PGR pede condenação da União e Estado por violações de direitos de indígenas na construção de Itaipu

Obras da hidrelétrica provocaram danos que se estenderam por toda a comunidade indígena e estão na raiz dos problemas atuais enfrentados pelos Avá-Guarani





Comunidade Guarani no Oeste do Paraná. Foto: Paulo Porto

A construção da usina hidrelétrica de Itaipu Binacional durante a ditadura militar (1964 a 1985) gerou graves violações de direitos dos povos indígenas que habitavam a Tríplice Fronteira, com adulteração de procedimentos para subestimar o número de índios que habitavam a região. Essa entre outras violações – algumas que permanecem até os dias atuais – foram apontadas em relatório produzido ao longo dos últimos três anos pela Procuradoria Geral da República (PGR).

O documento fundamentou ação civil apresentada nesta segunda-feira (9) pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em que pede a condenação da União, do Estado do Paraná, da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Itaipu Binacional por danos causados ao povo Avá-Guarani residente no Oeste do Paraná.

Além de buscar a reparação das violações de direitos sofridas desde construção da usina de Itaipu, a ação prevê medidas para dar celeridade no processo de demarcações de terras tradicionais na região. Conforme apontado no relatório, dezenas de indígenas foram expulsos e excluídos dos processos de reassentamento e reparação de danos promovidos pelo Estado brasileiro.

Na ação é exposto inúmeros atos de discriminação e violação de direitos. Entre eles está a a negação da existência, identidade e presença indígena nos territórios atingidos pela construção da usina e que resultaram na remoção forçada dos indígenas de suas terras tradicionais.

Para criar o lago artificial da Itaipu, a obra inundou cerca de 135 mil hectares e transferiu cerca de 40 mil pessoas entre indígenas e não-indígenas no Paraná. Na área inundada estavam diversos territórios considerados sagrados pelos Avá-Guarani, como as Sete Quedas.

Um estudo feito na época pelo governo militar reconheceu apenas uma pequena parcela da comunidade indígena de Ocoy como indígena pela Funai, na época gerida por um general do Exército. Após esse reconhecimento, os indígenas foram reassentados em condições precárias. “Nossos parentes foram expulsos, tirados de suas terras”, conta Celso Jopoty Alves, atual cacique de Ocoy, em São Miguel do Iguaçu.

A construção da usina destruiu moradias, redes de parentesco, modos de produção e o próprio modo de vida dos Guarani ao avançar sobre seus territórios. “A usina causou a destruição não só do passado e do presente da etnia, mas também comprometeu o seu futuro, por privá-la de reparações e compensações devidas e por provocar o desaparecimento de referências importantes para as futuras gerações”, sintetiza o relatório da PGR.

A PGR requer condenação dos réus ao pagamento de indenização de R$ 50 milhões por ano, calculados desde o início da implementação da usina e pagamento de danos materiais pela remoção forçada no valor de R$ 100 milhões anuais, calculados desde o início da construção da usina.

A Procuradoria sugere que essa compensação financeira seja usada para garantir saúde, educação, energia elétrica, saneamento, construção de espaços culturais, religiosos e de produção, definidos pelos próprios indígenas.

Pelo pedido, União, Funai e Itaipu terão que promover medidas para demarcação e destinação das terras tradicionais aos Guarani. Em relação às áreas alagadas, Dodge requer que a Itaipu indenize o povo Avá-Guarani pelos danos morais e materiais causados.

Também é solicitada pela PGR a inclusão de disciplina no currículo escolar dos ensinos fundamental e médio que aborde a história indígena, sua territorialidade, aspectos culturais e antropológicos, além da expressa menção à remoção forçada de indígenas Avá-Guarani em virtude da construção da usina. É requisitada ação educativa nacional de resgate e promoção da cultura do povo Avá-Guarani como forma de combater o racismo e a discriminação. Por fim, requer pedido público de desculpas por parte dos órgãos arguidos pelas violações cometidas contra a etnia.

Para Celso Jopoty, as medidas apresentadas pela PGR reparam parte de uma dívida histórica de Itaipu com o povos Avá-Guarani e podem ajudar na luta contra a discriminação que as comunidades indígenas sofrem na região. “Foi uma ótima notícia, especialmente neste momento. Precisamos das demarcações de nossas terras, é uma questão de sobrevivência”, comenta.

Relatório da PGR – O grupo de trabalho do MPF analisou a situação de comunidades que ocupavam áreas nos municípios de Guaíra, Terra Roxa, Foz do Iguaçu e Santa Helena. O estudo mostra que os Avá-Guarani estão presentes no Oeste do Paraná e no Paraguai desde o período colonial, de forma amplamente documentada. Apesar disso, durante a construção de Itaipu, laudos e diagnósticos precários produzidos pela Funai e por outros órgãos de Estado atestaram a inexistência de indígenas nas áreas alagadas, em ação deliberada, que tornou as comunidades invisíveis. Com isso, elas ficaram excluídas dos processos de reassentamento e reparação.

Os danos, segundo o relatório, são sentidos até hoje. Os Guarani ocupam áreas não demarcadas. Nas quase 20 ocupações existentes na região, as famílias vivem “desprovidas de praticamente tudo, convivendo com altos índices de desnutrição infantil e senil – pois se alimentam basicamente de doações de itens de cestas básicas e da criação de alguns pequenos animais –, sem energia elétrica, água potável e estradas ou vias de acesso”.

Além disso, são ameaçadas de despejo por ações de reintegração de posse. Na região, os indígenas sofrem discriminação, ameaças e violências por parte da usina e dos proprietários formais das áreas onde se encontram. Também são altos os índices de alcoolismo e de suicídios entre os jovens Avá-Guarani.

*Com informações da Assessoria do MPF