Lula, um hóspede do barulho





Foto: Leandro Taques

A operação Lava Jato tem pelo menos quatro forças tarefas atuando pelo país: Curitiba, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. No entanto, em nenhuma das outras cidades a fetichização da operação é tão grande como na capital do Paraná. Por aqui, não são poucos os carros (já foram mais) e as manifestações em apoio à investigação. Talvez essa sensação de “donos da Lava Jato” ocorra por ela ser berço do processo e porque em Curitiba está situado o juiz de primeira instância, Sérgio Moro, responsável por perseguir Lula e o PT enquanto outros ramos da Lava Jato avançaram sobre outros partidos políticos.

Esse orgulho curitibano cresceu na medida em que o ex-presidente Lula nomeou a cidade como “República de Curitiba”, em uma alusão a “República do Galeão”, onde se atuava contra Getúli Vargas. No entanto, na esclarecida Curitiba, se ignorou o fato histórico apenas para criar o marketing: “aqui se cumpre a lei”. A ideia era propagandear uma cidade diferenciada do restante do país, onde o combate à corrupção e a tolerância aos maus feitos políticos não são aceitos.

Essa turma que se apropria da justiça, ou do justiciamento, é formada pelos mesmos “cidadãos de bem” que ignoram (por má fé ou alienação Santa) que a cidade onde “se cumpre a lei” é a mesma que assiste as impunidades do agora ex-governador Beto Richa (PSDB), investigado em pelo menos quatro processos de corrupção, entre eles desvio de recursos na construção de escolas e de impostos na Receita Estadual. Na “cidade em que a lei é um bem maior” pelo menos meia dúzia de vereadores são investigados pelo Ministério Público por corrupção e uma vereadora aguarda (tranquilamente) decisão na Câmara Municipal sobre denúncia – com provas – de que ela ficava com parte dos salários de seus comissionados. Lá se vão mais de oito meses de impunidade sem se ouvir uma única panela.

Lula, no encerramento da Caravana Lula pelo Brasil, em Curitiba. Foto: Leandro Taques

Contudo, a República de Curitiba anda incomodada com seu principal hóspede, o presidente Lula. Desde que a operação contra ele foi iniciada, muitos curitibanos festejavam, em tom de orgulho e supremacia, e o aguardavam na cidade para ser enjaulado. Era o extermínio da corrupção. Mas Lula, que não veio a Curitiba, conforme o desejo de Moro, algemado para prestar depoimento em condução coercitiva, esteve livre na cidade por diversas vezes. Duas delas emblemáticas. Uma após sua caravana pelo sul do país, quando chegou à cidade na perspectiva de que seria preso, mas trazia em seu bolso um habeas corpus do STF. A outra quando prestou depoimento pela primeira vez a Moro, num duelo de Bang Bang narrado pela mídia, que terminou em comício na Praça Santos Andrade para milhares de brasileiros. A liberdade dele e a capitalização política do confronto até fizeram com que o juiz paranaense mudasse a estratégia e não quisesse mais ouvi-lo presencialmente.

Lula chega a Curitiba para depor ao juiz Sérgio Moro. Foto: Leandro Taques

Meses depois, Lula enfim seria preso em Curitiba, mas sem “o japonês da federal ao lado” ou imagens que pudessem apresentá-lo como um troféu para os denominados coxinhas. Rapidamente, o sonho dessa turma virou pesadelo. Ao encarcerar o sindicalista na PF, os lava-jateiros esperavam poder fazer seu passaporte para os EUA e ainda ter a oportunidade de tirar uma selfie com o ex-presidente atrás das grades. Quem sabe, excursões não seriam organizadas com o roteiro passando pela 13a Vara de Curitiba, no Ahú, e terminando no bairro do Santa Cândida, com o guia clamando que “aqui está o ex-presidente, preso por corrupção e por destruir o país”.

A realidade mostrou-se bem diferente. Excursões estão sendo realizadas e a Superintendência da PF virou ponto turístico das caravanas daqueles que defendem Lula. A estratégia de encarcerar o maior líder da esquerda brasileira e dar tempo ao tempo para que ele fosse esquecido não surtiu efeito. Ainda mais depois de ontem (1o de Maio), quando a conservadora cidade foi tomada pelos vermelhinhos dos movimentos sindicais e sociais. Curitiba se tornou a capital da resistência dos que querem Lula livre. Nem mesmo as bombas da polícia em sua chegada em 7 de abril ou os tiros contra o acampamento removem a ideia dessa gente de que é necessário libertar seu preso político.

Ciente disso, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN) tenta jogar para a torcida. Ele, que, ao invés de recepcionar os adversários políticos, como deve ser feito por um homem educado, civilizado e republicano, como primeiro ato solicitou o interdito proibitório da região. Agora, novamente, solicita que Lula e seus seguidores sejam expulsos do bairro Santa Cândida. Argumenta, e com razão, que o local não tem alvará e estrutura para abrigar importante figura política. Na prática, Greca não conseguiu capitalizar com a prisão e percebeu que o circo da Lava-Jato não rende mais tanta bilheteria.

1o de maio no acampamento Lula Livre. Foto: Leandro Taques

Mas há um grande problema em retirar de Curitiba seus ares cosmopolitas de centro político brasileiro e retornar ao pacato provincianismo jacú de uma cidade que tinha apenas como rótulos a antiga antipatia de seu povo e as quatro estações em um mesmo dia. Com Lula fora de Curitiba, se encerra a mística da honestidade que embalou tantos discursos oportunistas. A remoção dele para qualquer canto só vai provar que o ex-presidente jamais deveria ter sido trazido para a cidade, reforça o discurso de que Moro era incompetente para julgar Lula e amplia o argumento de um preso político que tem a capacidade de ganhar a eleição e fazer novamente o povo, livre da sanha autoritária e neoliberal que prende o país, subir a rampa do Planalto.