O governador Beto Richa (PSDB) entrega seu cargo hoje (6) à vice-governadora Cida Borguetti (PP). Ele renuncia após sete anos a frente do estado para concorrer ao senado em outubro de 2018. No entanto, sua passagem no mais alto posto do Paraná não será lembrada com carinho pelos servidores estaduais. Eles convocam a população paranaense para o ato “Richa Nunca Mais”, neste sábado (07), em frente ao Palácio Iguaçu, em Curitiba. A partir das 7 horas ocorre um café da manhã comunitário que marca o início da concentração do funcionalismo público para o ato às 9 horas.

Porque Richa é tão rejeitado pela população, mesmo após vencer com folga as três últimas eleições? Porém.net recupera reportagem especial publicada na revista Ágora, do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (Sismuc) apontando os problemas de Richa: má administração, impostaço, violência contra trabalhadores e corrupção. Lá em 2015, Richa era “O inimigo do povo”. Três anos depois, essa marca permanece. Confira.
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Arte CTRL S/Sismuc

“O ferimento físico e aquele sentimento de um ataque moral à Educação. Uma cena muito forte foi ver os policiais apontando armas para os rostos das pessoas. Polícia que executava uma violência planejada. Para mim, ficou marcado ver sangue nos rostos das pessoas que foram atingidas por balas à queima roupa. Por pouco não tivemos morte”, essas são palavras do presidente da APP Sindicato, Hermes Leão, ao comentar o massacre contra servidores estaduais em 29 de abril de 2015. Os trabalhadores tentavam impedir que a Assembleia Legislativa votasse projeto de lei permitindo que o governador Beto Richa sacasse recursos do ParanáPrevidência. A lei passou em meio a mais de duas horas de tiros e balas de borracha por parte da PM comandada pelo ex-secretário Fernando Francischini, demitido após violenta ação. Além dos 200 feridos, o saldo negativo ao longo de 2015 é o saque de quase R$2 bilhões do fundo dos servidores.

O 29 de abril, na Praça Nossa Senhora de Salete, ganhou repercussão nacional. As forças policiais acuaram os trabalhadores até a sede da Prefeitura de Curitiba, que virou hospital de campanha. Bombas foram lançadas de helicóptero. Dois senadores pediam que a violência parasse. Jornalistas viraram alvo de balas. Um cinegrafista foi mordido por um cão. A violência e o terror culminaram até em um julgamento simulado de Beto Richa por parte da comunidade acadêmica da Universidade Federal do Paraná. Na mídia, ele se defendeu alegando a existência de “Black Blocs” infiltrados. O Ministério Público do Paraná desmentiu a versão e inocentou os detidos. Logo, o veredito simulado foi pela sua condenação. Mesmo assim, o governador “venceu a Batalha do Centro Cívico”.

Joka Madruga

O confronto, contudo, é apenas mais um do processo de transformação de “bom moço” para “inimigo do povo”. Beto Richa continuou atacando os professores em medidas administrativas. Uma delas previa fechar escolas pelo estado para economizar recursos. A posição política é criticada por Hermes Leão: “Nós temos tido redução de matrículas por causa do envelhecimento da população. Isso leva a salas ociosas no médio e longo
prazo. Atualmente, temos colégios que reduziram as turmas de 40 para 22 turmas. Isso é um dado. Contudo, ao invés de fechar escolas, o governo deveria implementar escola em tempo integral. E para isso falta estrutura.Beto Richa, para se reeleger, prometeu 500 escolas em tempo integral. Principalmente em áreas mais empobrecidas. Mas isso não ocorreu”.

Outra medida de ataque à Educação ocorreu com a demissão de 22 mil professores com contratos temporários. Havia a opção de renovação por mais um ano, possibilitando que estes concluíssem o ano letivo interrompido pela greve de 2015. “Os professores temporários estavam repondo as aulas do período da greve. Tem um percentual alto de escolas que vão concluir o ano letivo no mês de fevereiro. Então, do ponto de vista
pedagógico, seria absolutamente necessário que os contratos fossem prorrogados para que os estudantes não tivessem troca de professores para três ou quatro semanas de aula”, esclarece Leão.

