Paraná adota plano para atender população exposta aos agrotóxicos

Plano teve sua primeira apresentação no Oeste do Paraná, região com o maior consumo deste produto no Estado





Centenas de pessoas estiveram presentes no evento que aconteceu em Cascavel. Foto: Bruna Bandeira da Luz

Por Bruna Bandeira da Luz

A região Oeste do Paraná deu um importante passo em relação a redução dos danos causados pelos agrotóxicos ao reunir centenas de profissionais da saúde, na quarta-feira (21) em Cascavel, para a apresentação do Plano Estadual de Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos. Só entre os técnicos das regionais de saúde de Pato Branco, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Cascavel e Toledo, um total de 450 pessoas estiveram presentes. Além disso, representantes de vários segmentos ligados ao tema também participaram do evento promovido pela Secretaria Estadual de Saúde, no anfiteatro da Unipar, em Cascavel.

A médica da 10ª Regional de Saúde e coordenadora do evento, Lilimar Mori, destacou que diante do panorama – sobretudo da região Oeste do Paraná –, é preciso dialogar. “Precisamos discutir o impacto da utilização dos agrotóxicos na nossa vida. Nós não estamos com uma bandeira de eliminar radicalmente, mas temos que progredir para um uso racional, até chegar a uma condição de que este insumo não seja tão vital e tão necessário. Neste evento, particularmente, a Vigilância em Saúde tomou a frente, mas veio no meio da história a Assistência. Então hoje, aqui, é o lançamento do Plano Estadual de Vigilância e Atenção à Saúde da População Exposta aos Agrotóxicos. E veja, não estamos falando em trabalhador que lida com o agrotóxico e sim da população em geral. Nós podemos estar recebendo estas substâncias, e quais são as consequências disso para a nossa saúde? Não sei. Nós temos estudos não completos ainda, nós temos hipóteses e precisamos observar melhor esta situação”, explicou.

A coordenadora do evento, Lilimar Mori, apresentou dados de intoxicação na região Oeste. Foto: Bruna Bandeira da Luz

Segundo Lilimar, a região Oeste é a que mais consome agrotóxicos no Paraná, estado que está entre os maiores consumidores destas substâncias. O Brasil, por sua vez, é o país que mais consome agrotóxicos. “A gente encontra traços desta substância na água, no ar, no solo. Já temos evidências científicas de algumas situações que estas substâncias provocam na saúde da população. O que a gente quer é discutir exatamente isso. Por isso, hoje não temos só profissionais da saúde. Aqui estão profissionais da agronomia, meio ambiente, promotores, agronegócio, trabalhadores, agroecologia, universidades e também a representação social, através dos conselheiros de Saúde”, destacou.

Durante o evento, o chefe da 10ª Regional de Saúde, Miroslau Bailak, relatou diversos casos de intoxicação por agrotóxicos que acompanhou ao longo de sua carreira como médico. “Lembro-me bem de um fazendeiro que quase foi a óbito intoxicado durante aplicação. Sobreviveu e tempos depois retornou ao consultório. Perguntei se tinha abandonado a agricultura e ele me respondeu que não, mas que havia contratado dois peões para aplicar o veneno”, relatou.

Bailak ressaltou que, embora para muitos essas substâncias representem o desenvolvimento da ciência e avanços econômicos, por outro lado há um preço exageradamente alto, que tem se transformado em um dos piores pesadelos da humanidade. “Nosso estado faz parte do grupo de estados brasileiros que mais usa estas substâncias. Por isso, a Secretaria de Saúde formou um grupo de trabalho com técnicos de diversas áreas, que elaborou em 2013 o Plano Estadual das Populações Expostas aos Agrotóxicos. Além do diagnóstico situacional, este grupo destacou 14 ações estratégicas e em 2017 a Secretaria de Saúde decidiu avaliar o plano de 2013 e elaborar um plano de vigilância de 2017 a 2019”, explicou Miroslau.

Subnotificação

O diretor do Centro Estadual de Vigilância Sanitária, Paulo Costa Santana, destacou que os estudos têm demonstrado que o impacto dos agrotóxicos na saúde humana não tem sido traduzido para a prática de atenção à população. Segundo ele, embora os índices de mortalidade por intoxicação no país sejam alarmantes, ainda assim os casos subnotificados. “Na elaboração do plano fizemos o diagnóstico das intoxicações e vimos que a maioria das guias está pouco qualificada, porque não relacionam a intoxicação com a exposição. Estamos neste evento para a implantação do plano com esta oficina de sensibilização para demonstrar o impacto e o risco da exposição de agrotóxicos e depois vamos ter o processo de implantação do plano com os GTs regionais. Mas é justamente para que, a partir destes dados, a atenção à saúde possa começar a considerar como fator de risco a questão da exposição aos agrotóxicos no atendimento a seus pacientes”, reforçou.

