Por Júlio Carignano, com fotos de Gibran Mendes

Transformar as comunidades mais pobres, empoderando o morador e moradora da favela, em especial a população jovem e negra. Com essa bandeira, a Central Única das Favelas (Cufa), organização não-governamental (ONG) criada há 20 anos por ativistas sociais, entre eles o produtor Celso Athayde e o rapper MV Bill, está presente hoje em mais de 400 cidades do Brasil e 17 países do mundo.

Gerada no movimento hip hop a organização atua nos âmbitos político, social, esportivo e cultural. Com ações voltadas à integração e inclusão social, a Cufa também se apresenta como um “selo” e com projetos na área do empreendedorismo social. No Paraná ela está presente em 15 cidades, mas chega a prestar atendimentos em até 25 municípios.

Neste cenário em que as favelas estão no centro dos noticiários do Brasil e do mundo, o Porém.net bateu um papo com coordenador-geral da Cufa no Paraná. José Antonio Campos, o Zé da Cufa, 43 anos, é do norte do Paraná. Nascido em Marialva, morou em Sarandi, na comunidade do Independência. Em Itabuna, na Bahia, morou no Jardim Grapiúna, mais conhecido como “Favela do Bode”. Morou também na Vila Ana Rosa, em São Paulo e, antes de mudar-se para Curitiba, vivia na periferia de Cambé, região metropolitana de Londrina (PR).

Ele recebeu a reportagem na sede da Cufa, no Pinheirinho, onde falou dos trabalhos da ONG em Curitiba e no estado do Paraná, sobre a intervenção nas comunidades do Rio de Janeiro e do que significou para periferia o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), que era um símbolo da luta da população das favelas.

O coordenador geral da Cufa no Paraná afirma que as comunidades têm apontado o caminho de políticas públicas ao Estado (União, estados e municípios), porém o poder público segue na contramão das comunidades. Com eventuais parcerias com prefeituras e governo, participação em conselhos, ele explica que a Cufa tem buscado apontar alternativas. “Estamos num ciclo, voltando e dizendo: olha isso aqui deu errado, isso aqui não está dando certo. A política não é essa. Como no caso da repressão”, afirma.

Para Zé da Cufa, o poder público tem errado o alvo. “As políticas públicas são paliativas, é um projeto temporário. Dura três, seis meses, um ano. A única política pública constante na favela é a política da repressão”, diz.

José Campos , o Zé da Cufa, coordenador-geral da Central Única das Favelas do Paraná. Foto: Gibran Mendes

“É uma utopia acreditarmos na pacificação das favelas da forma como estão fazendo, somente na base da repressão. O território da favela é um território de conflito. A ausência de políticas públicas faz com que se prolifere a violência, a segregação. A repressão é pautada desde as UPP. As UPP do Rio resolveram? As UPS do Paraná resolveram?”, questiona.

O apontamento da política de repressão como única presença do estado nas favelas era uma das denúncias da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, aponta Zé da Cufa. Ele destaca que as causas que eram defendidas pela “cria” da comunidade da Maré vão ao encontro das diretrizes da Cufa, no sentido de o favelado e da favelada terem protagonismo e mais direitos dentro da sociedade. “Quando você rompe algumas lógicas e passa a ser a porta-voz daquelas que nunca tiveram voz, especialmente a mulher negra favelada, você passa a ser um alvo ou põe um alvo em suas costas”, comenta Zé.

O coordenador da Cufa-PR afirma ser cedo para mensurar o tamanho da perda de Marielle Franco para as comunidades. “Foi uma atrocidade, uma barbárie que não tem como mensurar essa perda, especialmente para a mulher negra. Prova disso foram as manifestações, onde as pessoas ocuparam as ruas de todo o país”.

“Guerra ao narcotráfico”

Questionado sobre o combate ao narcotráfico como justificativa para essa política de repressão nas comunidades, Zé da Cufa é taxativo ao apontar que é preciso repensar a discussão sobre as drogas no Brasil. “Vamos discutir pelo viés econômico. Estamos falando da segunda maior economia do mundo. Quem lucra? Um jovem da favela não tem condição financeira para atravessar um estado para ir do outro lado da fronteira buscar droga. Mas alguém tem. Quem é essa pessoa?”, questiona.

