Enfrentamento da violência contra as mulheres: o que esperar e até quando esperar?

De acordo com o estudo Panorama da Violência contra as Mulheres no Brasil, somente em 2013 foram registrados 4.762 assassinatos de mulheres no Brasil





Ex-secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM, Aparecida Gonçalves. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta instância do Judiciário brasileiro, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) são comandados hoje por duas mulheres: a ministra Cármen Lúcia e Raquel Dodge. As pautas feministas e de gênero, digamos assim, em especial a do enfrentamento da violência contra as mulheres, podem esperar o quê dessas representações poderosas? Boa pergunta!

Dodge assumiu a PGR se comprometendo a fazer uma gestão no Ministério Público com foco em causas femininas e falando, inclusive, em diversificar e promover mudanças nas discussões do órgão, reforçando uma agenda de cunho mais social em suas decisões.

Mas as políticas públicas que impactam diretamente no dia a dia de milhares de brasileiras dependem mais ainda das decisões em outro poder: o Executivo. De lá, desde o golpe de estado que levou ao impeachment da primeira mulher presidenta da República, Dilma Rousseff, as projeções são todas catastróficas.

Quem traz dados sobre o desmonte dos programas e ações de enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil é a ex-secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres nos governos de Lula e Dilma, Aparecida Gonçalves. Aliás, não apenas a última, como a única secretária dessa pasta no governo federal.

Mulheres já protestavam em Curitiba contra retrocessos em políticas assim que Temer assumiu. Foto: Manoel Ramires/Sismuc

Cida, como é mais conhecida, parte da queda brusca no orçamento para fundamentar o anúncio das trombetas apocalípticas nessa área. O Programa Nacional “Mulher Viver Sem Violência” (MVSV), que tinha um orçamento de R$ 365 milhões, caiu para um aporte de menos de 1/3 desse valor, ou seja, R$ 96 milhões em 2017. A perspectiva é que a peça orçamentária para 2018 reduza ainda mais e esse encolhimento não dê conta de fazer o enfrentamento que a realidade exige.

De acordo com o estudo Panorama da Violência contra as Mulheres no Brasil, publicado pelo Senado Federal em 2016, somente em 2013 foram registrados 4.762 assassinatos de mulheres no Brasil. Uma média de 13 por dia. O País tem uma taxa de 4,8  homicídios de mulheres a cada 100 mil mulheres na população e, de acordo com o Mapa da Violência 2015, ocupa a quinta posição no ranking mundial dos países em que mais se mata mulheres.

O programa MVSV tem entre suas ações principais a construção dos centros integrados que prestam serviços públicos de atendimento às mulheres em situação de violência, as chamadas Casa da Mulher Brasileira. Dilma investiu na sua construção e entregou três unidades prontas,  com garantia de um ano de recursos para custeio: em Campo Grande, Curitiba e no Distrito Federal. Hoje, essas unidades em funcionamento não estão recebendo os recursos necessários.

Já estava pronta a unidade de São Paulo e em fase final de construção as do Maranhão, Ceará e a de Boa Vista, em Roraima. “Não foram colocadas para funcionar porque não são prioridades para este governo. A política de enfrentamento à violência contra as mulheres é pauta secundária, está efetivamente sucateada”, afirma Cida. Unidades móveis de atendimento, que também integram o programa e percorreriam o interior do País como uma espécie de Casa da Mulher Brasileira itinerante, estão estacionadas nos estados.

Casa da Mulher Brasileira foi inaugurada em Curitiba sem a presença da ex-presidente Dilma, que havia sofrido golpe. Foto: Manoel Ramires/Sismuc

Ela lembra também que a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) desceu de posto, foi rebaixada. Perdeu o status de ministério e passou a uma mera diretoria dentro de uma secretaria afim do governo federal. A falta de investimento e de descaso tem impacto direto na agenda do pacto nacional. “Como é que uma diretora da pasta do enfrentamento vai ser recebida por presidente do Tribunal de Justiça ou por Procurador-Geral do Ministério Público? Não vai!”, afirma a ex-secretária nacional.

Cida também demonstra preocupação com o desmonte da estrutura funcional e com a queda – proporcional ao orçamento – da capacidade de execução da política pública. “Uma coisa é prever e disponibilizar recursos, outra é executar a política no dia a dia”, lembra. E sentencia: “Não se tem órgão do governo federal hoje que apresente uma estatura política suficiente para tratar da violência contra as mulheres ou que seja minimamente condizente com a realidade a ser enfrentada no nosso País”.

A pergunta sobre “o que esperar”, portanto, nos parece bem e infelizmente respondida. O problema agora está em outra indagação, que devemos nos fazer também individualmente: “até quando?”.