Finalizado desde 2013 e já tendo percorrido festivais, só agora o longa-metragem “A Gente” desembarca no circuito comercial. Realizado pelo cineasta baiano radicado em Curitiba, Aly Muritiba, o filme é um documentário sobre agentes penitenciários que atuam na Casa de Custódia, em São José dos Pinhais.

O lançamento comercial está marcado para o dia 14 de setembro e vai contar com cerca de dez cópias. Em Curitiba será exibido na Cinemateca, Cine Guarani, Cineplus e Espaço Itaú de Cinema. Também no Cineplus acontecerá um debate com o cineasta, o professor de Direito e pesquisador José Carlos Portela e o criminalista Iuri Machado. A conversa está marcada para sábado, dia 16 de setembro, às 19h.

O filme acompanha a Equipe Alfa, um grupo de 28 agentes responsáveis por cerca de mil presos da Casa de Custódia. Muritiba, que trabalhou por sete anos no sistema penitenciário e saiu de lá para estudar Cinema, pediu reintegração à antiga função como estratégia de reaproximação dos colegas. Foi a partir desse contato diário que surgiu o documentário filmado ao longo de oito meses.

“A Gente” é a terceira e última obra da “Trilogia do Cárcere”, conjunto de títulos dirigidos por Muritiba a partir de seu olhar sobre o sistema penitenciário brasileiro. Os outros dois são os curtas “A Fábrica”, que rodou cerca de cem festivais e angariou dezenas de prêmios, chegando a ser cogitado para o Oscar de curta-metragem, e “Pátio”, que foi exibido na Semana da Crítica, uma mostra paralela do Festival de Cannes.

O diretor ainda tem no currículo o longa-metragem “Para minha amada morta”, ganhador de sete prêmios no Festival de Brasília de 2015. No momento trabalha na finalização do novo “Ferrugem”, ficção que deve vir a públicio em meados de 2018.

Aly Muritiba deu a seguinte entrevista por e-mail ao Porém.net.

“A Gente” é um filme que já está finalizado desde 2013. Por que demorou tanto para fazer sua distribuição? E qual será o tamanho dessa distribuição?

Havia uma questão burocrática a ser resolvida com nosso coprodutor, o que nos impedia de lançar o filme em salas comercias. Agora, resolvida esta questão, o filme pode enfim ganhar as telas. Estamos planejando uma estratégia múltipla de distribuição. Nela, o filme chegará em aproximadamente vinte salas em cidades como Rio, São Paulo, Tocantins, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Goiânia e Niterói, indo em seguida para Florianópolis, Fortaleza e Recife. Havendo ainda a possibilidade de levarmos o filme para salas comerciais em cidades do interior onde hajam presídios. Além disso vamos disponibilizar o filme numa plataforma online, em que pessoas de cidades que não tenham cinema e queiram promover sessões públicas e gratuitas do filme, possam fazê-lo.

Dez em dez cineastas brasileiros apontam que a distribuição é um dos principais nós da produção cinematográfica nacional. Você vê alguma saída para o problema? 

A saída talvez seja encaramos o fato de que há outras janelas para exibir os filmes e que talvez o único caminho para um determinado filme encontrar seu público seja outro, que não a tela grande. Acredito muito que os filmes devam estar nas salas de cinema, mas temos um sem número de pessoas ávidas por filmes e que residem em cidades em que não há cinema. O que vamos fazer? Deixar de levar nossos filmes a estas pessoas? Creio que não seja este o caminho. Não adianta lutarmos contra a máquina de moer carne que é a indústria dos busckbusters, então temos que encontra formas alternativas de distribuição, estratégias distintas de marketing, trabalhar com nichos e, quando possível, colocar os filmes nas salas de cinema. Quando não, encontrar outras maneiras.

O filme acompanha a rotina de um agente penitenciário, o que conversa com tua própria história pessoal. Como foi fazer o filme a partir dessa posição de intimidade?

Foi um grande desafio tanto técnico, quanto ético. Eu conhecia todos os personagens do filme, e os conhecia bem. Então havia o desafio de fazer um filme digno e a altura de sua humanidade. Havia ainda a questão de falar de mim através do outro, o que era um baita desafio de alteridade. Por isso mesmo o filme foi construído aos poucos, filmando ao longo de oito meses, num jogo de provocações mútuas, em que juntos, eu e os outros, escrevíamos a história.

O cineasta Aly Muritiba. Foto: Divulgação.

Como você vê a questão do sistema penitenciário brasileiro? Da época em que você trabalhou como agente penitenciário até hoje, o que mudou?

Eu convivi com o Sistema de maneira intensa até 2013. Hoje eu o pesquiso para escrever uma série, então a percepção que eu tenho agora é de fora para dentro. É preciso que se registre esta ressalva. A meu ver a coisas estão se tornando mais agudas, mais perigosas e incontroláveis. O crescimento do poder das facções criminosas, o descaso do poder público, a tendência às privatizações, tudo isto junto funciona como gasolina em incêndio.

Seus filmes, em geral, têm a violência como motor principal da narrativa, esteja ela presente de fato ou apenas iminente.  Isso passa por uma escolha consciente? É uma coincidência ou uma forma de enxergar o mundo?

É uma escolha deliberada. A história da humanidade é a história da violência. Todas as grandes e pequenas guinadas históricas, sejam elas sob a perspectiva social (um povo) ou subjetiva (uma pessoa) passam pela violência ou pelo medo dela. Enxergar a violência como motor narrativo é que me leva a colocá-la em meus filmes, ora mais explícita, ora menos explícita.

“Ferrugem”, teu próximo longa-metragem, está em fase de finalização. O público pode esperar para assisti-lo a partir de quando? Em que pé está o andamento do filme?

Estamos finalizando a pós do filme, que deve ficar pronto no final do ano. Creio em meados do ano que vem ele esteja nas salas de cinema.

“Ferrugem” trata da superexposição que a internet pode propiciar. O problema tende a ser ainda mais grave na adolescência, que é o foco do enredo. Por que a escolha do tema?

Porque esta é uma das formais mais sutis e danosas de manifestação da violência no mundo contemporâneo.

A Gente
Lançamento quinta-feira, 14 de setembro
Cinemateca de Curitiba, Cine Guarani, Cineplus e Espaço Itaú de Cinema

Debate
Sábado, dia 16 de setembro
Cineplus, Av. Nossa Sra. de Lourdes, 63 – Jardim das Americas, Curitiba
Às 19h