Lisboa, Havanna e os ambulantes





Foto: Manoel Ramires

Subo em um ônibus de turismo em Lisboa e sou transportado para Havana, onde estive recentemente, no mês de março. Na capital de Cuba, duas coisas me incomodaram como turista. A primeira delas é a falta de informações no passeio. Uma cidade com tanta história em seus prédios e povo, pouco era ouvida no Hop on Hop off. Isso leva a crer que a ilha ainda está aprendendo a gerar riquezas com a “exploração” desse tipo de negócio. A verdade é que quem faz o tour, não sabe quando e como aconteceu a revolução que derrubou Fulgêncio e colocou os irmãos Castro no poder, qual é a participação de Ernesto Che Guevara na derrubada do governo e qual é o papel dos EUA no embargo econômico e nas sucessivas tentativas de acabar com a nova dinastia que controla Cuba até hoje. Informações fundamentais para enaltecer o caráter heróico do povo ou questionar (sejamos ingênuos) o controle e a falta de autonomia do povo.

Já em Lisboa, como qualquer ônibus de turismo, as informações positivas sobram a cada parada, a cada esquina que se vira. Sabe-se bastante – ou se é levado a crer – dos tempo áureos de Portugal, do fado, das características de sua nação. O curioso, se assim se pode dizer, é que essa terrinha é rica em histórias até 1800 e alguma coisa. Período em que controlavam os mares pelo mundo. É um pouco desses feitos, enaltecendo os navegadores e a tradição católica, que se ouve enquanto se circula por vias apertadas no bairro de Chiado. 

Por outro lado, nenhuma, mas nenhuma palavra sobre a riqueza de Portugal e Lisboa serem construídas em cima do ouro, do pau Brasil (Vera Cruz) e do lombo dos africanos. Mas cá pra nós, que já somos adultos suficientes (em 500 anos de história), não dá pra ficar séculos a fio responsabilizando Portugal pelas transformações que não fizemos ou fazemos no Brasil atualmente. Essa conta já é nossa.

Embarcando novamente na Praça da Revolução, em Havana, estranha a falta de trabalho ambulante tão comum aos locais que lucram com o turismo. Porque é batata: onde tem turista tem alguém tentando empurrar uma lembrancinha mais barata. Só que pela emblemática praça que abriga as imagens de Che e Fidel, somado aos diversos carros antigos que transportam turistas principalmente americanos e europeus (os brasileiros são poucos), não existem os vendedores precarizados. Nada de gente vendendo água para apaziguar o forte calor, ou a cerveja ruim, ou ainda oferecendo pipoca, algodão doce ou camisetas, chaveiros e bonés como lembrancinha. E assim é na maioria dos pontos turísticos. Uma completa ausência de gente que precisa improvisar, inventando alguma atividade precária e sem garantia trabalhista para conseguir sobreviver. Uma lástima para os turistas acostumados a fazerem caridade com algumas moedas ou notas pouco valiosas.

Já em Lisboa, se retorna a normalidade dessa relação. A cada parada, a cada ponto turístico, se é abordado por um português que na ausência de emprego regular, se vira vendendo uns chaveiros, uns lenços, bonés e qualquer artefato que garanta o sustento por poucas horas. Aliados a eles, os artistas tocam instrumentos dos mais divertidos em qualquer esquina, dentro do metrô, na porta de uma igreja e por aí a fora. Tudo ordeiramente improvisado. Tem também os naturais pedintes. Mulheres e homens um pouco mais idosos, mas europeus, que educadamente abordam com um “bom dia” seguida da pergunta “tem uma moedinha?”. É uma cena muito tentadora para uma alma católica sempre disposta a atenuar as dores monetárias desses quase ímpios.

Por outro lado, quem realmente me chamou a atenção foi o vendedor de pau de selfie. Lá pelos lados do Castelo de Belém, ainda próximo ao monumento dos Navegadores, de onde os portugueses partiram para tomar posse do Brasil. Ao oferecer o produto, o ambulante, que sequer trabalho intermitente tem, logo reconheceu o meu sotaque brasileiro e afirmou que já havia morado no Brasil. São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Porto Alegre, Florianópolis, Minas Gerais, nordeste. Listou onde teoricamente havia morado. Confiante, ofereceu o produto com desconto para “brasileiros”. E é sempre assim, em qualquer lugar do mundo, brasileiros são queridos e têm descontos especiais. Bobos são os americanos ou europeus que pagam a mais. Feito esse a parte, afirmo que recusei o pau de selfie. Um pouco decepcionado, ele disse que não voltaria jamais ao Brasil. Viveu por lá há 20 anos e Collor tomou toda sua poupança. Verdade. Collor ferrou a todos. Mas fez isso há quase 30 anos. Depois disse que deixou no Brasil dois filhos. Um de 20 no Rio de Janeiro e outro de 15, no nordeste. Quer trazê-los para Lisboa, pois é mais seguro. Mas a mãe não deixa. Certa ela, se existir, afinal, o pai é mal de contas e parece não ter muita coisa a oferecer a do que colocar os filhos para desempenhar uma função que não existe em Havana, por exemplo.