Cármen Lúcia dá “as costas” para greve de fome em frente ao STF

Manifestantes estiveram no Supremo na quarta-feira, dia 22, para falar com a ministra Rosa Weber




FonteBrasil de Fato

Foto: Adilvane Spezia / MPA e Rede Soberania

Os sete integrantes de movimentos populares do campo e da cidade que deflagraram greve de fome há 23 dias foram recebidos nos Supremo Tribunal Federal (STF) para que expusessem suas demandas. Os grevistas passaram parte da tarde e da noite, desta quarta-feira (22), na Corte. Ao final do dia, porta-vozes do protesto afirmaram que a data significou uma ocupação simbólica do órgão. Chegando ao Supremo por volta das 15h, os grevistas foram recebidos pela chefe de gabinete do ministro Luis Roberto Barroso.

Kelli Mafort, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), acompanhou os grevistas e afirmou, ao final do dia, que foi exposto o compromisso político de combater o retorno da fome e da miséria ao país, bem como a visão de que a candidatura Lula representa para a população a esperança para superar tal situação.

“Fomos recebidos por esta representante do ministro Barroso. Colocamos nosso pleito principal da greve de fome. Ela anotou e ficou com o compromisso de levar até o ministro Barroso”, afirmou Kelli.

Durante a tarde, houve expectativa de que os grevistas seriam recebidos posteriormente pelo próprio Barroso, o que não se concretizou. Segundo Mafort, um encontro presencial com o ministro deve ser novamente pleiteado. Após o fim da sessão de julgamentos do STF nesta quarta-feira, a ministra Rosa Weber recebeu a comissão dos grevistas de fome.

“Fomos muito bem acolhidos. Colocamos nossa mensagem: nós, brasileiros e brasileiras, através dessa ação dura, mas corajosa, não desistiremos do país. Estamos lutando para que não haja uma volta radical da fome e a miséria não se expanda. E para que sejam garantidos os direitos democráticos. Na nossa visão, nós ocupamos hoje o Supremo Tribunal Federal”, avaliou Mafort.

Segundo a militante do MST, os grevistas pediram que a ministra Rosa Weber, no caso de uma decisão, vote de forma “consciente” tendo em vista a realidade do povo brasileiro.

Os grevistas exigem que o STF coloque em sua agenda de votações a Ação Declaratória de Constitucionalidade 54, que pede a revisão da posição da Corte sobre a possibilidade de prisão apenas após condenação em segunda instância.

Quando da votação de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Barroso, conhecido por seu alinhamento à Lava Jato, votou a favor da prisão após segunda instância. Já a ministra Rosa Weber declarou ser contrária à possibilidade, mas considerou que a posição do Supremo, assumida em 2016, não poderia ser revista em um caso específico.

Cabe à Presidência do STF, hoje ocupada por Cármen Lúcia, determinar que a ADC vá a julgamento, já que o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, já finalizou seu voto.

Grevistas de fome, com 23 dias sem se alimentar, passar mal durante ato em frente ao STF no dia 22 e precisa ser levada ao hospital para atendimento médico hospitalar. Zonália Santos recebeu os primeiros socorros ainda em frente ao Supremo pelos Médicos e Medicas da equipe de saúde da greve de fome por justiça no STF. Foto: Adilvane Spezia / MPA e Rede Soberania

Carta aberta à presidente do Supremo Tribunal Federal

Presidente Cármen Lúcia,

Pretendia fazer esse pleito pessoalmente, por ocasião da visita a Vossa Excelência do sr. Adolpho Perez Esquivel, na pequena comissão de representantes da sociedade brasileira. Mas isso não foi possível. Resta-me faze-lo por esta carta, animada por suas demonstrações de solidariedade à luta e à memória de minha mãe, já feitas publicamente e diretamente a mim. As mulheres mineiras, como são ambas vocês, têm tradição em nossa História de bravura e compaixão. Assim foram, na Inconfidência, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo e, na Revolução de 1930, Tiburtina Alves, que, em suas épocas, na defesa de causa maior, desafiaram o medo e o senso comum. No momento, a causa extrema é a da nossa Democracia. Faz-nos aflição nos sentirmos na iminência de perde-la, abalada pela disseminação de um ódio que contamina e torna violenta a nossa sociedade, pela primeira vez na História republicana dividida radicalmente. Amigos rompem relação, parentes não se falam, vizinhos deixam de se cumprimentar. Não houve precedentes em nossa sociedade, a não ser nas ditaduras, quando o temor de retaliações e estigmas levava pessoas a evitarem umas às outras.

Felizmente, lá se vão mais de trinta anos do último período de exceção. Contudo, os ares da excepcionalidade voltam a nos sufocar, confundir e separar. Urge que a Constituição Brasileira volte a ser cumprida em sua integralidade o quanto antes, o tempo atropela o desenrolar dos fatos, e as consequências são imprevisíveis. Peço a Vossa Excelência e aos demais membros da Corte que ouçam as vozes, não as que lhes são mais próximas, mas as das ruas. Que atentem para o clamor popular, que se faz revolta pelo descrédito que agora inspiram ao povo as nossas instituições. Vemos manifestações em lugares públicos, marchas, movimentos, até greves de fome ocorrerem, na esperança de lhes atrair a atenção. De lhes merecerem um olhar ou até mesmo a preocupação.

Por favor, sra. Ministra, Deus lhe deu esta missão importante de apaziguar a Nação com seus atos, conduzindo este momento da História. Sei que o Supremo de nosso país tem sido capaz de atos de coragem que desafiam o próprio tempo. Como o do saudoso ministro Adauto Lúcio Cardoso, outro mineiro. Primo-irmão de minha mãe, em família divergiam no pensamento político, mas eram convergentes na causa comum das liberdades democráticas.

Ministra Carmen Lúcia, lhe rogo que paute as Ações Declaratórias de Constitucionalidade, que colocam em questão o entendimento firmado pela Corte de autorizar o cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Esta é a reivindicação que temos percebido no clamor das ruas, levando até sete militantes de movimentos populares a completarem hoje 22 dias de greve de fome no Distrito Federal.

Vamos apascentar os corações deste país, antes que tenhamos que verter lágrimas por esse sacrifício em seu momento extremo, que parece estar próximo.

Sei de sua bravura, peço-lhe, também, a compaixão.

Muito respeitosamente,

Hildegard Angel