Ato com apoiadores consolida resistência dos moradores das ocupações de Curitiba

Famílias que moram nas ocupações da CIC contam com solidariedade dos curitibanos para superar descaso nas políticas públicas da cidade




FonteIDP

Foto: Paula Padilha

“A ocupação já tem rua com nome, tem CEP, tem caminhão de lixo e linha de ônibus passando. Mas falta iluminação pública, saneamento, esgoto, a instalação de água é precária”. O relato foi feito pelos moradores Chocolate e Valdir, lideranças da Nova Primavera, primeira das quatro ocupações consolidadas no bairro Cidade Industrial de Curitiba, que começou em setembro de 2012.

Essas mesmas carências básicas são sentidas nas outras três. “Nossas prioridades principais são (acesso a) água, luz, saneamento básico e regularização”, declarou Lilian, da Tiradentes. “No google já não está mais ocupação, está Vila Tiradentes”, comemorou a liderança, inflando os moradores, que a cada relato cantavam palavras de resistência.

Na Dona Cida, local onde fica a tenda azul para as reuniões comunitárias e atos públicos, como este realizado num domingo, 20 de janeiro, a preocupação é com uma ordem de despejo que está em vigência. A justiça concedeu reintegração de posse em outubro de 2018 e, desde então, os moradores deixam as dificuldades com falta de água e luz de lado. O foco é fortalecer os projetos comunitários para melhorar coletivamente a vida de todos e dessa forma também resistir.

De acordo com Neia, os projetos já em fase de finalização são o parquinho para as crianças e o salão da associação de moradores para a realização de cursos. Construído tudo pelos próprios moradores, com doações e trabalho voluntário, uma das intenções é também uma quadra de vôlei e futebol. “Essa tenda é uma obra priorizada, faltava um lugar pra gente se reunir”, disse Serginho, um dos coordenadores da ocupação.

A Prefeitura esteve recentemente na área, que reúne cerca de 1.300 famílias, após o incêndio criminoso que destruiu a Ocupação 29 de Março, na madrugada entre 07 e 08 de dezembro de 2018, durante uma ação policial no local. Enviou membros da Cohab e da Defesa Civil, para cadastrar quem perdeu tudo, mas não se fala em regularização. Nem em políticas públicas que possam promover cidadania e dignidade para os moradores.

A 29 de Março começou a ser reconstruída com a ajuda voluntária de diversas entidades da sociedade civil. A ONG Teto construiu 21 casas e realizava cadastro de novas famílias que tivessem interesse futuro que eles construíssem outras. Grupos de pesquisa de cursos de engenharia e arquitetura das universidades federais UFPR e UTFPR disponibilizaram mapas topográficos e orientações sobre os espaços públicos adequados para a reconstrução. Com materiais de doação, algumas famílias já estão instaladas.

Agradecendo as ações e doações, a coordenadora Juliana explica em que patamar está a reorganização material dessas famílias. “Tá faltando poste de luz. Precisamos de ajuda para cobrar o asfalto na rua principal. Falta água direto. Precisamos de doação de tambor para fossas. Precisamos de ajuda para que as famílias tenham banheiros. De iluminação nas áreas públicas”, explica. Na Ocupação 29 de Março, foram construídos banheiros coletivos e as casas novas ainda não possuem banheiro privativo.

O ato do último domingo para reunir apoiadores foi convocado pelos moradores, para que essas ações mobilizadas pelo evento do incêndio, tenham vínculo permanente na área, que tem pouquíssimo acesso ao Estado. Simbolicamente, após os moradores se manifestarem, representantes de diversas entidades presentes assinaram uma carta compromisso com as ocupações, com a luta pela regularização fundiária, pela promoção da cultura no local, para que as moradias tenham acesso à regularização da energia elétrica, da água, do saneamento básico, através de políticas públicas inexistentes.

O Instituto Democracia Popular, que atua junto às ocupações nas ações judiciais de reintegração de posse, na articulação pela regularização fundiária e no apoio às vítimas do incêndio junto à Defensoria Pública, assinou o documento. “Embora a gente atue juridicamente pelas ocupações, a gente acredita que a luta é muito mais política do que jurídica. Mas o que o IDP puder fazer juridicamente, vocês podem contar com a gente”, disse a advogada Denise Fillippeto, do IDP.

A coordenadora de Direito à Cidade do IDP, Mariana Auler, assinou a carta compromisso pela entidade e destacou que o IDP vem contribuindo também no trabalho da comunicação junto às ocupações, de divulgação das denúncias, reivindicações e ações, para dar visibilidade na imprensa às famílias.

Outras entidades que formalizaram apoio às ocupações foram o MPM, o MST, o MLNM, o PT, a Comvida, o PC do B, os mandatos dos vereadores Professor Euler e Professora Josete, pela UFPR o professor José Ricardo de Faria, o bloco de carnaval Garibaldis e Sacis e a ONG Teto.

O ato foi conduzido pelo ativista Paulo Bearzoti Filho, do Movimento Popular por Moradia, que contou as histórias de formação e resistência das quatro ocupações e que a organização popular é responsável por não ter morador de rua naquela área, pois ainda que haja disposição de todos para negociar com a prefeitura, o prefeito Greca “bateu a porta na nossa cara”, disse. “Não vai ter despejo, mas para não ter, a gente tem que lutar”.

O bloco Garibaldis e Sacis, que completou 20 anos nesta semana, encerrou o encontro realizando um pouco do carnaval de rua junto à população das ocupações. Crianças batucaram e dançaram ao lado dos percussionistas, cantores e passistas.