Uma decisão abusiva e antidemocrática encerrou a reunião que ocorreu na última segunda-feira (20), em Pontal do Paraná, no litoral do Estado. O encontro tinha por intenção discutir a viabilidade da construção de empreendimentos milionários na região, como uma rodovia paralela à PR-412, um canal de drenagem, uma linha de transmissão de energia elétrica, um gasoduto, um ramal ferroviário. Todos viabilizariam a instalação de um porto privado e, somados, têm o custo de R$ 369 milhões.
Logo no início da reunião, Antonio Carlos Bonetti, presidente do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (Colit) consentiu com o pedido de vistas feito por representantes do Mater Natura, MarBrasil, SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) e Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles alegaram graves inconsistências na proposta de construção da Faixa de Infraestrutura e afirmaram que não seria possível conceder licença prévia para a execução da obra antes de esclarecer pontos essenciais, como a ausência de um estudo de impacto qualificado sobre porções de Mata Atlântica que existem no local e formam a maior faixa do bioma preservada do Brasil. As entidades elaborariam um parecer com questionamentos e a outra parte teria 15 dias para responder.
Algumas horas depois, no entanto, por interferência e pressão da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), diretamente orientada pelo governo, a decisão do conselho mudou, o pedido de vistas foi “cassado” e a solicitação de licença prévia entrou em votação pelos membros do Colit, sendo aprovada por 22 votos a cinco. A dragagem para o porto Ponta do Félix, em Antonina, que também havia sido retirada de votação, voltou à pauta e, igualmente, foi autorizada pelos integrantes do grupo.
Ausência de transparência e prejuízos incalculáveis
Juliano Dobis, diretor-executivo da MarBrasil, lamentou a situação e lembrou o abuso que representa a carência de informações sobre os impactos que as obras vão gerar. “A construção da Faixa de Infraestrutura, somada à instalação das empresas de grande impacto na zona industrial de Pontal do Paraná e à futura duplicação da PR-407, impactará, somente como efeito de borda, mais de quatro mil hectares de floresta de restinga, manguezais e caxetais na planície costeira situada entre os municípios de Pontal do Paraná e Paranaguá, tornando as unidades de conservação ali localizadas, como a Estação Ecológica do Guaraguaçu e o Parque Estadual do Palmito fragmentos desconectados. Essa condição isola espécies como lontras, onças e jacarés. Uma grave ameaça a ambientes de extrema importância para a conservação da biodiversidade”, explicou.
Dailey Fisher, representante pelo Mater Natura no conselho, defende que é visível e incontestável a pressão que o governo do Estado fez para que o pedido de vistas fosse driblado. “Atropelaram um processo democrático porque a gestão estadual tem total interesse na autorização da licença prévia, conforme deixa claro o parecer do próprio IAP”, diz. Ela afirma que o maior objetivo da emissão da licença prévia exigida pela procuradoria na última segunda-feira é a consolidação da licença para a instalação do Porto de Pontal. “Todas as empresas que operariam no complexo industrial são privadas e a Faixa de Infraestrutura serviria a um complexo industrial portuário que vai alterar drasticamente Pontal do Paraná. O fluxo previsto de caminhões vai ser superior a 200 mil por ano, ou 550 por dia. Se nem a manutenção adequada da PR-412 tem sido feita, qual a garantia de que a nova estrada terá a devida manutenção?”, questiona.
Dailey também conta que os estudos de tráfego apresentados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Faixa de Infraestrutura previram oito faixas de tráfego – quatro na nova rodovia e quatro com a duplicação da PR-412. Mas o Governo do Paraná hoje cogita a construção de uma rodovia de pista simples, mantendo a PR-412 como está. “Conforme o próprio estudo apresentando no EIA, essa não seria a solução para os problemas de mobilidade de moradores e veranistas na alta temporada. Uma pista simples não atenderia o aumento no fluxo de caminhões, veranistas e moradores sem a ocorrência dos tradicionais problemas de mobilidade. A população não sabe o que está por vir”.
