A revelação de que empresas foram utilizadas para pagar o envio de mensagens favoráveis ao candidato Jair Bolsonaro (PSL) e contra seus adversários, em especial Fernando Haddad, pode levar a cassação da candidatura da chapa inteira. É o que avalia Guilherme Gonçalves, advogado graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestrando em Direito Constitucional pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil. Especialista em Direito Público e Direito Eleitoral. Nessa entrevista ao Porém.net, ele explica quais são os crimes eleitorais cometidos por Bolsonaro. Para o especialista, “no caso, há uma dupla gravidade, no sentido de Caixa 2. Porque é dinheiro não contabilizado e fornecido por pessoa jurídica, que a legislação eleitoral considera fonte vedada”. Esse é um dos argumentos que serão utilizados pelo PT, PSOL, e PCB, que já fizeram pedido de audiência à presidenta do TSE, ministra Rosa Weber.
Porém: A compra de mensagens favoráveis a Bolsonaro não pode ser considerada simplesmente apoio de campanha?
Guilherme Gonçalves: A compra de mensagens de Whatsapp por empresas que apoiam Bolsonaro não é considerada manifestação individual do eleitor, pois ela só pode e deve ser gratuita. Nunca se pode utilizar nenhum instrumento de impulsionamento, fora daqueles que o cidadão comum tem acesso.
Porém.net: Então, o impulsionamento por empresas é grave?
Guilherme Gonçalves: “No caso denunciado pela Folha de São Paulo é ainda mais grave porque se tratam de empresas. Desde o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4650, as empresas e as pessoas jurídicas estão absolutamente proibidas de participar de qualquer ato da vida política da democracia representativa brasileira. Seja antes ou durante as eleições. Sobretudo, doar, direta ou indiretamente na campanha a favor de candidato, partido ou coligação”.
No caso, há uma dupla gravidade, no sentido de Caixa 2. Porque é dinheiro não contabilizado e fornecido por pessoa jurídica, que a legislação eleitoral considera fonte vedada. Essa situação é ainda mais agravada pela violação ao artigo 57C, da legislação eleitoral, da lei 9504, que explicitamente determina que só candidato, partido e coligação, podem impulsionar, usando internet, redes sociais, e a propaganda tem que ser absolutamente identificada.
Ainda mais: o TSE, em reiteradas decisões, tem entendido que impulsionamento em redes sociais só é permitido para propaganda positiva e não para propaganda negativa.
Porém.net: O uso dessas empresas pode ser considerado Caixa 2 e levar a impugnação?
Guilherme Gonçalves: A circunstância dessa denúncia materializa uma gravidade muita séria em relação a campanha. Isso é mais agravado pelo valor que, segundo a reportagem da Folha de São Paulo, está sendo utilizado. Se imaginarmos que a campanha pode gastar no máximo R$ 70 milhões, e mais 40% no segundo turno, o valor de R$ 12 milhões é substancial e tem a gravidade necessária e exigida pela legislação eleitoral para se aplicar uma pena de cassação. O artigo 30A, que torna ilegal o Caixa 2 eleitoral, ele não prevê gradação de suas sanções. Ou é cassação ou não tem outra sanção.
Porém.net: Bolsonaro pode ser cassado agora, como querem os partidos?
Guilherme Gonçalves: A legislação eleitoral permite que uma eventual cassação de mandato por esses fatores seja procedida de três maneiras. Durante a campanha eleitoral, é possível ajuizar uma ação de investigação judicial eleitoral e pode ser ajuizada a qualquer momento até a diplomação dos candidatos. Depois da diplomação, as ações de investigação judicial eleitoral persistem, se não forem julgadas até lá. Depois da diplomação, há duas espécies de impugnação ao diploma e ao mandato. São elas recurso contra a expedição do diploma, que me parece não ser possível de utilizar nesse caso, porque ele se destina a apurar casos de ilegibilidade superveniente e há uma ação constitucional que está prevista no parágrafo décimo primeiro do artigo 14 da Constituição Federal que é a ação de impugnação de mandato eletivo.
Porém.net: Além dos partidos, cidadãos comuns podem pedir a anulação da candidatura?
Guilherme Gonçalves: Se houverem várias ações postas com o mesmo conteúdo de fato, no caso, por suposto apuração do uso de financiamento de rede social e Whatsapp para impulsionamento de propaganda negativa feito por empresa, atualmente há uma disposição na lei eleitoral, o artigo 96B, determinando que essas ações sejam todas reunidas para julgamento conjunto.
O que se busca apurar é se a eleição desse candidato, se a sua campanha foi ou não contaminada pelas várias formas de abuso de poder. Mesmo que o candidato não tenha participado diretamente ou explicitamente das irregularidades, que geraram abuso, ele ainda assim pode sofrer a cassação, porque o que se avalia é a legitimidade do pleito do que a culpa ou dolo do candidato de provocar algum tipo de conturbação da sua eleição.