Enquanto o ex-tupamaro que virou presidente do Uruguai falava sobre os ataques à democracia na América Latina para mais de 3,5 mil pessoas em plena “República de Curitiba”, cerca de 40 pessoas em meio à multidão produziam conteúdo e compartilhavam informações em tempo real, com uma narrativa própria e diferenciada dos meios de comunicações tradicionais.

O grupo – que reuniu ativistas, cinegrafistas, comunicadores populares, fotógrafos e jornalistas – participou de uma cobertura colaborativa e quebrou o cerco midiático da grande imprensa que deu um tom de passagem de “popstar” a visita de José ‘Pepe’ Mujica na capital paranaense, ocultando informações sobre os objetivos do seminário, do papel da universidade pública neste cenário de atentado à democracia no país.

Essa cobertura colaborativa envolvendo atores de coletivos e veículos da mídia alternativa foi uma iniciativa do Laboratório de Cultura Digital (LAB), projeto do Ministério da Cultura e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), de experimentação e desenvolvimento de tecnologias digitais livres.

Foto: Júlio Carignano

João Paulo Mehl, um dos coordenadores do LAB, explica que o evento foi uma tentativa de apresentar experimentos que fortaleçam a democracia e a comunicação é um destes instrumentos. “Convidamos um conjunto de organizações em edital aberto para participar do processo de cobertura colaborativa que quebrasse a lógica de concentração da informação e trabalhe na lógica do compartilhamento de informações, de conteúdo, de material áudio visual e fotos, para que os diversos veículos possam se apropriar livremente destas informações. Começar esse ciclo com o Pepe Mujica foi simbólico, pois ele é um símbolo da luta pela democracia”.

Um dos canais de mídia independente convidado a participar desta cobertura foi a produtora Trópico, que desenvolve projetos audiovisuais com engajamento social, relacionados à política e aos direitos humanos. “Foi um prazer e uma honra ser ator deste processo de discussão de democracia. Ao mesmo do debate da democracia proposto pelo senador Pepe Mujica, nós debatemos a democratização dos meios de informação através desta iniciativa do LAB, que disponibilizou em tempo real toda a informação que está sendo produzida no evento”, destaca o cinegrafista José Eduardo Pereira.

Foto: Leandro Taques

Passo a passo com Pepe

Nesta cobertura colaborativa, coube a três profissionais acompanharem as cerca de 20 horas da passagem de Pepe Mujica e sua esposa, a senadora Lucía Topolanski, por Curitiba, desde a chegada do casal de ex-tupamaros no aeroporto até a partida. “Nosso objetivo é fazer destas imagens coletadas um mini documentário focando nos indivíduos, nas pessoas do Pepe Mujica e de sua esposa”, conta o fotógrafo Rafael Oliveira, destacando o formato de uma cobertura com o objetivo de quebrar o monopólio da mídia; uma comunicação compartilhada onde ninguém teve uma ‘exclusiva’.

O jornalista Gibran Mendes, do Coletivo dos Jornalistas Livres em Curitiba, também acompanhou toda a passagem de Mujica na capital paranaense.  “Cobrir a passagem do senador uruguaio, em Curitiba, foi uma experiência única. Não trata-se  apenas de uma grande liderança mundial, mas principalmente, de uma instituição na qual milhões de pessoas se espelham. Poder acompanhar e perceber o lado humano de alguém assim, que parece tão gigante e distante, foi formidável”.

Para Gibran, é preciso criar novos mecanismos de comunicação que permitam que os jornalistas e comunicadores deixem de ser, unicamente, porta-vozes dos seus patrões, dos donos da mídia convencional, e comecem a traçar uma narrativa própria, segundo suas próprias percepções. “A cobertura da passagem de Mujica por Curitiba é um ótimo exemplo disso. Produção colaborativa, com profissionais unidos e uma visão alternativa da grande mídia. Temos a sorte, ainda, de no Paraná, fazermos parte de uma geração que acredita e está construindo essas alternativas, seja de forma local ou em coletivos nacionais”.

Camilla Hoshino, do jornal Brasil de Fato, foi a terceira jornalista escolhida para acompanhar todos os momentos de Pepe Mujica em Curitiba. Para ela, a cobertura colaborativa fortaleceu a comunicação popular e uma narrativa contrária da grande mídia. “Estivemos em um evento de proporção internacional onde o protagonismo da comunicação não esteve nas mãos das grandes redes. A própria fala do Mujica, que tivemos a oportunidade de entrevistá-lo desde o aeroporto, deu uma cutucada nos jornalistas e de como as informações são tratadas de forma superficial procurando apenas o elemento noticioso para proporcionar a espetacularização”.

Foto: Leandro Taques

Fora Temer, Fora Richa

Por meio desta rede de atores da mídia alternativa foi possível a visualização do momento em que os presentes no seminário gritaram em uníssono ‘Fora Temer’ e ‘Fora Beto Richa’. “Os grandes meios trouxeram a vinda do Mujica como um líder social, um expoente, porém não destacaram que ele é um líder da esquerda mundial. Não citaram que em um evento em Curitiba 3,5 mil pessoas gritaram Fora Temer e Fora Beto Richa, não falarão das denúncias aos ataques que a nossa democracia está sofrendo neste momento”, destaca Paulo Jesus, da Mídia Ninja. “Se não fosse os comunicadores populares essa seria apenas mais uma cobertura muito rasa da mídia tradicional com seus interesses do capital”.

Na opinião da jornalista Paula Zarth Padilha, do Terra Sem Males, a cobertura colaborativa da visita de Pepe Mujica foi um importante momento de afirmação do jornalismo independente, alternativo e de esquerda. “Mesmo sendo um evento acadêmico, o Seminário foi um ato político. A mídia alternativa precisa ocupar espaços neste momento de luta contra o golpe e pela democracia, disseminando uma informação que esteja ao lado da classe trabalhadora, dos interesses das pessoas e não a serviço de uma linha editorial voltada ao mercado”.

Para a jornalista Annelize Tozetto, da Revista Vírus, coube a essa rede de comunicadores o papel importante de democratizar o acesso de uma informação com outro viés que não dos grandes veículos da mídia. “A grande imprensa diz que tem um discurso neutro, algo que a gente sabe que está longe disso. Para chegar a um pé de igualdade na produção de conteúdo são necessárias essas redes colaborativas, de veículos comunitários e contra hegemônicos que democratizem uma informação cm recorte de gênero e de classe”.