O acidente em Brumadinho provocado pela Vale que já contabiliza mais de cem mortos é mais um episódio dentre tantos que tornam o Brasil um país de “foras da lei” no meio ambiente. Para o empresário e diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação, Giem Guimarães, “grilamos, matamos e tomamos a terra dos índios há muito tempo. A impunidade que reina no Brasil”, observa. Nessa entrevista, ele critica o que parece ser uma coisa óbvia somente quando os desastres acontecem em grande escala. Ou seja: a falta de interesse e recursos para a fiscalização e a punição: “O FEMA, no Paraná, deveria ser caso de polícia, assim como a gestão passada na área ambiental também foi”, alerta. Confira:

Porém.net: Na questão do meio ambiente, a ilegalidade tem prosperado?
Giem Guimarães: Infelizmente sim. O Brasil tem sua própria história mesclada com a exploração descontrolada dos recursos naturais e a corrupção. Os crimes ambientais e a corrupção nascem quase como irmãos gêmeos no nosso país. Acrescente-se aí o componente da grilagem de terras como um catalisador mor destes “dois irmãos”. Boa parte dos escândalos de corrupção nacionais e estatuais têm conexão com o meio ambiente, senão vejamos. A corrupção no projeto e execução de Belo Monte, por exemplo, ou a construção de estradas rurais no Paraná – que envolve diretamente o ex-governador do Paraná (Beto Richa) – têm fortes questões ambientais relacionadas.

Brumadinho-MG. Foto:Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Porém: Brumadinho é um episódio macro de desrespeito às leis ambientais. Mas no país e no Paraná existem episódios micros diariamente? Não estamos virando terra de ninguém?
Giem Guimarães: Na verdade sempre fomos “uma terra de alguém”, desde a chegada do branco aqui, esta terra já tinha um primeiro dono, os nativos locais. Neste sentido, os portugueses estão entre os maiores grileiros do mundo.

Grilamos, matamos e tomamos a terra dos índios. E ainda conseguimos passar a perna nos espanhóis, quando mandamos o tratado de Tordesilhas pro espaço. Brumadinho pode ter várias explicações. Eu prefiro uma simples: a impunidade que reina no Brasil.

A promiscuidade entre o público e o privado – o patrimonialismo – é um traço cultural complicado de combatermos.

Porém.net: Há transparência na gestão dos recursos do FEMA (Fundo Estadual do Meio Ambiente), por exemplo?
Giem Guimarães: Respondo com uma pergunta: onde há transparência na gestão pública brasileira? Na prestação de contas eleitorais, talvez, mas agora. Apenas, após a Lava Jato. O FEMA, no Paraná, deveria ser caso de polícia, assim como a gestão passada na área ambiental também foi. É uma vergonha completa! O caso do Aquário de Paranaguá, por exemplo, ou os recursos das multas ambientais não pagas, deveriam ocupar a primeira página (ou tela) dos jornais.

Porém.net: De onde vêm os recursos e são suficientes?
Giem Guimarães: Se bem administrados os recursos são suficientes. Por exemplo, há um relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado do PR), que detalha o não recolhimento de, aproximadamente, R$ 80 milhões em multas pelo IAP, entre os anos 2008 e 2009. Isso é muito dinheiro! E, de lá pra cá, outras dezenas de milhões arrisco dizer, também não foram pagos. Por quê?

Porque há uma conivência dos poderes envolvidos no sentido de perdoar os “amigos do rei”. Incluam-se aí vereadores, deputados, e outros membros da corte.

Porém.net: Há má gestão dos recursos ambientais no Brasil e Paraná?
Giem Guimarães: Metade das regionais do IAP (Instituto Ambiental do Paraná) era regida por funcionários comissionados na gestão passada. Estamos falando de oito anos de má gestão. Pra completar, aproximadamente metade deles estava ou está respondendo por algum processo criminal ou administrativo. Que tal?

Giem Guimarães: “Estamos falando de oito anos de má gestão. Pra completar, aproximadamente metade deles estava ou está respondendo por algum processo criminal ou administrativo”.

Porém.net: Multas são aplicadas e não pagas como no caso da Samarco e fica por isso mesmo?
Giem Guimarães: Sim, é exatamente assim. Segundo um levantamento do Estadão, 95% das multas do IBAMA, simplesmente, não são pagas. Deveríamos nos perguntar por que o poder judiciário, tribunais de contas e a própria imprensa não vai atrás desse dinheiro. Por que precisamos de uma Mariana ou de Brumadinho pra prestarmos atenção ao meio que nos cerca? Deveríamos perguntar-nos diariamente que tipo de meio ambiente deixaremos para nossos filhos e netos. Se não o fazemos, creio que há certo grau de egoísmo ou irresponsabilidade de todos aí, não?

Crime da Samarco/Vale/BHP em Mariana, Minas Gerais. Foto: Leandro Taques

Porém.net: O que é pagamento por serviço ambiental e ele foi implementado no estado?
Giem Guimarães: Os PSAs, ou Pagamentos Por Serviços Ambientais, deveriam ser um reconhecimento público do valor econômico atribuído à geração de produtos naturais como ar, água, solo fértil, clima adequado, polinização, etc. As áreas preservadas prestam esses serviços a todos nós. Em alguns países este reconhecimento se dá na forma de abatimento de impostos ou outras espécies de incentivos a quem conserva. Seja um produtor rural ou não. Nada mais justo. Infelizmente isso ainda engatinha no Brasil.

Porém.net: O Brasil só sabe fazer dinheiro destruindo ou é possível “lucrar” com o meio ambiente?
Giem Guimarães: Diria que apenas uma ínfima parte de nossos conterrâneos sabe lucrar com o meio ambiente. Contudo, há muitas iniciativas louváveis e bonitas. Apenas para citar uma emblemática, descobriu-se que um dos componentes de veneno da cobra jararaca brasileira tem propriedades espetaculares. Através dele, pesquisadores estrangeiros desenvolveram o medicamento mais popular de combate à pressão no mundo: o captopril. A renda obtida por este remédio, pasmem, equivale a todo o faturamento da pecuária brasileira.