Divanir de Fátima Pinheiro, agricultora familiar. Foto: Leandro Taques

Se as reformas de Michel Temer (PMDB) e a expropriação em larga escala dos direitos da população brasileira no pós-golpe já davam a dimensão assustadora do drama que estamos vivendo e sentindo na pele com os impactos do congelamento de investimentos em setores essenciais como saúde, educação e nos serviços públicos, a Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) para 2018, encaminhada pelo governo na semana passada para o Congresso Nacional, veio escancarar uma “caixa de Pandora”.

Abaixo da logomarca do Governo Temer nas publicações oficiais seria muito sincero e apropriado agregar o lema que de fato prevalece em sua gestão ilegítima e impopular: nada está tão ruim que não consiga piorar! Porque fica evidente na PLOA 2018 que as maiores vítimas do golpe de estado no Brasil são pobres e vivem no campo. É o que aponta uma análise do núcleo agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara Federal, publicada na última segunda-feira (4). A proposta orçamentária de Temer demonstra, inclusive, um total desprezo pelas políticas de inclusão e vida digna no campo.

O estudo chama a atenção para o tamanho do desmonte das políticas públicas do governo federal voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar e da reforma agrária, o que garantia condições básicas de apoio aos trabalhadores rurais e conferia mais segurança à produção nesses setores que respondem majoritariamente pelos alimentos da cesta básica brasileira.

A PLOA 2018 anuncia a morte por inanição de programas como o de aquisição de Alimentos (PAA), afeta gravemente a assistência técnica e extensão rural (ATER) nas pequenas propriedades, nos assentamentos de reforma agrária, quilombos, terras indígenas e comunidades tradicionais; acaba com o Pronera, de educação no campo, e, no caso específico do orçamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), prejudica a aquisição de maquinário, patrulhas rurais, tratores, plantadeiras, entre outros, que auxilia os municípios a prestarem serviços de mecanização agrícola e na manutenção das estradas rurais.

“Os cortes processados pelo governo colocam em alto nível de risco o abastecimento alimentar no país”, afirma o documento assinado pela assessoria técnica do PT na Câmara dos Deputados. Para o ex-delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Paraná nos governos de Lula e Dilma, Reni Denardi, os números mostram que o conjunto das políticas para agricultura familiar e reforma agrária está sendo violentamente destruído e atacado de maneira brutal. “E repare que o comparativo dessa queda é feito sobre a dotação de 2017, após o golpe e cujos valores já eram muitos baixos, irrisórios para a eficácia dessas políticas. Vai diminuir mais ainda e isso é extremamente preocupante, pois mal dá para pagar a execução dos contratos já firmados em anos anteriores”, alerta Denardi. “Esse processo acelerado de redução significa, na prática, a morte das políticas públicas de apoio à agricultura familiar e à reforma agrária”, completa.

Veja os números dessa tragédia:

Empobrecimento rural e desabastecimento na cesta básica são as conseqüências mais imediatas

Por meio das redes sociais, o ex-secretário nacional da Agricultura Familiar (SAF/MDA), Valter Bianchini, criticou o que ele chamou de “terra arrasada”. Opiniões como a dele têm se multiplicado nas reações de técnicos dos setores mais afetados, economistas e acadêmicos. Mas qualquer leitor, por mais desavisado que seja sobre o tema, consegue perceber nessa (im)previsão orçamentária, por exemplo, as permissões oficiais do governo brasileiro para poluir, contaminar o ambiente, incinerar resíduos sólidos, envenenar os recursos naturais e não preservar. As medidas ferem acordos internacionais e compromissos assumidos pelo País nas conferências de meio ambiente e clima.

Reni Denardi e Valter Bianchini. Foto: Roberto Corradini/Arquivo SECS

O ex-delegado federal do MDA no Paraná, Reni Denardi, avalia que a sociedade civil foi pega de surpresa e que os movimentos sociais e organizações da agricultura familiar e da reforma agrária estão em “estado de choque”.

“Estamos ainda fazendo a autópsia desse cadáver, tamanha a incredulidade diante dessa violência”, diz. “Tão logo passe o choque, é de se esperar que haja uma reação proporcional à gravidade desse desmonte”, acrescenta.

Segundo ele, o empobrecimento das famílias rurais está entre as conseqüências imediatas dos cortes anunciados na PLOA 2018, acompanhado, a médio prazo, de dificuldades de abastecimento naqueles produtos em que a agricultura familiar tem mais importância. “As últimas super safras e a ajuda do clima que tem feito contribuem para adiar a percepção do desastre, pois o impacto nos preços ainda não é sentido”, argumenta Denardi. “Mas basta uma ou duas safras ruins para o empobrecimento do campo ser notável. Isso é muito preocupante!”, afirma.

Mapa da Fome

O ex-delegado federal do MDA também destaca que os créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), “por enquanto” passam quase ilesos porque seu custo para o Tesouro Nacional é baixo, uma vez que os recursos para eles provém dos bancos. “Mas o crédito sem assistência técnica e garantia de comercialização é insuficiente”, adverte. “Estamos regredindo a pelo menos 15 anos. Em termos de políticas públicas, esses números nos remetem ao final do século passado e à volta certa do País ao Mapa da Fome”, conclui Denardi. Ele ainda arremata, dizendo que os brasileiros, especialmente a população pobre do interior,  vão engrossar os indicadores da insegurança alimentar no mundo.

Para a FAO, organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, um país deixa o Mapa da Fome quando seu Indicador de Prevalência de Subalimentação é menor que 5%. Segundo o “Relatório de Insegurança Alimentar do Mundo”, da FAO, de 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome naquele ano, com 1,7% de subalimentados. O que significa que 98,3% da população brasileira possuía acesso a alimentos e condições que resultam em segurança alimentar.

Agora, com a explosão do desemprego e do subemprego e com o desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional, está dado que o Brasil voltará para o Mapa da Fome. “Um retrocesso monumental, que afronta o direito humano fundamental à alimentação, estabelecido na Constituição Federal”, informa Reni Denardi.