O 11 de Setembro não pautado

Obviamente que não podemos deixar passar em branco a data, porém o 11 de setembro também é um momento de fazermos uma avaliação da cobertura midiática





Em 2001, o 11 de setembro deixava de ser apenas o dia que antecedia o 12 de setembro para se imortalizar como a data em que a nação mais poderosa do planeta ficou vulnerável e fragilizada após o atentado que matou aproximadamente 3 mil pessoas no World Trade Center. Desde então a história que virou roteiro hollywoodiano pauta os grandes meios de comunicação nas linhas redigidas nos jornais, noticiários da televisão e rádio, internet e outras mídias alternativas.

Obviamente que não podemos deixar passar em branco a data, porém o 11 de setembro também é um momento de fazermos uma avaliação da cobertura midiática. Acredito que a tragédia das torres gêmeas lembra um roteiro que não é de uma superprodução de Hollywood do clichê mocinhos X bandidos – mas sim o roteiro do clássico Frankstein de Mary Shelley, onde a ironia do destino fez com que a criatura se voltasse ao criador. Uma criatura que atendia por Bin Laden – com estreitas relações com o ‘império’ – que foi parida com o intuito de combater “o monstro vermelho e seus grandes tentáculos” no Afeganistão durante a época bipolar da Guerra Fria.

Mas voltando aos meios de comunicação, nos últimos dias a mídia hegemônica já tem sobrecarregado os noticiários e seus portais com o episódio de Nova Iorque e suas consequências, mas o Porém não se pauta pelo “Show da vida” midiático, e não podemos deixar passar em branco o 11 de setembro ao qual a maioria dos veículos de comunicação prefere não lembrar. Nesta mesma data, em 1973, um golpe civil-militar derrubava o ex-presidente chileno Salvador Allende Gossens em uma ação covarde, onde um estádio de futebol virou prisão e muitos foram mortos (estima-se cerca de 40 mil), além dos exilados, entre eles cidadãos brasileiros.

Em 11 de setembro de 1973, Salvador Allende fez seu último discurso. Naquele ano, a nação das abatidas torres gêmeas era uma das protagonistas de um golpe em nossa América contra um governo democrático, eleito sob as forças das camadas populares chilenas. Primeiro presidente socialista a chegar ao poder por meio de uma eleição direta em um país ocidental, Allende foi responsável pela criação de um novo pensamento em nosso rico continente na busca de uma sociedade onde homens poderiam satisfazer suas necessidades materiais e espirituais sem que isso significasse a exploração do homem pelo homem.

Ele foi o responsável por abrir o voto aos jovens a partir dos 18 anos, até então cerceados deste direito no Chile; pela construção de um regime onde na base de tudo estava o povo, protagonista e juiz de seu próprio futuro. Quebrou paradigmas com a sociedade chilena machista e conservadora ao buscar colocar no mesmo patamar de condições homens e mulheres, como na questão das equiparações salariais e o reconhecimento das empregadas domésticas como trabalhadoras com direitos; além de promover a reforma agrária em seu país.

Allende pregava que “a emancipação do povo passava por suas liberdades políticas, mas principalmente, pela ampliação destas liberdades”. Apesar da mídia hegemônica e alguns de seus porta-vozes tentarem provar o contrário – com suas opiniões carregadas de juízo de valores e descontextualizações – o governo de Allende foi legitimamente uma consequência da luta popular na busca das profundas mudanças que aquele país necessitava.

Que o 11 de setembro que há mais de quatro décadas passa despercebido por muitos da nossa América nos sirva para abrir os olhos a esse exemplo de mídia que se cala diante de fatos que remetem a legítima força das camadas populares e a uma sociedade latino-americana verdadeiramente emancipada.

Que neste momento em que vivemos com a consequência de um golpe no Brasil, o exemplo de Allende – responsável por várias medidas de ampliação da rede social e de democratização – aflore e inspire um novo desenho de poder popular, construído da base e que seja protagonizado por camponeses, indígenas, operários, assalariados urbanos, artistas das mais variadas classes, estudantes, enfim, todos aqueles que sonham com uma sociedade libertária.