Em 21 de março se celebra o Dia Mundial das Florestas. Uma data para reforçar as ações de preservação acontecendo no mundo e, principalmente no Brasil. Nessa conversa com Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), ele discute sobre a importância de preservar a Grande Reserva Mata Atlântica, que abrange Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Clóvis faz um alerta: “O Paraná na história recente é o Estado que mais desmata áreas nativas nos domínios da Mata Atlântica”. Ele ainda critica a iniciativa do governo de Jair Bolsonaro (PSL) de enfraquecer a proteção ambiental.
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Porém: No Dia Mundial das Florestas, temos algum motivo para comemorar?
Clóvis S R Borges: Devemos nos esforçar em evidenciar as inúmeras ações positivas , vindas de todos os setores e em diferentes escalas, que contribuem com a conservação de áreas naturais em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil. Em especial as abordagens inovadoras e que buscam novos mecanismos que permitam uma agenda que reconheça a importância estratégica de áreas naturais para diferentes questões, fundamentalmente econômicas e sociais. Apesar da perda de terreno no campo da proteção da natureza que ainda vivemos, a saída mais pragmática para reverter essa situação é o aporte de exemplos bem sucedidos e a sua capacidade de gerar resultados em escala. E não apenas o importante combate à destruição.
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Porém: Nos EUA, ao comparar com a luta da Argentina pela Ilhas Maldivas, o presidente Bolsonaro disse que “a Amazônia não é mais nossa”. Qual é o o risco dessa fala para esse ecossistema e para os demais que existem em nosso país? 
Clóvis: Em primeiro lugar é preciso lembrar que boa parte da Amazônia não está no Brasil, e sim em muitos países da América do Sul. Depois, não existe nenhuma ameaça conhecida que coloque em risco a dominialidade do território brasileiro, seja na Amazônia seja no restante do nosso território.

Na década de setenta esse factoide foi amplamente utilizado para viabilizar as grandes obras de infraestrutura como a Transamazônica, por exemplo.

Talvez o que esteja ocorrendo hoje é uma nova tentativa de manipulação de informações para justificar a continuidade do avanço desordenado que vem causando a destruição dessa região a partir de atividades econômicas de baixíssimo valor agregado. E que são amplamente conhecidas da sociedade, como a pecuária extensiva. Além do amparo para a extração de madeira que mantem-se sem controle em brande parte. Politicamente os responsáveis por essas práticas superam em muito o poder dos que sustentam outras vias de desenvolvimento para a região amazônica.
Clóvis S R Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)
Porém: Qual é a  problemática que envolve a exploração madeireira de florestas nativas? 
Clóvis: Fora da Amazônia a prática de manejo de florestas nativas já é considerado inviável, tanto economicamente como ambientalmente. Não temos suficientes remanescentes naturais para manter esse tipo de atividade. Além do que nunca houve uma condição adequada para se conciliar o manejo de florestas nativas com uma agenda mínima de conservação. Ao contrário, o que se tem como prática generalizada é um processo que acaba com desmatamento raso e implantação de monoculturas nessas áreas supostamente “manejadas”, sejam monoculturas de árvores sejam práticas agropecuárias em geral. As tentativas de exploração na Amazônia, mesmo quanto acompanhadas de controle técnico, ainda não comprovam suficiente compatibilidade entre o viés econômico e o ambiental. Além de que a grande maioria das ações extrativistas nessa região serem ilegais.
Foto: Zig Koch/SPVS
Porém: O Paraná tem sido um estado minimamente efetivo na preservação e conservação das florestas?
Clóvis: Infelizmente não.

O Paraná na história recente é o Estado que mais desmata áreas nativas nos domínios da Mata Atlântica, sendo que não conseguimos realizar um amparo adequado a agenda da proteção de áreas naturais.

