Ataques à democracia e universidades públicas estiveram em pauta na UFPR

III Semana Edésio Passos contou com a presença de estudantes, advogados e militantes de movimentos sociais





Estudantes, advogados e militantes de movimentos sociais participaram da abertura da Semana Edésio Passos. Foto: Julio Carignano

A Universidade Federal do Paraná (UFPR) abriu as portas nos últimos dois dias para debates sobre a democracia, tema central da III Semana Edésio Passos, organizada pelo Instituto Edésio Passos, entidade que homenageia o ex-jurista, jornalista, deputado e militante que fez parte da história da luta dos trabalhadores e da resistência contra a ditadura militar no Paraná.

O evento foi aberto na quinta-feira (4) com uma conferência com o professor Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da UFPR, que abordou a importância da universidade como espaço de resistência e reafirmação dos valores democráticos. Ele apontou que, em um primeiro momento, as universidades interferem de modo imediato na sociedade como foco da inteligência, ciência e saber do país. Apesar de representarem cerca de 15% do total de instituições de ensino superior, as públicas (estaduais e federais) produzem mais de 90% da ciência, tecnologia e inovação do Brasil.

Reitor Ricardo Marcelo abordou o papel da universidade pública na construção da democracia. Foto: Julio Carignano

Em um segundo momento, conforme Fonseca, a universidade pública é o principal espaço do pluralismo de ideias na sociedade, especialmente no atual momento marcado pela “intolerância, incapacidade de comunicação e pelo maniqueísmo”. “Ao contrário do que a grande mídia diz, essa mídia enviesada, o pluralismo é a marca da universidade pública. Aqui temos de tudo, não há patrulhamento de esquerda ou direita. Temos os que pensam roxo, preto, branco, vermelho. Esse é um espaço plural, mas se uma visão de mundo é hegemônica sobre a outra, isso acontece dentro da batalha das ideias”, apontou.

O reitor destacou que ao longo de seus 106 anos de história, a UFPR deixou de ser um espaço da elite paranaense. “Tenho orgulho de dizer que sou reitor de uma universidade cada vez mais colorida, socialmente mais plural e cada vez mais feminina. Ela [UFPR] deixou de ser elitista, passou a ter função de inclusão”, comentou. Para terminar, Fonseca falou da atual fase de desinvestimento do ensino superior, com cortes de verbas e programas de pesquisa. “Vivemos tempos doentes, uma época em que é precisamos de luz. Não há futuro sem inteligência”, completou.

Para advogada Marilena Winter, vice-presidenta da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção Paraná, a democracia está ameaçada pela “era das redes sociais” que pautou as últimas eleições presidenciais. “Vivemos uma realidade de notícias criadas, fatos insignificantes sem valor que são pretextos para atacar a democracia. Tempos de Twitter, dos 140 caracteres, das Fake News. Tempos de cortinas de fumaça que se criam para tramar algo por trás dessas notícias. Tudo é escopo de atacar a democracia e coloca-la em xeque”, apontou.

Democracia e parlamento

Na segunda parte do seminário, a vereadora Professora Josete (PT), o deputado estadual Goura (PDT) e o advogado e ativista dos direitos humanos Renato Almeida Freitas debateram participação política, direito à cidade e o papel de mandatos populares na construção da democracia.

Em seu quarto mandato na Câmara de Curitiba, Josete falou dos limites de atuação em um espaço predominantemente conservador e machista. Apesar das dificuldades, a vereadora apontou que o parlamento é um das principais trincheiras para se debater os rumos da sociedade. “O parlamento deve ecoar as pautas da sociedade e buscar dar respostas a essas demandas dentro de sua diversidade. Esse hoje é nosso maior desafio”, destacou.

Segunda parte do seminário debateu parlamento e participação popular. Foto: Júlio Carignano

O ex-vereador e agora deputado Goura destacou que a atual relação entre os poderes executivo e legislativo tem contribuído para o esvaziamento da democracia. “Além de criar leis temos uma atribuição fundamental que é da fiscalização. Infelizmente temos um alinhamento tácito deste poderes, uma submissão das casas legislativas aos poder executivo. Isso causa um esvaziamento da atividade política e da democracia. Isso acontece geralmente pelo atendimento de demandas do parlamentar ou mais explicitamente em troca de cargos de indicação do legislativo. Isso não é falado, não é escrito. Dos mais de 600 cargos comissionados na prefeitura de Curitiba, muitos deles são indicações de vereadores”, citou.

População esquecida

O advogado e militante Renato Almeida Freitas encerrou o debate focando na questão da segurança pública. Ele fez uma avaliação da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), eleito com uma pauta que debatia predominantemente essa questão. Para Freitas, a “esquerda tradicional” e os partidos políticos esqueceram a parcela marginalizada da população e não deram a devida atenção ao tema, o que possibilitou a eleição de um candidato com o discurso fascista de que “bandido bom é bandido morto”.

“Essa pauta da segurança pública foi esquecida pelos movimentos da esquerda tradicional, pois essa esquerda não estava lá pisando no barraco, não estava dentro nas comunidades. Ela não tem que conviver com a polícia batendo todo dia na porta do barraco, dando tapa na cara da sua mãe ou sendo presa por 30 gramas de maconha no seu guarda roupa. Essa foi uma pauta esquecida”, criticou.

Para Renato Freitas, a democracia ideal deve incluir essa camada da população. “Como discutir democracia se hoje somos um dos países mais violentos do mundo, que mais encarcera a população, que mais mata jovens da periferia?”, questionou. “O processo democrático que eu sonho é que olhe para quem morre e para quem não está inserido no estado democrático de direito”, concluiu o advogado.

III Semana Edésio Passos

A III Semana Edésio Passos, que debate temas relacionados à democracia, encerrou nesta sexta-feira (5) com um debate sobre a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, com a missão de promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. O debate sobre o centenário da OIT contou com as participações do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PR), Luiz Eduardo Gunther e dos professores da UFPR Tatyana Friedrich e Sandro Lunard.