O mais recente problema entre Beto Richa e a Educação envolve corrupção. Investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) na “Operação
Quadro Negro” revela o desvio de quase R$ 20 milhões na construção de escolas. No esquema, recursos eram liberados para a Construtora Valor para obras paradas ou que sequer saíram do papel. A acusação diz que parte desse dinheiro – que deveria ser investido nessas obras – irrigou a campanha de reeleição do governador. A denúncia, já investigada pelo Ministério Público Federal – envolve o presidente da Assembleia
Legislativa, Ademar Traiano, o primeiro secretário, Plauto Miró, e o conselheiro do Tribunal de Contas, Durval Amaral. Também são acusados Juliano Borguetti, irmão da vice-
governadora Cida Borgueti, e o irmão de Beto, Pepe Richa. Este pelos contratos firmados na construção da Penitenciária Feminina de Piraquara e na revitalização do Parque da Lapa.

Arte CTRL S/Sismuc

Ataques aos cidadãos | A imagem de Beto Richa não está arranhada apenas por causa do massacre dos servidores e dos casos de corrupção das operações “Quadro Negro” e “Voldemort”, que investiga esquema de sonegação de impostos na Receita Estadual,
envolvendo o primo do governador Luiz Abi Antoun. O governador, que alega ter equilibrado as contas do estado, é responsável por aumento de impostos e taxas aos paranaenses.

De acordo com o IBGE, a inflação em Curitiba e região metropolitana no último ano chegou a 12,58%. Essa alta se deve “ao impacto do reajuste de 50% nas alíquotas ICMS sobre
uma quantidade expressiva de itens, com vigência desde o dia 1 de abril (de 2015). Destaca-se a alta dos alimentos consumidos em casa (16,36%), além da energia elétrica, cujas tarifas aumentaram 69,22%”.

O Dieese confirma essas altas. Uma das principais, por exemplo, é o IPVA. “Este imposto teve aumento de 40% em sua alíquota que passou de 2,5% para 3,5% e também houve
redução do número de parcelas para pagamento, caindo de cinco para somente três”, explica o economista Fabiano Camargo Silva, do Dieese. Outro índice que pesou fortemente no bolso dos paranaenses é a energia. De 2014 para cá ela subiu 96,96% na média geral e 94,23% para os clientes residenciais, sendo de 23,88% em 2014 e de 56,79% em 2015. O “assalto” aos cidadãos se completa com aumento da tarifa de água. Pelos dados da Sanepar, desde 2014 até o presente momento as tarifas de água e esgoto teriam tido variação de 29,24%.

Arte CTRL S/Sismuc

O governador Carlos Alberto Richa argumenta que as altas refletem a crise econômica e que ele teve coragem de fazer o ajuste fiscal.“A decisão de antecipar a execução do orçamento é uma demonstração de que o ajuste fiscal deu certo, que o Estado está
organizado e com as contas em dia”, falou no começo de 2016.

A versão é contestada pelo senador e ex-governador Roberto Requião e pelo deputado estadual Tadeu Veneri. O senador esclarece que Beto Richa escolheu investir nos acionistas privados. “O que o Beto fez foi tirar dinheiro do consumidor e repassar para o setor privado. Além disso, ele terceirizou tudo. Aumentou de forma dramática os custos da Copel”, avalia.

Já o líder da oposição alega que o governo estadual gastou muito e mal. “Nos dois primeiros anos, ele abriu os cofres. Seu objetivo era chegar às eleições municipais com altos índices de popularidade. Passada a eleição, ficou a conta. Em 2013, o estado fechou com déficit de R$ 1,4 bilhões. Já em 2014, para vencer a eleição, ele disse que as contas estavam equilibradas. Depois se descobriu que a dívida era de R$ 3 bilhões, mas que
numa pedalada virou R$ 1,3 bilhões na Assembleia Legislativa. Foi isso que levou ao pacote fiscal”, desvenda Veneri.

