As besteiras que costumamos ouvir sobre a questão indígena





Foto: Júlio Carignano

Paulo Porto* 

O jornalista carioca Stalinslaw Ponte Preta, que também atendia por Sérgio Porto, criou o termo “FEBEAPÁ” – Festival de Besteiras que Assola o País – a respeito das imbecilidades que costumava ouvir sobre a defesa da “redentora”, carinhoso apelido dado pelos entusiastas da ditadura militar que se instalou no país com o golpe de 1964. Em novos tempos de golpe, um novo festival de besteiras inaugurou-se: o “FEBEAPÁ Indígena”. Neste artigo tratarei deste assunto, de forma modesta, pois as imbecilidades são tantas que mal caberão neste texto. É bom que se diga que temos bons concorrentes a protagonistas deste “novo festival”, em especial os deputados federais da bancada ruralista.

Na minha despretensiosa opinião, um representante de Cascavel (PR) na Câmara Federal desponta nesta categoria de asneiras sobre a temática indígena. Entre as pérolas, declarações de que as lideranças indígenas “são contra as demarcações de terra” e ao invés de terra querem “tecnologia e emprego”. Nesta rara linha de raciocínio, ele acrescenta que indígenas, por serem “ingênuos”, estão sendo manipulados por “ONGs internacionais” que os forçam a pleitear largas extensões territoriais para depois cedê-las a estas mesmas entidades imperialistas por meio de um futuro separatismo indígena. O nobre deputado parece desconhecer que a Constituição Federal diz exatamente o contrário: que ao reconhecer a terra como indígena ela necessariamente pertence à União. Das duas uma: ou estas ONGs internacionais são esquizofrênicas ou nosso parlamentar precisa interpretar melhor a nossa Carta Magna.

Outro deputado ligado à bancada ruralista, tucano do Oeste do Paraná, também tem contribuído ao seu modo para o FEBEAPÁ, tornando-se uma espécie de membro honorário. Para ele a questão indígena no Oeste do Paraná passa simplesmente por identificar os índios “brasileiros” e os “paraguaios”, pois segundo ele “boa parte dos indígenas do nosso estado não são brasileiros, são paraguaios, pois falam ‘guarani’ e não ‘português’”. Ora, quem diria que indígenas Guarani falariam Guarani? Impressionante.

Mas as contribuições não param aí, segundo o mesmo deputado, servidores da FUNAI em seu afã de provar que as áreas do Paraná são indígenas estão trazendo “velhas ossadas do Xingu e enterrando na calada da noite em áreas agricultáveis para forçar uma eventual demarcação”. Pois todos sabemos que na região de Guaíra jamais existiram indígenas. Há quem diga, inclusive, que a origem da palavra Guaíra vem da imigração alemã e ucraniana na região.

Infelizmente, besteiras como estas causam estragos nos desinformados. Como em Guaíra, cidade fronteiriça do Paraná, onde um deputado e ex-ministro do glorioso MDB bravateou que iria acabar com a demarcação de terras da região. E assim o fez após conversa com o presidente ilegítimo da república, conseguindo barrar um processo demarcação. Mas alegria de golpista dura pouco, pois o que não sabiam é que a atual demarcação não estava sendo determinada pelo Poder Executivo, mas sim pelo Ministério Público, que não gostou nada da brincadeira e ameaçou convocar o presidente da FUNAI para depor caso a demarcação fosse suspensa. Diante da salgada multa diária, a demarcação celeremente retomou seus trabalhos no município para tristeza e fracasso total do parlamentar

Neste festival de besteiras que assola a temática indígena, uma famosa frase já foi dita por todos: “Existe muita terra para pouco índio”. Uma afirmação que se esvai como poeira ao vento com uma simples equação. Conforme dados oficiais, o estado do Paraná possui – contando todas suas áreas demarcadas – aproximadamente 0,4% de seu território como áreas indígenas dos povos Guarani, Xetá e Kaingang. Tudo indica que matemática não é o forte dos amigos paranaenses do FEBEAPÁ.

Para encerrar o festival de besteiras, deixemos de lado os paranaenses, pois antes que esse texto termine precisamos falar do “pai de todos”, um verdadeiro “mito” quando se trata do nosso FEBEAPÁ Indígena e não indígena. Um pré-candidato à presidente que, em recente debate sobre a questão das terras indígenas Macuxi em Roraima, lacrou: “Até um tempo atrás, Roraima era autossuficiente em arroz e ainda mandava um pouquinho para as Guianas. Hoje importa arroz, porque praticamente destruíram o estado de Roraima com reservas indígenas”. Vamos lá, Roraima nunca exportou para as Guianas e segue sendo autossuficiente em arroz, afinal produz 53 mil toneladas ano o que daria em torno de 10 mil quilos por habitante no estado, bem acima da média nacional per capita do consumo médio do brasileiro, que é de 41 quilos por ano. Esse mesmo cidadão, dias desses ficou entusiasmado em saber das benesses do leite do ornitorrinco, animal que segundo ele faz parte da biodiversidade da Amazônia. Obviamente o que desconhece é que simpática criatura é australiana.

Enfim, como diria Stalinslaw Ponte Preta, “o relato termina por aqui, mas está longe de terminar”, pois neste ano teremos eleições gerais, momento que o festival deve esquentar. E ao que parece nem o didatismo do Papa-Capim, simpático personagem de Mauricio de Souza, poderá nos salvar. Em 2018, o FEBAPÁ Indígena pede passagem!

* Paulo Porto é historiador, indigenista, professor universitário e vereador do PCdoB em Cascavel