Segundo ele, a ação parte da prerrogativa de que quanto mais cedo for identificado, mais fácil de reverter para diminuir incidência de câncer e outras doenças que são caras para o SUS. “Temos que trabalhar nas ações básicas para diminuir este problema que vai causar um impacto econômico que é o afastamento do agricultor de suas atividades. Esperamos que com a implantação da linha guia se faça o atendimento, mas que também se notifique as intoxicações, mesmo sendo crônicas, para que a vigilância em saúde possa, com a colaboração da Iapar, Emater, fazer o trabalho na diminuição da exposição. Vemos a Secretaria de Agricultura e Abastecimento como importante parceira da saúde neste processo. A Saúde não tem as respostas, vamos começar agora, por isso precisamos das instituições públicas e privadas”, reforçou.

Plante seu futuro

O chefe regional da Seab, do Núcleo de Cascavel, Manoel Chaves, apresentou os prósperos números da agricultura no estado. “Esta é a vocação do Estado do Paraná”, destacou. Além disso, Chaves comentou a existência de um programa chamado “Plante seu Futuro”, instituído em 2014. “É um programa onde procuramos boas práticas na agricultura que compreendem o Manejo Integrado de Doenças (MID) e o Manejo Integrado de Pragas (MIP). Temos 240 unidades de referência em boa prática. No MID reduzimos a utilização de produtos que controlam doenças na lavoura, através dele retardamos em 15 dias a primeira aplicação de fungicida nas lavouras de soja e conseguimos reduzir a média de aplicações de fungicidas. No MIP conseguimos uma redução de 50% na utilização de inseticida nas lavouras de referência. Tudo isso sem diminuir e produtividade. Aumentando a produtividade. Se o Paraná acatasse a tecnologia do Plante Seu Futuro, nós economizaríamos 5 milhões de litros de agrotóxicos. Por isso precisamos ser parceiros”, destacou Chaves.

Vamos aos fatos

Para o médico, Herling Alonzo, doutor em Saúde Coletiva, o agrotóxico é um problema de saúde pública negligenciado. Foto: Bruna Bandeira da Luz

De acordo com o médico, Herling Alonzo, doutor em Saúde Coletiva atuou na construção da Vigilância Ambiental do Ministério da Saúde, o agrotóxico é um problema de saúde pública negligenciado. “Contamina o solo, o ar, lençóis freáticos e aquíferos. Você encontra resíduos nos pinguins na Antártica, nos ursos polares no Polo Norte, nos urubus. É grandíssimo desastre que leva à destruição da biodiversidade”, destacou. E onde nós, seres humanos, entramos nessa história?

De acordo com Alonzo, é preciso sempre lembrar que todos os agrotóxicos são tóxicos. “Devemos parar de relativizar que o problema existe. Existe EPI [Equipamento de Proteção Individual]. Ajuda? Ajuda mão não é suficiente. Se vocês pegarem, todo o material da Anvisa, Ministério do Trabalho, o pano de fundo é sempre que não tem problema, que pode minimizar. E isso as pesquisas e estatísticas estão mostrando que não”, disse.

“Quando perguntamos a um agricultor quando ele começou a trabalhar, percebemos que existem pessoas que ficaram 60 anos trabalhando expostos aos agrotóxicos. Pessoas com 28 anos já tem quase 20 anos de exposição. A carga de poluentes que temos no organismo mudou completamente. Não podemos comparar com o que tínhamos na década de 60. Crianças nascem e seus pais já foram expostos. O que esta sendo passado para as crianças hoje?”, questionou. Segundo médico, muitas vezes os sintomas se manifestam de forma leve e vão progredindo até chegar a danos irreversíveis. “Entre as queixas comuns estão quadros alérgicos, nervosismo, insônia, diabetes, fadiga. São mais de 110 sintomas”, destacou.

Alonzo explicou que existem três tipos de efeitos causados pela intoxicação por agrotóxicos: agudas, subcrônicos e crônicos. Quanto à intensidade está pode ser leve, moderada, grave e letal. “Por muitos anos o Brasil preocupou-se apenas com a intoxicação aguda. A intoxicação crônica foi negada por muitos anos, mesmo existindo artigos científicos que mostravam quadros de intoxicação crônica”, disse. No entanto, segundo Alonzo, estes casos têm se mostrado cada vez mais frequentes e as consequências são devastadoras.

“Alterações genéticas, indução ao câncer, crescimento de tumores, defeitos de nascimento e desordens reprodutivas. Se você pega agricultores e pessoas que são expostas apenas pela alimentação e analisa os casos de câncer, verá que diferenças estatísticas acontecem. O câncer de próstata é comum entre os homens, mas é mais comum entre os agricultores. Do ponto de vista de saúde pública, se você tem suspeita de um dano, não existe ética que suporte você ficar esperando que se comprove. Pense nos danos que você pode evitar lá na frente. Falta explicação científica, formas de metodologia, mas isso não é o mais importante para você que trabalha na atenção primária’, reforçou.

