“Djon, África”, a cordialidade e a saúde do luso-africano





Foto: Reprodução

Roberto Blatt*

Assisti hoje na abertura do 7º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, o filme Djon, África (Portugal, Brasil, Cabo Verde, 2018).

Confesso que curadoria é sempre um elemento que me intriga. Sempre vou ao Olhar do Cinema curiosamente provocativo para saber porquê a organização do festival escolhe determinados filmes. Nesse caso estava imbuído do mesmo espírito. E devo dizer que, novamente, o filme se auto-justifica.

Djon é um jovem da periferia de Lisboa, um espaço urbano que bem poderia ser classificado como um conjunto habitacional de qualquer país do terceiro mundo (sei que a expressão parece demodê, mas aqui ela é perfeita). O rapaz vive momentos de flâneur marginal praticando pequenos roubos e golpes. Vemos posteriormente que ele trabalha numa obra, e que nesse emprego provisório consegue dinheiro para viajar até Cabo Verde a fim de procurar seu pai que não conheceu.

É curioso que esse deslocamento de espaço parece continuidade: muda-se da Europa para a África mas há uma tipo de espaço contínuo entre Lisboa e Tarrafal. Devo dizer que o o bairro em Lisboa chama-se Amadora, e me deu a sensação de ser um campo de refugiados urbanizado, ou uma zona de imigrantes segmentada da “outra” Lisboa, a lusitana. Um gueto.

Festa dos Santos Populares da Boba, 2010, no Bairro Amadora em Lisboa. 

Djon é comunicativo, sensual, e imbuído de uma curiosa boa disposição quase full time para se relacionar com as pessoas e adaptar-se à aridez de qualquer situação como se a única coisa a ser feita fosse tirar proveito de cada uma delas … e também para ajudar pessoas, como acontece ao encontrar uma velha senhora que vive sozinha numa região montanhosa.

As peripécias do protagonista são recheadas com situações cômicas, além de momentos festivos eufóricos e outros lisérgicos e oníricos. O filme traz aquelas características que chamo, na falta de termo melhor, de pós-realistas: belíssimos planos gerais e profundidades desde as rodovias urbanas em Lisboa até a paisagem africana, que é explorada de forma quase idílica. Ao lado dessa típica característica realista aparecem elementos de fluxo, o que me impede de classificar definitivamente a obra. Essa classificação, aliás, desnecessária, serve aqui apenas como referência sucinta para resenha.

E justamente esse ar de paraíso na terra me fez pensar na completa ausência de violência. Seria uma ingenuidade ou o sonho de um saudável retorno sociológico à colônia?

É quase um retorno ao mundo paradisíaco das navegações lusitanas acompanhada de uma miscigenação sonora que meu ouvido identificou como um “baião” passando por kuduro, reggae e o que me parece trap africano. A musicalidade do filme e o design de som estão realmente muito bem colocados, criando uma espécie de ilusão anacrônica que mixa o totêmico com o futurista.

Mesmo tendo uma estrutura distinta de um filme tradicional, até pelo belo traquejo documental de seus diretores, João Miller Guerra e Filipa Reis, Djon, África é uma espécie de “Ulisses” inverso: na sua jornada de herói ele volta para uma pátria que não é sua e onde deixará o pai no passado. E afinal, contrariando a música que encerra o filme, o futuro, para ele, não está na África.

Nota 9,0/10

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*Roberto Blatt, professor de filosofia na rede pública estadual, é fã de cinema, cineclubista e pesquisa as relações entre cinema, filosofia e educação no âmbito do Mestrado Profissional em Filosofia da UFPR desde 2017.