Arte CTRL S/Sismuc

BETO RICHA ENCOLHEU POLITICAMENTE

Os índices de aprovação de Beto Richa foram para o espaço. Eleito como prefeito
de Curitiba em 2004 com 54,78% dos votos válidos, subiu esse índice para 77,27% em 2008, vencendo no primeiro turno. Em 2010, deixou a prefeitura para se tornar governador, ganhando a eleição com 52,43% dos votos. Sua reeleição ocorre em 2016 ao superar Roberto Requião e Gleisi Hoffman, atingindo 55,7% dos votos válidos.

Neste período, diversas denúncias de corrupção bateram na sua porta, mas nenhuma colou. São os episódios da sogra fantasma que envolve o assessor Ezequias Moreira, da compra de apoio do PRTB de Manassés de Oliveira, em 2008, do contrato com a Consilux em “edital direcionado”, de uso de helicópteros de forma particular, de viagens internacionais sem transparência como a Paris, da corrupção da Receita Estadual, do
escândalo de caso de pedofilia envolvendo o assessor Marcelo “Tchello” Caramori, que
possuía uma tatuagem 100% Beto Richa), e mais recentemente, do desvio de verbas
na Educação.

Beto Richa carregou Ratinho Júnior sete anos no seu governo. Agora se separaram por causa das eleições. Foto: Reprodução internet

A virada negativa se dá justamente quando se encontram a alta de impostos, o massacre dos servidores e as denúncias de corrupção na campanha de reeleição. Tudo isso fez com que o governador despencasse dos 77% que o elegeram para 71,2% que desaprovam sua
gestão em 2016. Isso o torna o pior governador avaliado. “Isso é resultado de uma série de ações de Beto Richa nos últimos anos que trouxeram, por um lado, inflação recorde no Paraná; e por outro lado, uma redução do poder aquisitivo da população”, define Tadeu Veneri.

Arte CTRS/Sismuc

JORNALISTA É PERSEGUIDO NO PARANÁ

No calor das manifestações dos professores, ganhou força denúncia do Gaeco de que uma quadrilha agia dentro da Receita Estadual. Os
auditores fiscais cobravam propina de  empresários que não pagavam impostos ao governo do estado. Entre os presos estão o parceiro de corridas do governador, Marcelo Albuquerque de Lima, e seu primo Luiz Abi Antoun. Luiz Abi, inclusive, é acusado de montar oficina de fachada para consertar viaturas policiais. O contrato foi celebrado
com o governo sem licitação. O caso de corrupção na Receita Estadual também atinge a primeira-dama do estado, Fernanda Richa. Isso porque, em delação premiada, o auditor fiscal Luiz Antônio de Souza apresentou notas fiscais que comprovariam pagamento de despesas do comitê de reeleição de Beto Richa através de Caixa 2.

Todo esquema estava sendo revelado por um produtor da RPC TV. Contudo, em 9 de abril de 2015, ele teve de parar as investigações. Retirado às pressas de Londrina e trazido a Curitiba, o jornalista foi exilado pela empresa. No exterior ficou por mais de seis meses.
Sua remoção ocorreu após uma ligação anônima informar que o produtor havia escapado de uma emboscada. Ele seria assassinado durante uma simulação de assalto em uma churrascaria. O jornalista escapou porque dormiu em um quarto de hotel. A denúncia – verdadeira ou não – mobilizou a categoria. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná iniciou a campanha “Basta de Perseguição a Jornalistas”. Além disso, o Sindijor-PR cobrou proteção da empresa ao funcionário e investigação por parte do governo do estado. Contudo, a apuração da ameaça se encontra parada por falta de provas.

Arte CTRL S/Sismuc