Por que não vamos apenas celebrar?

Nesta data é necessário também se discutir a hipersexualização dos adolescentes





8M em Curitiba. Foto Gibran Mendes

Por Michele Bravos*

Uma luta que tem na sua base a morte de mulheres operárias não é para ser comemorada, mas lembrada e respeitada. O 8M, como vem sendo chamado o Dia Internacional da Mulher, lembrado neste dia 08 de março, surgiu após a diversos movimentos liderados por mulheres na busca por melhores condições de trabalho, pelo fim do trabalho infantil e pelo direito ao voto feminino.

É preciso lembrar do que motiva, de fato, a existência deste dia para torná-lo cada vez mais conhecido e para que não tropecemos em faixas rosas e flores sem sentido a cada 8M. E isso já vem mudando – ainda bem. A celebração deve, sim, existir pela conquista de direitos equânimes ao longo do tempo, mas ainda há um longo caminho a se percorrer.

Lembrar do 8M é também de lembrar de histórias por vezes invisibilizadas de meninas e mulheres que têm tido seus direitos humanos violados. É lembrar de uma menina de 10 anos que, quando questionada sobre o que ela mais gosta de fazer, ela diz: namorar.

A hipersexualização da infância, caracterizada por atitudes externas que impõem sobre a criança comportamentos de adultos, não pode soar natural aos ouvidos de alguém em sã consciência.

Eu me lembro dessa menina. Lembro de ela não gostar da escola, de torcer para o Athlético Paranaense, de ela ter irmãs e irmãos, de ela ter cabelo ondulado castanho claro e de ele estar suado, revelando alguém que jogou muito futebol antes da nossa atividade. Lembro também dos seus olhos borrados de uma maquiagem que escorreu pelo seu rosto enquanto cruzava o campinho de um gol até o outro. A mãe, solteira – realidade que corresponde a 11,6 milhões das famílias do Brasil, segundo os dados mais recentes do IBGE (2015) – sustentava muitas filhas e filhos como cabeleireira.

Nessa época, o Instituto Aurora estava realizando um projeto com meninas e mulheres de uma das regiões mais violentas de Curitiba, no Paraná. Foram horas de conversas por meses com meninas e mulheres.

A Fabiana, uma mulher de uns 40 anos, reluzente, e com uma filha já adulta de 21 anos, chamava a atenção. Diferente da maioria, ela não tolerava o comportamento manipulador do ex-marido. Queria saber dos seus direitos e já desconfiava que era errado ela não ter acesso aos seus pertences ficados na casa em que moravam juntos antes da separação.

A violência patrimonial é pouco conhecida, mas é um dos tipos da violência contra mulher e está descrita na Lei Maria da Penha. Apesar do nome, ela não é restrita às pessoas ricas, uma vez que compreende-se como patrimônio qualquer pertence, utensílio ou bem pessoal.

Diante de histórias como essas, o 8M não é para ser somente celebrado. É um dia de luta sem violência, para levantarmos as nossas palavras e ampliarmos as discussões acerca das desigualdades brasileiras (de gênero, raça e classe) que favorecem a violação dos direitos das mulheres.

O Brasil imergiu em um mar de relativismo e parece estar difícil sair de lá. Por isso, quem está na superfície ou já na beira que fale. Carecemos, como nação, de lucidez, coerência e posicionamento crítico.

Para inspirar a luta de hoje, fiquemos com o que pensam e dizem meninas e mulheres por tantas vezes mantidas na invisibilidade em nosso país, sobre a pergunta: “O que você mudaria no mundo?”.

“Daria direitos iguais a todas as pessoas, porque as mulheres precisam ter os mesmos direitos do que os homens”.

“Eu mudaria a violência, para que não tivesse mais”.

“Eu colocaria mais respeito no mundo”.

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*Michele Bravos é docente na PUC e Diretora Executiva do Instituto Aurora