Brasileiro, venha para Lisboa

E aqui, lute por moradia, emprego e transparência pública





Lisboa, Portugal. Foto: Cristina Macia/Pixabay

“Venham para Portugal trabalhar. Aqui o povo é preguiçoso e os brasileiros trabalham bastante”. Essa foi a primeira frase que me marcou ao chegar em Lisboa. Ela foi dita pelo condutor que me levou, junto com a família, à hospedagem na casa de patrícios. Ao falar pelos cotovelos, foi logo dando as características do povo que já colonizou o Brasil e que hoje, não sei porque, admira nosso país. Ah, sim, pelas praias.

Sua frase foi sucedida por um bate papo sobre o excedente de trabalho no país com pouco mais de nove milhões de habitantes, mas com o povo que gosta de chegar ao serviço “às onze horas, sair pro almoço ao meio dia até duas e meia e às quatro e meia já quer ir para casa”, brinca nosso anfitrião que, como um taxista brasileiro habitual, critica os servidores públicos: “somos bem menores que a Alemanha, mas temos muito mais gente no serviço público. Enquanto se trabalha 40, 50 horas, os servidores fazem greve por jornada de 35 horas”. Achei engraçada essa observação. Embora um Atlântico nos separe, muitos dos nossos “vícios” ou relações com o Estado são mantidas. Evidentemente que não contei ao nosso condutor que no Brasil trabalho em um sindicato de servidores públicos.

Aproveitei a ocasião para dizer que os tupiniquins andam encantados com as notícias vindas de Portugal. Um país que mergulhou na crise econômica em 2008 e agora se recupera. Enquanto em terras brasileiras, a crise só aumenta desde o golpe: “Nós temos uma Portugal e mais um pouquinho de desempregados no Brasil. São 13,7 milhões”, cravei para seu susto.

Talvez por isso, muitos dos brasileiros que saíram às ruas de verde e amarelo hoje vistam o pendão rubro verde português. A terrinha é “o Brasil que deu certo”. Capitalismo governado pelos socialistas. Progresso e desenvolvimento social. Como não se encantar?

Todavia, essa observação é muito rasa para quem está a menos de um dia em Lisboa. Ainda nem deu tempo de visitar o Tejo, mas já deu pra ver gente dormindo no banco da praça. Não visitamos ainda Fernando Pessoa, mas vimos pedinte na Avenida da Liberdade, próximo a um animado forró nordestino de domingo, e em meio a lojas de grife. Sabe como é, do Batel ao bairro Belém, a luta de classes é a mesma.

E a vi colocada em outdoor, em pichação e mídia busdoor próximas a estátua do Marquês de Pombal. Os temas bem semelhantes entre os dois países: financiamento dos partidos, geração de emprego e moradia. O que mostra que no mundo globalizado, o sistema econômico e a classe dominante só mudam de endereço, não de costumes.

Partido conservador é contra financiamento partidário. Foto: Manolo Ramires

Uma dessas manias da classe política é montar no lombo do povo para financiar suas regalias. Muitos dirão que o Estado pagando as contas dos partidos é uma forma de conferir maior igualdade na disputa, uma vez que o financiamento privado permite disparidade nos recursos empregados e na visibilidade das candidaturas. Mas no Brasil, isso virou uma farra dupla. Se de um lado, o fundo partidário aumentou, mesmo em cenário de crise, de outro, o autofinanciamento é uma porta para possíveis caixas 2, 3, 4, 5 e seis. Já em Portugal, a CDS se explicou à população: “Votamos contra o financiamento dos partidos porque fazemos diferente”. Claro, sendo um partido cristão liberal conservador econômico de centro direita, seu discurso conforta ouvidos daqueles que enxergam um Estado inchado e que podem “bancar sua luta”. Aliás, o partido tem defendido a queda, ou renúncia, ou golpe, como queiram, do primeiro ministro português, António Costa, caso o orçamento de 2019 não seja aprovado. Será algo semelhante com as pedaladas fiscais que tiraram Dilma Rousseff do poder?

Juventude denuncia trabalho precário em Portugal. Foto: Manoel Ramires

Só que contrastando com o outdoor pago, a rua fala por meio de uma pichação da juventude da JCP. Com um desenho clássico de um cano jorrando moedas para a boca de um banqueiro gordo, se escreve que “erradicar a precariedade é possível”. A mensagem defende o trabalho permanente e regularizado para a geração de empregos eficazes e de qualidade. Isso nos lembra o trabalho intermitente aprovado com a reforma trabalhista no Brasil. Prova também que os liberais estão estabelecendo pontes e conceitos trabalhistas em nível mundial que a esquerda, pelo menos a brasileira, não tem conseguido mostrar ao povo.

Especulação imobiliária e falta de moradia é grande problema em Lisboa. Foto: Manoel Ramires

Por fim, um “lambe lambe” do Partido Comunista Português (PCP) coloca na agenda a falta de moradia para o povo e a especulação imobiliária como centro do debate urbano. Como contou nosso motorista, Lisboa não tem mais para onde crescer. Nem para os lados, nem para cima, o que encarece os imóveis e os aluguéis. O que torna a frase do lambe lambe perfeita para os problemas portugueses e para os anseios brasileiros antes, durante e após a queda de um prédio inteiro no centro de São Paulo que era ocupado por famílias sem teto: “A especulação deixa o povo sem habilitação”. Bom, não me aprofundei na reivindicação lusitana, mas entendo que aqui como lá no Brasil, é a omissão das elites, nunca disposta a abrir mão de seus privilégios, que permite tanta similaridade entre os bairros Belém e Batel.