MPF denuncia indígenas por corte de três pedaços de bambu

Procurador também arquivou investigação de maus tratos durante a prisão dos cinco Avá-Guarani





Indígenas e advogados de defesa após a audiência de custódia na Justiça Federal de Foz do Iguaçu. Foto: Marcos Labanca/H2Foz/Arquivo

O Ministério Público Federal (MPF), em Foz do Iguaçu denunciou cinco indígenas Avá-Guarani pelo corte de três pedaços de bambu em uma área nos limites de um refúgio biológico da Itaipu Binacional em Santa Helena, no Oeste do Paraná. O caso aconteceu no dia 14 de março de 2018 e os Guarani foram colocados em liberdade dois dias depois. Eles cortaram um bambu, planta exótica que substitui a taquara nativa, utilizada no ritual religioso como instrumento rítmico.

A decisão do procurador Alexandre Collares sustenta que os indígenas cometeram o “crime de cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente, previsto no artigo 39 da Lei 9.605/1998” (Lei Ambiental). A pena é de um a três anos de prisão ou multa, bem como também é possível a aplicação da pena e multa simultaneamente.

Por tratar-se de um crime de pequeno potencial, o procurador propôs a suspensão do processo diante de algumas condições; como o comparecimento bimestral em juízo, a proibição de se ausentarem da cidade que residem por dois anos, o pagamento da multa de um salário mínimo para cada indígena ou plantio de cinco mudas de espécies nativas sob supervisão da Itaipu.

Maus tratos

O MPF também arquivou o pedido de apuração feito pelos advogados dos cinco indígenas que alegaram que foram agredidos e humilhados na abordagem pela Polícia Ambiental. O procurador arquivou a denúncia sob alegação que não foram verificadas lesões nos detidos que confirmassem agressões dos policiais. Segundo o MPF, pequenas escoriações nos índios poderiam ter sido ocasionados pela própria “atividade da retirada do bambu ou pela caminhada pela mata”. Além de agressões, a defesa dos indígenas alegava que eles foram humilhados por policiais por estarem sujos e foram proibidos de sentar nas cadeiras, tendo que sentar no chão na delegacia. Até o momento os Avá-Guarani não tiveram a oportunidade de serem ouvidos pela justiça para esclarecer os fatos.

Imagem do processo que pedia apuração das condições das prisões dos indígenas. Eles foram impedidos de sentar nas cadeiras da delegacia por estarem “sujos demais”.

Vitimas de agressões histórias pelas empresas colonizadoras e Itaipu Binacional bem como violentados pela omissão do estado que se recusa a reconhecer e devolver as terras aos Guarani, essa população é obrigada a viver em contextos precários, sem terra e sem recursos naturais sofrendo todo tipo de discriminação. O próprio ato de retirar o bambu para seus rituais em área de empresa privada demonstra eu não há recursos no local onde habitam.

Os advogados Hernan Aguillera e Ian Martins Vargas, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de Foz do Iguaçu, que fizeram a defesa dos indígenas, irão recorrer à Justiça pedido que não seja aceita a denúncia do MPF. O caso também é acompanhado pelo Conselho Indigenista Missionário Regional Sul. A entidade considerou absurda a denúncia do MPF e o arquivamento da apuração dos mau tratos sofridos pelos Avá-Guarani durante as prisões. O processo está agora com o juiz Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz do Iguaçu.

Dívida histórica

O Cimi Sul lembra que os povos indígenas são vítimas de um estado omisso e lembram que a Itaipu Binacional cometeu crimes ambientais irreparáveis quando do alagamento para construção da Usina. A entidade lembra que o território em questão – onde os indígenas retiraram o bambu – fica às margens do Lago de Itaipu e foi retomado pela comunidade Guarani em janeiro de 2017, depois de 35 anos de expulsão. O local, denominado Tekoha Mokoi Joegua, era uma aldeia habitada por diversas famílias Guarani que foram expulsas pela Itaipu Binacional em 1982, quando fechou as comportas da maior represa do mundo.

Os Guarani nunca foram indenizados e sequer ouvidos. A área está em litígio, já que em 2017, o Juiz Federal de Foz Iguaçu concedeu dois anos de prazo para que a Funai regularize a terra. A retomada deste território foi considerada um ato simbólico diante da dívida histórica que a Itaipu Binacional tem com os povos Guarani.