Ele aponta como alternativa a legalização das drogas.

“É hora de repensar a ideia de meramente proibir. O álcool mata mais que qualquer droga. O tabaco também. A legalização é um caminho. Proibido já está e as pessoas estão morrendo. Essa guerra contra as drogas, da maneira como está, não deu certo. Tem pessoas ganhando em cima do sangue dos outros”.

José Campos , o Zé da Cufa, coordenador-geral da Central Única das Favelas do Paraná. Foto: Gibran Mendes

Para Zé da Cufa, as políticas públicas devem atuar no processo de “re-significação” do indivíduo da favela. “É ai que entra o processo de empreendedorismo social que falamos. É uma reversão do processo de marginalização para a ideia do empreendedorismo. Com isso criamos uma das maiores redes de trabalho dentro do estado do Paraná na área. Geramos recursos, empregos, porém dentro da estrutura, na base da pirâmide”, explica o coordenador. “É o recurso do favelado voltando do asfalto para a favela. Esse é o “selo Cufa”, um selo de empoderamento”, acrescenta.

Política e eleições

Em agosto de 2017, um grupo de militantes do movimento negro – entre eles Celso Athayde, um dos fundadores da Cufa – protocolou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido de registro para a formação de um partido político intitulado “Frente Favela Brasil” (FFB). Atualmente o grupo corre atrás das 487 mil assinaturas para que possa a partir de 2020 lançar candidatos próprios.

A criação do partido Frente Favela Brasil, segundo Zé da Cufa, será uma alternativa à subrepresentação da população negra nos espaços de poder. Apesar da expectativa ser para as eleições de 2020, as lideranças da FFB já iniciaram debates sobre o pleito deste ano. Candidatos representantes das comunidades serão lançados por outras siglas em vários estados brasileiros, entre eles o Paraná.

Nesta fase de coleta de assinaturas para a obtenção do registro partidário, a Frente negocia com a Rede, PSOL e PDT a filiação de seus integrantes, que conservariam a plataforma do movimento, para disputar as eleições. Caso eleitas, essas pessoas aproveitariam as janelas partidárias para migrar para a FBB posteriormente. Além dos três partidos citados, a Frente também reuniu-se nacionalmente com a pré-candidata à presidência pelo PCdoB, Manuela D’avila.

José Campos , o Zé da Cufa, coordenador-geral da Central Única das Favelas do Paraná. Foto: Gibran Mendes

Em relação à eventuais nomes, Zé da Cufa adianta que nenhum dirigente da Cufa será candidato. O mesmo já foi declarado por Celso Athayde, porém alguns nomes já foram citados para cadeiras no Senado e Câmara de Deputados, como Preto Zezé (presidente global da Cufa em Nova Iorque) e Anderson Quack, ex-secretário-geral da Cufa. A pesquisa “Afrodescendentes e Política”, feita pelo Painel BAP, apontou que 35% do público negro votaria no rapper MV Bill para o cargo de presidente da república.

Indagado sobre a posição ideológica da FFB, o coordenador da Cufa no Paraná diz que a Frente “não tem uma orientação de esquerda ou direita, mas sim que está ao lado do povo”.

“Sei que vivemos num momento de acirramento ideológico, mas podemos ter candidatos em partidos de esquerda ou de direita, porém, é óbvio que nossa plataforma está mais ligada a determinadas correntes políticas”, explica.

Zé da Cufa lembra que, independente de correntes ideológicas, o fato é que 54% da população se declara negra ou parda, porém o país sempre foi comandado por brancos. “Nosso sistema político é caucasiano e patriarcal”, classifica. O Ministério das Cidades calcula que há cerca de 14 milhões de pessoas morando em favelas e que as comunidades movimentam 68,6 bilhões de reais por ano, segundo o Instituto Data Favela. Apesar disso grande parte do seus moradores mal têm acesso a serviços básicos. “Essa é a carência entre esses dois mundos, do asfalto e da favela. Mas nos olham somente com preconceito e não com nosso potencial”, concluiu.

José Campos , o Zé da Cufa, coordenador-geral da Central Única das Favelas do Paraná. Foto: Gibran Mendes

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