Segundo o médico, o principal fator de dano em intoxicações crônicas está na desregulação endócrina. “São muitas as consequências, abortamento, câncer, alteração no ciclo menstrual. Existe base científica, dados, evidências”, disse. Segundo Alonzo em uma pesquisa feita com águias americanas, constatou-se que a população estava diminuindo. “Quando a águia estava chocando, ela quebrava o ovo. Então descobriram que existia interferência endócrina que interferia no processo de calcificação do ovo. O ovo era muito fraco. Se acontece com os animais é uma substância fortemente reguladora para seres humanos”, afirmou.

E a consequência disso? Segundo dados apresentados por Alonzo: atualmente até 40% dos jovens de alguns países possuem sêmen de baixa qualidade; aumento de malformação e recém-nascidos prematuros e de baixo peso; aumento através das décadas das alterações neurocomportamentais associadas a problemas de tireoide; aumento, nos últimos 50 anos, de cânceres relacionados ao sistema endócrino (mama, endométrio, ovário, próstata, testículo e tireoide); tendência para aparecimento precoce de câncer de mama em mulheres; aumento da prevalência de diabetes tipo 2 e obesidade no mundo; menstruação mais cedo, assim como menopausa; nascem mais meninos mas, com a exposição está se invertendo, está começando a nascer mais meninas e menos meninos; aumento de casos de danos neurológicos, neuropsiquiátricos e neurocomportamentais.

No Oeste

De acordo com Lilimar Mori, entre 2012 e 2015, 30% dos municípios consumiram acima da media do estado. Neste período, principalmente no mais atual, Cascavel tem se mostrado o maior consumidor no estado (3.365 toneladas). Já o consumo por hectare foi acima da media pra 159 dos 399 municípios, com destaque para Braganey, Corbélia e Brasilândia. No entanto, apesar destes índices, entre 2007 e 2015 o Paraná registrou apenas 2,1 notificações por ano. Esta discrepância confirma a subnotificação relatada pelo diretor do Centro Estadual de Vigilância Sanitária, Paulo Costa Santana. “Há importante subnotificação frente ao volume de agrotóxicos consumidos. A Organização Mundial da Saúde estima que em países como o nosso para cada caso, temos 50 outros não notificados”, destacou Lilimar.

Entre 2015 e 2017 a macro-oeste traçou o perfil epidemiológico das intoxicações por agrotóxicos que atingiram sua população. A maior parte dos casos tem como causa o agrotóxico agrícola, chegando a 196 casos de intoxicação. Entre as outras causas estão os agrotóxicos domésticos (54 casos) e a intoxicação por agrotóxicos da saúde pública (combate ao Aedes Aegypti), que tem quatro casos registrados. Em Cascavel a maior parte dos casos envolve herbicidas (111) e inseticidas (122).

“A maior parte destes casos é durante pulverização, que é mais ligado à intoxicação aguda. Em segundo vem “não se aplica”, que se refere à tentativas de suicídios e causas acidentais envolvendo crianças (108 casos)”, comentou Lilimar. Mais precisamente, no que diz respeito às circunstâncias da contaminação: 45% é acidental; tentativas de suicídio correspondem a 31,3%; uso habitual 11,2%; ingestão de alimentos 2,9% e; ambiental 2,7%. Quanto à via de exposição, a digestiva se destaca com 49,9% em toda a regional, seguido da respiratória.

“Quanto à faixa etária vemos concentração na faixa de atividade produtiva entre 20 e 49 anos”, disse Lilimar que chamou a atenção para o seguinte dado: nos dados aparecem dois registro de intoxicação em menores de um ano de idade, 55 casos de 1 a 4 anos e 17 casos de 5 a 9 anos. “Como é que se dá esse contato com estas substâncias? Existe facilidade para esse contato”, destacou ela. Outro dado surpreendente é o de que a maioria dos casos de intoxicação é registrada na área urbana (48,4%). Assim como a maioria dos casos não é decorrente do trabalho com agrotóxicos. Apenas 38,9% dos caoss envolvem estes trabalhadores. “Que população exposta é essa? A gente começa a pensa muito. Que estranho isso! Eu esperaria mais na população de área rural e eu tenho essa estatística que os serviços nos deram”, comentou.

Quanto aos óbitos, neste período – entre 2015 e 2017 – 10 pessoas morreram por intoxicação pelo uso de agrotóxicos, com destaque à Pato Branco, onde quatro óbitos foram registrados. “Estatística é coisa muito fria, por trás disso está a vida de pessoas”, lamentou Lilimar.