Para Juliana Quadros, integrante do Observatório de Conservação Costeira (OC2), entidade que entende os prejuízos e altíssimos impactos ambientais que as obras vão gerar, reforça que a Faixa de Infraestrutura interessa, majoritariamente, a um grupo de empresários com interesses na instalação do porto privado de Pontal do Paraná e coligados no governo do Estado. “A proposta de construção da Faixa vem para atender às necessidades deste complexo portuário, e não da população de Pontal ou do veranista. Esse é apenas um artifício utilizado por esse grupo para conquistar apreço popular. Mais uma vez, o que se observa é a iminência de uma situação de injustiça socioambiental em que o bônus ficará nas mãos de poucos, mas o ônus será de todos os moradores de Pontal e do Litoral”.
Ela diz, ainda, que apoiar o projeto é apoiar oligarquias que buscam a exploração da flora, fauna e comprometem a manutenção de recursos culturais e naturais da região. “Se um município portuário fosse sinônimo de progresso e desenvolvimento econômico, Paranaguá não sofreria tanto com a desigualdade social, moradias irregulares, problemas respiratórios gerados pela poluição do ar, atropelamentos, violência e outras mazelas que predominam em cidades portuárias”, defende.
Para o vice-presidente do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), Aristides Athayde, que acompanhou a reunião, o encontro terminou com “uma verdadeira afronta ao direito do cidadão em manter o meio ambiente equilibrado”. “Diante da negativa do pedido de vistas, as dúvidas continuam a pairar e as incertezas em relação ao licenciamento da ‘estrada da destruição’ persistem. Um mandado de segurança contra essa afronta a direitos será providenciado”.
Giem Guimarães, presidente do OJC, reforça que a atual gestão do Paraná pretende decretar o fim da vocação turística de Pontal, Ilha do Mel e região. “Trata-se de uma alteração irremediável e abusiva. A porção de Mata Atlântica que vai ser destruída tem estado primário de conservação e é uma das últimas conservadas do Brasil. Comunidades indígenas também não estão sendo consideradas no processo, bem como a valiosa capacidade de produção de água da região”, lembra.
Parecer do IAP reconhece inconsistências sobre efeitos da obra
Para que a construção da Faixa de Infraestrutura seja autorizada, um parecer do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) seria necessário, mas o próprio órgão chegou a oficializar este ano que “não seria possível deliberar pela viabilidade ambiental prévia do empreendimento, uma vez que os demais componentes da Faixa não estavam devidamente contemplados a fim de subsidiar com os impactos cumulativos e seus efeitos sinérgicos”.
O documento diz ainda, que “o Estudo de Impacto Ambiental EIA/RIMA apresentou diversas inconsistências e faltou com melhores informações relativas aos efeitos sinérgicos e acumulativos do projeto, mas que pela relevância e urgência declarada pelo governo do Estado, a comissão se coloca favoravelmente ao licenciamento”.
Ministério Público do Paraná é contra a construção da rodovia*
Em julgamento de recurso apresentado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em ação ajuizada pelo Ministério Público, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a proibição de construção do “Corredor Rodoviário do Porto de Antonina”, trecho de rodovia que ligaria a BR-277 às cidades de Morretes e Antonina, no Litoral paranaense. Segundo o MPPR, a construção causaria danos ambientais irreversíveis em região de Mata Atlântica.
A pretensão de construir a rodovia já havia sido proibida em decisão transitada em julgado em 2010, referente a projeto elaborado no ano 2000. Mas um novo projeto foi apresentado em 2016, para implantação de trecho praticamente idêntico, com emissão, pelo IAP, dos respectivos Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. A 2ª Promotoria de Justiça de Antonina solicitou em Juízo o cumprimento da sentença emitida em 2010, argumentando que a decisão daquele ano proibiu qualquer projeto de construção de rodovia ligando a BR 277 ao Porto de Antonina que acarretasse os mesmos danos ambientais que decorreriam do projeto original e que não fosse indispensável para o desenvolvimento da região.
O pedido de cumprimento da sentença gerou o recurso impetrado pelo IAP. Na resposta às alegações do IAP, que pretendia autorizar a obra, o MPPR argumentou que permanecia válida a decisão judicial contrária à construção da rodovia, considerando-se inclusive a grande semelhança entre os projetos de 2000 (proibido judicialmente me 2010) e de 2016. A decisão do TRF-4 indeferiu o recurso do IAP, mantendo os efeitos da decisão que proíbe a construção da rodovia.
*Com informações da assessoria de imprensa do MP-PR.