Foto: Leandro Taques

Expoente do jornalismo brasileiro, Juca Kfouri carrega memórias de quase 50 anos na profissão. Importante parcela dessas memórias estão reunidas em seu último livro “Confesso que perdi”, trabalho instigado por Luiz Schwarz, da editora Companhia das Letras. Desde o início do mês passado Juca vem participando de eventos de lançamento do livro, sempre reunindo fãs, jornalistas e admiradores da literatura. No dia 27 de outubro, o lançamento aconteceu em Curitiba durante programação da 1ª Festa Literária da Biblioteca Pública do Paraná.

Com a devida licença poética do nobel da literatura Pablo Neruda, Juca se inspirou no título do livro autobiográfico do chileno “Confesso que vivi”, escrito por vários anos pelo poeta, mas publicado postumamente em 1974. Como Neruda em sua obra, Juca faz uma trajetória de fatos marcantes de sua vida pessoal, sua atuação profissional e política. Coberturas marcantes como a da Copa do Mundo de 1982 e as Olimpíadas de 1992, ambas na Espanha; a denúncia da Máfia das Loterias; os relacionamentos com figuras políticas como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff são contados no livro.

Antes de atender a cada fã que participou de uma sessão de autógrafos, Juca falou sobre referências como Darcy Ribeiro, Graciliano Ramos e João Saldanha; do início de sua carreira jornalística no antigo Dedoc – Departamento de documentação e pesquisa da editora Abril; de como foi dirigir redações de Placar (entre 1979 a 1995) e Playboy (de 1991 a 1994); e seus mais recentes trabalhos na ESPN Brasil e como colunista do portal UOL. Questionado sobre a trajetória, ele afirma que “nunca conseguiu fazer nada que planejou”. Ele queria ser administrador de empresas, mas cursou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) e acabou virando jornalista. “O Brasil perdeu um mal sociólogo e ganhou um jornalista mequetrefe”, brinca.

Foto: Leandro Taques

A amizade intacta com o dr. Socrátes, iniciada no período da Democracia Corintiana, e o momento em que se aproximou de Pelé para escrever a biografia autorizada do rei do futebol fizeram parte do bate papo. “O Pelé queria que eu escrevesse a biografia dele e comecei a fazer. Porém, em determinado momento ele se junto com Ricardo Teixeira, João Havelange [ex-presidentes da CBF e Fifa] e o ministro Carlos Melles [ex-ministro dos Esportes de FHC] e fizeram o chamado “pacto da bola”. Então ele [Pelé] me ligou e disse para gente não brigar por isso. Eu respondi: não vamos brigar, só quero saber como que eu escrevo o capítulo sobre o dia que o Edson traiu o Pelé. Foi uma conversa de 40 minutos ao telefone”. Após o desentendimento, as arestas com o rei foram aparadas em 2002.

Ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que lutou contra a ditadura militar e que teve no comando a figura de Carlos Marighella, Juca Kfouri também conta em seu livro episódios de sua militância. Ele foi motorista de Joaquim Câmara Ferreira, outra liderança da ALN. A prisão, em 8 de setembro de 1971, pelo DOI-Codi, está relatada em Confesso que perdi. “Até 1964 eu era um zero à esquerda politicamente. Depois, se não cheguei a ser dez, permaneci à esquerda”, diz o jornalista.

Atualmente Juca segue militando, especialmente pela função social que o jornalismo deve cumprir, como expôs no bate papo quando questionado pelo mediador Ricardo Sabbag. “O jornalista precisa ser ético e não se curvar aos poderosos. Ele não está aqui para ser simpático com ninguém, mas sim para botar o dedo na ferida. Parafraseando o Millor [Fernandes], jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Se eu abdico de incomodar eu abdico de fazer jornalismo”, apontou.

Foto: Leandro Taques

Jornalismo X entrenimento

Ele não poupou críticas a atual fase do jornalismo esportivo, do qual afirma lhe angustiar. “Vivemos uma tentativa bem sucedida de mediocrização da cobertura esportiva. A tendência é vermos cada vez menos jornalismo esportivo e cada vez mais entretenimento”. Ele apelida o fenômeno como a “leifertização” da cobertura esportiva no Brasil, em referência ao apresentador Tiago Leifert, da Rede Globo, que criou um estilo de um jornalismo esportivo mais ‘descontraído’. “Sem nenhuma crítica ao comunicador, que é um excelente comunicador, mas sim ao estilo criado. Tudo é motivo para descontração ou uma piada. Com isso se adota a cômoda posição de não incomodar ninguém”, falou.