Há uma enorme distância entre a manutenção de áreas naturais e o desenvolvimento de atividades econômicas tradicionais, tanto no campo como em áreas urbanas. E esse problema não ocorre por falta de lastro jurídico ou de informação. Existe legislação que suporta a necessidade de manutenção de áreas naturais no território, tanto em áreas públicas quanto privadas. E o enorme potencial econômico dessas áreas já é, em boa parte, de conhecimento público. Essas áreas são fonte fundamental para provisão de água, mitigação do efeito de eventos climáticos extremos, garantem a conservação de solos e a polinização da agricultura. Ao mesmo tempo, pela riqueza e diversidade de nossos ambientes podem ser elementos para o desenvolvimento e implantação de atividades turísticas com grande valor agregado como geradores de renda e empregos. No entanto, precisamos urgentemente passar a estabelecer práticas econômicas que deixem de olhar para o século passado e possibilitem uma condição de compatibilização positiva em que a existência de áreas naturais sejam reconhecidas e valorizadas como ativos para o desenvolvimento e a qualidade de vida.
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Porém: De que políticas publicas o Brasil ainda precisa para passar a respeitar a natureza? 
Clóvis: O Brasil é o país reconhecido como campeão em biodiversidade de todo o Planeta. Mesmo assim, nenhuma região do país tem um reconhecimento como atrativo turístico internacional dentre os mais importantes do mundo. Recebemos menos turistas do que um só parque nos Estados Unidos atrai por ano. Certamente esse cenário potencial deve se explorado de maneira mais expressiva e pragmática. Ao mesmo tempo, o Brasil é o país com uma legislação moderna que ampara a necessidade de que uma fração de cada propriedade mantenha remanescentes naturais na forma de Reserva Legal e de Áreas de Proteção Permanente. Mas a aplicação da lei acaba sendo fragilizada por uma visão que não apregoa adequado valor a manutenção dessas áreas. Essa valorização, a partir de diferentes estratégias, muitas delas já aplicadas em pequena escala, deve ser o instrumento para contrapor a prática até aqui mais conhecida, que implica do descumprimento da lei e da geração de pressões políticas para enfraquecer esses instrumentos tão estratégicos para a sociedade brasileira.
Arquivo SPVS
Porém: O que é a iniciativa Grande Reserva Mata Atlântica e qual a sua importância para o Brasil e o Paraná?
Clóvis: A iniciativa Grande Reserva Mata Atlântica nasce a partir de um verdadeiro milagre: o fato de ainda existirem quase dois milhões de hectares de ambientas naturais contínuos entre os Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, na região da Serra do Mar e parte da Área Costeira. É o maior remanescente de Mata Atlântica em bom estado de conservação do planeta. E esse bioma é reconhecido em todo o mundo como um dos pontos de maior importância para a proteção de ambientes naturais e suas espécies únicas. Dentro da delimitação desse território, formado por diversas Unidades de Conservação e de propriedades privadas, ocorre um riquíssimo conjunto de paisagens naturais, fauna e flora exuberantes, culturas regionais, como caiçaras e guaranis, e uma infraestrutura pouco encontrada em outros locais com condições naturais semelhantes. Além disso um público de mais de 24 milhões de pessoas vive no entorno dessa região, com cada vez mais interesse para atividades na natureza, amplamente difundidas como formas qualificada de lazer e de manutenção de condições de saúde.

A visão trazida pela iniciativa Grande Reserva Mata Atlântica reflete enormes possibilidades de desenvolvimento econômico e social até hoje pouco percebidas como oportunidade.

Onde a produção de natureza, obtida com a adequada proteção de áreas naturais, suas espécies e a cultura regional, geram uma economia restaurativa. Permitem a garantia de áreas bem protegidas, geração de emprego e renda para populações locais e a abertura de oportunidades para a fixação de jovens em sua região de origem. Mais do que isso, trata de um posicionamento agregador que estabelece sinergias entre diferentes públicos de interesse, permitindo um esforço conjunto que proporcione tornar essa área única num grande destino turístico internacional. Com um conjunto de iniciativas de comunicação, há disponibilidade nas redes sociais de vasta informação sobre essa iniciativa, o que inclui as Histórias da Grande Reserva Mata Atlântica.