Sonia Guajajara: "Nosso objetivo não é ocupar o poder e ter prestígio, mas trazer nossas pautas para o foco central". Foto: Júlio Carignano

Coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e uma das principais lideranças ambientais do país, Sonia Bone Guajajara será a primeira mulher indígena a disputar uma eleição em uma chapa à presidência da República. A indígena da etnia Guajajara/Tentehar, do nordeste brasileiro, tem viajado pelo Brasil nesta fase de pré-campanha para apresentar o projeto que encabeça junto com o companheiro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Guajajara esteve em Curitiba no sábado (5) para participar de um evento do PSOL do Paraná e visitar o acampamento Marisa Letícia, em solidariedade ao ex-presidente Lula. Na linha de frente da Apib, a indígena tornou-se uma das principais referências nacionais na luta contra o modelo do agronegócio e na denúncia das inúmeras propostas antindígenas em tramitação no Congresso Nacional. Filiada no PSOL desde 2011, Guajajara lançou-se pré-candidata em dezembro do ano passado com o manifesto “518 anos depois”, propondo uma candidatura indígena, anticapitalista e ecossocialista.

Em entrevista ao Porém, a pré-candidata falou sobre a construção da chapa com Boulos, o enfrentamento às bancadas do boi e da bala e da ocupação de espaços na política institucional por parte do movimento indígena. O lançamento de pré-candidaturas indígenas, segundo Sonia Guajajara, parte da subrepresentação do movimento nas assembleias legislativas e, especialmente, no Congresso Nacional, local onde se pautam os projetos relacionados às comunidades tradicionais.

Guajajara destaca que em 2017 a Apib lançou o documento “Por um parlamento cada vez mais indígena” com o intuito de motivar os indígenas a buscarem os espaços institucionais. Antes de ser concretizada a chapa com Guilherme Boulos, ela foi cogitada a disputar uma vaga na Câmara Federal pelo Maranhão (seu estado) e depois pelo Rio de Janeiro. “O PSOL acolheu essas duas lideranças que vieram dos movimentos sociais e surgiu essa aliança entre dois movimentos importantes: indígenas e trabalhadores e trabalhadoras sem teto. Nosso objetivo não é ocupar o poder e ter prestígio, mas trazer nossas pautas para o foco central e fazer uma disputa que nunca houve nestes 518 anos de história do Brasil”, afirma a líder indígena.

Guajajara ressalta que os indígenas precisam retomar o protagonismo na história do país, não somente trazendo aliados à causa, mas assumindo posições na linha de frente da luta contra o modelo capitalista que exclui populações, que degrada o meio ambiente e não respeita o direito à consultas.

“Fazemos essa luta há 518 anos, contra esse modelo predador e excludente. Contra esse modelo altamente capitalista que só se importa com o mercado e não respeita os povos. Esse é um dos pilares de nosso projeto, de luta contra esse sistema que não tem como se sustentar por muito tempo”.

Ela destaca que as comunidades passaram a entender que o enfrentamento a esse sistema não se faz somente nas ocupações e nas terras indígenas. “Não damos conta de segurar isso somente nas nossas terras, com o apoio de alguns ambientalistas, pois enquanto isso temos um Congresso altamente antindígena. E é lá que se criam as leis contra nós. Por isso nos juntamos com outros movimentos que sofrem o mesmo impacto, mas a partir de outras lógicas e lugares, como o povo da periferia, dos quilombos, com os sem terra. Além disso precisamos ocupar a política institucional, pois se ficarmos só esperando que façam por nós, nunca iremos conseguir”, comenta.

Sonia Guajajara em evento do PSOL do Paraná, em Curitiba. Foto: Júlio Carignano

Ao falar da ofensiva do Congresso e leis criadas para exclusão de populações tradicionais, Sonia Guajajara lembra dos ataques por meio da Proposta de Emenda a Constituição 215 (PEC 215), que busca retirar do Executivo e passar para o Legislativo a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas e quilombolas; o “marco temporal”, interpretação equivocada de setores do judiciário de que todas as terras ocupadas pelos indígenas após a Constituição de 1988 não seriam passiveis de demarcação; e o “marco da mineração”, que pretende abrir a exploração das terras indígenas ao mercado das mineradoras.

Ainda que tenha críticas a política indigenista dos governos Lula e Dilma –   Sonia entregou em 2010 o prêmio “Motosserra de Ouro” para Kátia Abreu, à época ministra da Agricultura, em protesto contra as alterações do Código Florestal – a pré-candidata afirma que a agenda de retrocessos acentuou-se após o golpe de 2016. “Há um alinhamento ainda maior entre o Executivo e Legislativo, que é a conta do acerto do golpe. Nossos territórios estão na mira. Eles querem suprimir direitos constitucionais adquiridos e através da PEC mudar as legislações. Abrir para mercantilização. Desde o golpe não somente suspenderam demarcações, mas passaram a querer rever processos já regularizados. Se antes nós lutávamos para retomar territórios, hoje a luta é para segurar e não perder o que já temos”.

Ascensão do fascismo

Junto a agenda retrocessos pós-golpe acentuou-se também as manifestações de ódio e racismo, que tem os povos indígenas como uma das principais vítimas.

Para a líder indígena, episódios na região Sul têm demonstrado esse crescimento de manifestações de ódio. Ela citou os ataques à caravana do ex-presidente Lula pelo Sul e ao acampamento Lula Livre, em Curitiba, e também lembrou dos assassinatos de Vitor Kaigang, de apenas dois anos, em 2015; e do professor indígena Marcondes Namblá, do povo Xokleng, no ano passado; ambos em Santa Catarina; da criminalização de lideranças como Kretã Kaigang, um dos fundadores da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ArpinSul); além dos conflitos nas ocupações de indígenas Avá-Guarani na região Oeste do Paraná.

“Pessoas que não tinham coragem de assumir o racismo, o fascismo, hoje estão a vontade para colocar para fora esse sentimento de raiva e ódio. Eles estão respaldados em figuras públicas que pregam o ódio. Quem sempre sentiu essa vontade agora se sente bem a vontade para expressar isso”, conclui Sonia Guajajara