Ódio a Lula diz muito sobre quem o sente





Foto: Leandro Taques

Por Fagner Torres*

Há questões marcantes na leitura da entrevista concedida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, aos jornalistas Gilberto Maringoni, Juca Kfouri, Maria Inês Nassif e Ivana Jinkings, e que virou o livro “A Verdade Vencerá: o povo sabe por que me condenam”, publicado pela editora Boitempo. Parte delas, pretendo abordar neste texto.

Em cada uma das mais de duzentas páginas, fica evidente que o ex-presidente, mesmo prestes a ser preso na ocasião da entrevista, é um ser humano bastante incomum. Muito diferente da ampla maioria.

Aparentemente, Lula não se esqueceu de onde veio, quem é, e principalmente, para onde vai. A frase “não sou uma pessoa, sou uma ideia”, dita no comício em São Bernardo do Campo antes de se entregar à PF, parece realmente convicta. Não uma bravata política.

O líder petista tem absoluta altivez perante o destino e consciência de sua importância histórica. Diz que tudo tem um preço a pagar.

Eles me proibirem de concorrer depois daquela decisão do TRF-4 vai ser muito complicado. Muita gente diz: ‘Ah, Lula, se só tirarem você da disputa e não te prenderem, está bom’. Está bom nada, porque pra mim é uma questão de orgulho e honra pessoal, de comportamento de vida. Eles mexeram com quem não deveriam mexer. Eu não sou maior do que a lei, mas eles mexeram com quem não deveriam mexer, e eu não vou morrer com a pecha de ladrão.

Veja bem, isso é raro. Basta olhar para o lado: quantas pessoas perdem a razão diante de um possível quadro injusto contra si? E quantas você conhece que se acham mais relevantes do que realmente são?

Lula é diferente por que sua régua tem uma medida autodidata, intuitiva e sábia. Com serenidade, diz estar consciente que uma parte dos brasileiros torce para que os tipos como ele tenham o destino interrompido em uma curva no caminho entre o Norte e o Sul.

Por que o Brasil é um país onde subalternos não devem ter o direito a ascender. Onde nordestinos, negros e indígenas são intrusos, cujo destino deve reservar somente a cozinha, a masmorra ou a tumba. Por que vivemos num país onde os pobres acham que são de classe média. Onde a classe média pensa que é elite. E a elite tem certeza que é ianque.

No entanto, na tranquilidade do escritório do Instituto que leva seu nome – se é que existe algum lugar tranquilo para ele -, o ex-presidente respondeu às perguntas com a cabeça muito além de 2018.

Embora seja um homem do Século 20, no que tange à História, Lula antevê seu lugar no amanhã. Age como alguém cuja trajetória será objeto de estudo em algumas gerações. Tem fé, lamenta o estado de degradação moral a que nossa sociedade foi mergulhada, mas não demostra rancor pelo presente ou pessimismo quanto ao futuro. Por mais que o Brasil não indique qualquer pacto civilizatório quando este chegar. Pelo contrário.

Usa o espaço que o ofereceram para descrever com um bom nível de detalhe, as entranhas do poder político, deixando bastante clara sua opinião sobre a democracia e o que deveria ser feito para alcançá-la plenamente, ainda que os argumentos sejam questionáveis.

É um reformista convicto. Não propõe qualquer ruptura ou desobediência ao jogo, mesmo que, no seu caso, o resultado já estivesse determinado nas mãos de um juiz comprado, desde muito antes dos times entrarem em campo.

Enfim, Lula é um sujeito do qual podemos concordar ou discordar. Eu, por exemplo, discordo muito. Mas a resiliência com qual encarou sua ascensão, seu poder, seu achincalhe, seu lawfare e sua entrega, o coloca como um dos grandes. Espume você de ódio por ele na direita ou na esquerda.

Aliás, se você espuma, a dica é ler o livro e perceber que seu sentimento diz muito mais sobre você do que sobre o próprio ex-presidente.

* Fagner Torres é jornalista