de 1789, a “Reivindicação dos Direitos das Mulheres” trazia críticas ao casamento como uma relação de propriedade, e à educação recebida pelas mulheres como tão somente uma garantia de que não poderiam atender às expectativas da sociedade. No mesmo ano, Olympe de Gouges propôs a “Declaração dos Direitos da Cidadã”. Foi condenada à morte e guilhotinada em março de 1793, por “ter querido ser um homem de estado e ter esquecido as virtudes próprias do seu sexo”.

Com a revolução industrial, grandes transformações ocorreram no processo produtivo, momento em que o trabalho das mulheres foi notadamente sendo introduzido nas indústrias como uma alternativa de baratear salários, com jornadas extenuantes, em um ambiente de trabalho inadequado e insalubre, com remuneração até 60% inferior à dos homens.

Nesse contexto, várias manifestações operárias eclodiram pelo mundo ao longo dos anos. Destaca-se a primeira greve conduzida unicamente por mulheres, em 08 de março de 1857, quando tecelãs novaiorquinas se uniram pela redução da jornada exaustiva de trabalho, na Fábrica de Tecidos Cotton. A resposta que receberam foi extremamente violenta e marcada por repressão policial, que obrigou as operárias a buscarem refúgio dentro da fábrica, onde, trancadas, foram incendiadas.

Em 1910, em conferência internacional de mulheres socialistas ocorrida na Dinamarca, Clara Zetki propõe que o dia 8 de março seja o Dia Internacional da Mulher, marcado por jornadas de trabalhadoras por todo o mundo. No ano seguinte, milhares de mulheres se manifestaram na Europa e, a partir de então, a data passou a ser simbolicamente marcada por reivindicações das mulheres. Foi em 8 de março de 1917, na Rússia, que tecelãs e costureiras foram às ruas pedindo pão, terra e paz. Essa manifestação foi de fundamental importância, e impulsionou a revolução de outubro daquele mesmo ano, trazendo transformações não só na Rússia como no mundo todo, nitidamente no que diz respeito ao direito de votar e de ser eleita. A data foi oficializada pela ONU como Dia Internacional da Mulher em 1975.

O dia 8 de março tem a ver, portanto, com a entrada das mulheres no operariado e com sua organização política pela conquista de direitos. Foi, aos poucos e infelizmente, sendo despido de seu sentido originário, e se faz necessário resgatá-lo, especialmente no contexto atual “pós-democracia”, em que nem tudo são flores.

A reforma trabalhista de Temer, em vigor desde novembro do ano passado, traz contundentes impactos a todos os trabalhadores, porém, sem dúvida, atingirá mais fortemente as mulheres. A terceirização é um exemplo disso. Segundo dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), serviços terceirizados são os que possuem mais alta rotatividade, pior qualidade, maiores índices de acidentes e menores salários. Esses serviços, como a limpeza e a cozinha, são predominantemente ocupados por mulheres, em sua maioria negras e migrantes, e serão certamente mais atingidas por essa forma de contratação, agora amplamente permitida. O estudo mencionado aponta que homens terceirizados tendem a ter remuneração intermediária, enquanto mulheres terceirizadas tendem a ter remuneração baixa.

A flexibilização da jornada de trabalho, por meio da modalidade de trabalho intermitente (em que não há jornada fixa e o pagamento corresponde estritamente ao tempo trabalhado) e pela possibilidade de negociação dos horários de trabalho e de descanso, é um outro exemplo de precariedade a afetar mais negativamente o trabalho da mulher. A dura e recente conquista de 2015 de fixação da jornada de 44 horas semanais para as trabalhadoras domésticas, profissão marcada pela informalidade, pode simplesmente ser anulada em razão dessa flexibilização. Ainda, a limitação do valor da indenização por dano moral, proporcional ao limite dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, igualmente atingirá mais as mulheres, historicamente em piores posições no mercado de trabalho quando comparadas aos homens, já que são mais assediadas no ambiente de trabalho. Por terem menor renda, receberão, portanto, indenizações menores pelo mesmo ou mais grave assédio que o trabalhador homem.

Além disso, o anúncio do governo acerca do pacote de privatizações e corte de recursos públicos também atinge em cheio a vida das mulheres, na medida em que trabalham majoritariamente nos setores públicos (30% dos cargos são ocupados por mulheres). Se o Estado diminui de tamanho, as mulheres, por consequência, tendem a perder seus empregos no setor. A limitação de gastos nessa esfera também reduz a oferta do serviço público, e são justamente as mulheres mais pobres e que perderam seus empregos que mais fazem uso de serviços como de saúde, educação e creches.

A reforma da previdência, suspensa em fevereiro por pressão do movimento sindical e por ausência de apoio político, aumentaria a desigualdade entre os gêneros. Ao equiparar a idade de aposentadoria de homens e mulheres, a proposta ignora por completo a realidade das trabalhadoras do país, que exercem duplas e triplas jornadas de trabalho, que geram inevitavelmente exaustão física e mental de forma precoce. A elevação da idade de aposentadoria apenas prolongaria o ciclo de desgaste. A reforma, portanto, trataria as mulheres de maneira igual aos homens somente em seu prejuízo, sem trazer qualquer igualdade concretamente.

No Brasil, a maior parte dos trabalhos informais são ocupados por mulheres e, no trabalho formal, o maior índice de rotatividade é encontrado nas ocupações femininas, assim como os menores salários. Recentes dados do DIEESE, a partir de números do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), mostram que as mulheres bancárias admitidas em janeiro deste ano, por exemplo, receberam em média 71,8% da remuneração média auferida por homens bancários contratados no mesmo mês.

Os índices de violência contra a mulher são ainda alarmantes (a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física, segundo Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha) e a representação política feminina segue sendo reduzida (9% do Congresso Nacional).

Motivos não faltam para ir às ruas nesta quinta-feira. “Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede” é uma frase bastante proferida no mês de março e resume a ideia central das manifestações femininas, que ao fim e ao cabo buscam por igualdade.

A avidez pelo lucro e o embate entre capital e trabalho ainda existe em nossa sociedade e seu efeito é ainda mais feroz com as mulheres. Gerações transformaram indignação em luta. Somos frutos dessa construção histórica e é nosso dever dar continuidade a ela, para que o legado de lutas não suma em uma profusão de flores, perfumes e bombons.

* Laura Maeda Nunes é advogada trabalhista e pesquisadora feminista