Huck e Greca: O que é a favela, afinal?





Prefeito Rafael Greca (ao centro) na ocupação do Caximba. Foto: Cesar Brustolin/SMCS

Por José Antonio Campos*

Novamente afloraram-se as discussões acerca das favelas na capital paranaense. Opiniões divididas e argumentos distorcidos ditaram os rumos de comentários dos últimos dias nas redes sociais e sites de notícias após a visita do apresentador Luciano Huck na Caximba, zona sul de Curitiba. Ele esteve na comunidade no dia 17 de agosto para gravar uma matéria para o quadro “Lar Doce Lar” do Caldeirão do Huck.

Até aí nada de anormal. Porém o que despertou a ira de alguns foram “stories” publicados no Instagram do apresentador, ao qual se mostrou estarrecido com a realidade local: “Já rodei muito este país, mas este lugar aqui parece o Haiti”, postou junto com um elogio a educação dos moradores da região. Não demorou para que alguns criticassem o apresentador, entre eles o prefeito Rafael Greca. O global também foi criticado por vereadores da base de apoio do prefeito na Câmara.

Alguns ficaram indignados com o erro do nome: de Caximba para “Catimba”. Um pormenor ao qual parece mais uma tentativa de desviar o principal foco, ou seja, fechar os olhos e fingir que estas pessoas não vivem as margens da sociedade em situação desumana. Estão no “direito” de negarem isso, porém muitos dos indignados que argumentam sobre o tema favela desconhecem a realidade periférica do Paraná, em especial os gestores públicos que afirmam que em suas cidades não existem favelas, compactuando com a “tese” do IBGE de que tratam-se de “aglomerados subnormais”.

Não foi à primeira vez e não será a última que tentarão camuflar a realidade, porém contra fatos não há argumentos e os dados não só dizem ao contrário, como também legitimam a existência das favelas no Estado. Segundo o IBGE, existem favelas em 189 municípios paranaenses, representando 47,3% das 399 cidades. Nestes espaços sobrevivem 217 mil cidadãos, sendo 75% deste total somente em Curitiba. Esses dados colocam o Paraná na 6ª posição entre os estados com maior número de favelas, mocambos, palafitas ou similares. O mapeamento também identificou, em nível nacional, a ausência de serviços públicos e infraestrutura. Dos 5.564 municípios do país, 1.837 convivem com bolsões de pobreza.

Diante disso, fica a pergunta: Existe ou não favela em Curitiba?

Contudo, independente da terminologia empregada não é aceitável a exclusão e invisibilidade dessas pessoas e seus territórios. Não entrarei no mérito se a culpa é da atual gestão ou das gestões anteriores, porém é fato que constitucionalmente estas pessoas estão desamparadas pelo Estado. Basta lermos o que diz o artigo 6º de nossa Constituição: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Desta forma, o artigo não só faz menção ao direito à moradia, porém também a outras políticas públicas ausentes nas favelas. No entanto é inadmissível compactuar com a negação das favelas no oásis brasileiro. E quando se vive com privilégios, falar de desigualdade soa como opressão ao sistema, principalmente para quem mora do lado abastado da cidade, perto das praças bem cuidadas, arborizadas, com saneamento básico, acesso à escola, saúde e segurança, lazer e oportunidade de emprego.

Queremos ver nossos pares morando bem, mas enquanto isto não acontece seguimos lutando, pois sabemos que o distanciamento desses espaços é fruto de uma dinâmica do crescimento dos grandes centros, mas não podemos tapar os olhos e fazer de conta que não existem. Participo há doze anos de trabalhos e projetos sociais, culturais e esportivos desenvolvidos para jovens das favelas paranaenses, com milhares de adolescentes atendidos. Em 2015 fomos à ONU falar das nossas ações no Paraná, fomos nacionalmente reconhecidos pelo Prêmio Ozires Silva (2016) como melhor projeto social nas favelas e ainda ouço que não devo utilizar o termo “favela” em reunião com gestores públicos.

Devemos juntar forças para superação dos estigmas e das necessidades básicas desses territórios. As pessoas, de um modo geral, veem esses territórios apenas como carentes, mas não conseguem enxergam seus potenciais. Se ampliarmos esse debate para o potencial econômico das favelas, muitos se surpreenderão com os bilhões de reais que giram anualmente nas periferias do Brasil, onde estão instalados 3,2 milhões de domicílios, abrigando aproximadamente 11,4 milhões de pessoas. Juntas as favelas movimentam R$ 68 bilhões por ano, segundo dados do Instituto Data Favela.

No entanto faltam oportunidades para essas pessoas. Reformular seu lar é uma pequena oportunidade de melhoria para a família. Porém o que a favela precisa é de ocupação cultural e política pública e não de operação!

* José Antonio Campos é coordenador geral da Central Única das Favelas (Cufa) no Paraná