Kfouri observa que isso soma-se aos acordos entre as grandes emissoras da TV aberta e os organizadores dos produtos que vendem ao consumidor, citando os direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol e dos jogos olímpicos. “Isso tudo se origina na lógica que se tenho exclusividade sobre um produto, eu sou sócio dele. Os Estados Unidos tiveram uma solução simples para isso: na hora da transmissão do jogo – seja NBA, NFL ou outra modalidade – eu trato o jogo como entretenimento. Acabado o jogo, entram os jornais dessas grandes redes e vão informar jornalisticamente se o jogo foi bom o ruim, se estrutura era adequada ou não, se tiveram falhas ou não. Simples assim. Aqui é diferente”, comenta.

Ao contrário disso, os interesses das emissoras da TV aberta as colocam em situações que classifica como “bizarras”, como por exemplo se surpreenderem com os esquemas envolvendo Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e Carlos Arthur Nuzmann, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), preso em outubro pela acusação de compra de votos para que o Rio de Janeiro sediasse as olimpíadas de 2016. “Puxa o Nuzmann não é tudo aquilo que a gente pensava (sic), Ricardo Teixeira coitado (sic). Isso é colocar um atestado de imbecil no telespectador. Alguém tinha dúvida de como foi feita as olimpíadas no Brasil, de como foi feita a copa do mundo. Mas quem dizia isso antes era visto como fracassomaníaco, padecente de complexo de vira latas e antipatriota”, criticou.

Foto: Leandro Taques

Posicionamento de atletas

Ao fazer citações sobre Nuzmann, surgiu na pauta o debate sobre a ausência de posicionamentos mais incisivos de atletas brasileiros. “Não é um problema que se restringe apenas ao jogador e atleta brasileiro, é um problema do brasileiro como um todo, do nosso nível educacional, da pouca consciência cidadã, fruto de um sistema educacional que está preocupado em manter a estrutura de um poder elitizado que mantenha a maior parte do país na ignorância”.

Juca posicionou-se sobre jogadores de futebol que recentemente declararam apoio ao deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em uma eventual candidatura à presidência da república em 2018. “Acho ótimo que se posicionem, mesmo que se posicionem a favor de figuras que batalharei até a morte contra, como é o caso do Bolsonaro, que alias me processa (e é algo bom para meu currículo). Não posso querer que somente quem se posicione como eu penso se manifeste. Atletas em geral são figuras voltadas para o próprio umbigo, profundamente individualistas, absolutamente focados na competição e que só se preocupam com o resto quando param de competir”.

Para Juca, essa situação se agrava no Brasil, uma vez que quem se posiciona contra o status quo geralmente é “queimado”, utilizando-se de uma gíria comumente usada entre os boleiros. Ele cita o exemplo do zagueiro Paulo André, que atua pelo Atlético Paranaense, e que foi um dos líderes do movimento Bom Senso F.C. “Peguem o exemplo desse menino fabuloso, ele foi exportado para o exílio na China quando levantou o Bom Senso jogando ainda pelo Corinthians, atrapalhando interesses de A,B e C. Quando voltou da China, ouviu do técnico do Cruzeiro: Paulo André pare de falar, pois se você continuar falando não vou mais poder te escalar porque o presidente disse que a CBF está incomodada. E ai alguém dirá: acovardou-se! E eu pergunto: faz sentido exigir heroísmo com o pescoço alheio? Muito jornalista questiona: “está acontecendo tudo isso com o Nuzmann e os atletas estão calados”. Pois digo, está acontecendo tudo isso com a imprensa e os jornalistas estão calados”.

Foto: Leandro Taques

Desistir jamais

No epílogo do livro, Juca Kfouri explica o título que para muitos flerta com um tom pessimista e até mesmo derrotista. Mas sem fazer um “spoiler” para quem ainda vai ler a obra, o jornalista esclarece que a confissão de uma derrota não significa necessariamente a desistência de uma luta. “Um amigo insurgiu contra o título, pois acreditava que o ideal seria “confesso que resisti”. Confesso que eu tenha perdido batalhas, confesso que acreditava que o futebol e o esporte hoje poderiam estar diferente, que a política no Brasil idem. É uma constatação de o quanto sonhamos e o quanto estamos distante da realização de nosso sonhos. Passamos por uma ditadura violenta, fomos às ruas pedir diretas já, tivemos a oportunidade de ser governados por um intelectual, depois por um operário. Somos bem melhores do que eramos antes, sem dúvida, mas acho que neste momento específico regredimos uns 30 anos. Confesso que eu era mais otimista, mas não tenho a opção de desistir. Junto a analogia com o título do Neruda, essa é uma homenagem ao Darcy Ribeiro que dizia se orgulhar de suas derrotas e que morreria de vergonha de estar ao lado dos vitoriosos”.